terça-feira, 11 de outubro de 2011

Casimiro de Abreu (As Primaveras) Parte 2


NO ÁLBUM DE J.C.M.

Nestas folhas perfumadas
Pelas rosas desfolhadas
Desses cantos de amizade,
Permite que venha agora
Quem longe da pátria chora
Bem triste gravar: - saudade !
Lisboa

NA REDE

Nas horas ardentes do pino do dia
Aos bosques corri;
E qual linda imagem dos castos amores,
Dormindo e sonhando cercada de flores
Nos bosques a vi!

Dormia deitada na rede de penas
- O céu por dossel,
De leve embalada no quieto balanço
Qual nauta cismando num lago bem manso
Num leve batel!
Dormia e sonhava - no rosto serena
Qual um serafim;
Os cílios pendidos nos olhos tão belos,
E a brisa brincando nos soltos cabelos
De fino cetim!
Dormia e sonhava - formosa embebida
No doce sonhar,
E doce e sereno num mágico anseio
Debaixo das roupas batia-lhe o seio
No seu palpitar!
Dormia e sonhava - a boca entreaberta,
O lábio a sorrir;
No peito cruzados os braços dormentes,
Compridos e lisos quais brancas serpentes
No colo a dormir!
Dormia e sonhava - num sonho de amores
Chamava por mim,
E a voz suspirosa nos lábios morria
Tão terna e tão meiga qual vaga harmonia
De algum bandolim!
Dormia e sonhava - de manso cheguei-me
Sem leve rumor;
Pendi-me tremendo e qual fraco vagido,
Qual sopro da brisa, baixinho ao ouvido
Falei-lhe de amor!
Ao hálito ardente o peito palpita...
Mas sem despertar;
E como nas ânsias dum sonho que é lindo,
A virgem na rede corando e sorrindo...
Beijou-me a sonhar!
Junho - 1858

A VOZ DO RIO – NUM ÁLBUM

Nosso sol é de fogo, o campo é verde,
O mar é manso, nosso céu azul!
- Ai! porque deixas este pátrio ninho
Pelas friezas dos vergéis do sul?
Lá nessa terra onde o Guaíba chora
Não são as noites, como aqui, formosas
E as duras asas do Pampeiro iroso
Quebra as tulipas e desfolha as rosas.

A lua é doce, nosso mar tranqüilo,
Mais leve a brisa, nosso céu azul!...
- Tupá! Quem troca pelo pátrio ninho
As ventanias dos vergéis do sul?
Lá novos campos outros campos ligam
E a vista fraca na extensão se perde!
E tu sozinha viverás no exílio
- Garça perdida nesse mar que é verde! -
Nossas campinas como doces noivas
Vivem c’os montes sob o céu azul!
- Há vida e amores neste pátrio ninho
Mais rico e belo que os vergéis do sul!
Essas palmeiras não têm tantos leques,
O sol dos Pampas mareou seu brilho,
Nem cresce o tronco que susteve um dia
O berço lindo em que dormiu teu filho!
Nossas florestas sacudindo os galhos
Tocam c’os braços este céu azul!...
- Se tudo é grande neste pátrio ninho
Porque deixá-lo p’ra viver no sul?!
Embora digas: - essa terra fria
Merece amores, é irmã da minha -
quem dar-te pode este calor do ninho,
A luz suave que o teu berço tinha?!
Eu - Guanabara - no meu longo espelho
Reflito as nuvens deste céu azul;
- Ó minha filha! acalentei-te o sono,
Porque me deixas p’ra viver no sul?!...
Lá, quando a terra s’embuçar nas sombras
E o medroso sol s’esconder nas águas,
Teu pensamento, como o sol que morre,
Há de cismando mergulhar-se em mágoas!
Mas se forçoso t’é deixar a pátria
Pelas friezas dos vergéis do sul,
Ó minha filha! não t’esqueças nunca
Destas montanhas, deste céu azul.
Tupá bondoso te derrame graças,
Doce ventura te bafeje e siga,
E nos meus braços - ao voltar do exílio -
Saudando o berço que teu lábio diga:
“Volvo contente para o pátrio ninho,
“Deixei sorrindo esses vergéis do sul;
“Tinha saudades deste sol de fogo...
“Não deixo mais este meu céu azul!...”
Rio - 1858

SETE DE SETEMBRO - A D. PEDRO II

Foi um dia de glória! - O povo altivo
Trocou sorrindo as vozes de cativo
Pelo cantar das festas!
O leão indomável do deserto
Bramiu soberbo, dos grilhões liberto,
No meio das florestas!
Lá no Ipiranga do Brasil o Marte
Enrolado nas dobras do estandarte
Erguia o augusto porte;
Cercada a fronte dos lauréis da glória
Soltou tremendo o brado da vitória:
- Independência ou morte!
O santo amor dos corações ardentes
Achou eco no peito dos valentes
No campo e na cidade;
E nos salões - do pescador nos lares,
Livres soaram hinos populares
À voz da liberdade!
Anos correram; - no torrão fecundo
Ao sol de fogo deste novo-mundo
A semente brotou;
E franca e leda, a geração nascente
À copa altiva da árvore frondente
Segura se abrigou!
À roda da bandeira sacrossanta
Um povo esperançoso se levanta
Infante e a sorrir!
A nação do letargo se desperta,
E - livre - marcha pela estrada aberta
Às glórias do porvir!
O país, n’alegria todo imerso,
Velava atento à roda só dum berço
Era o vosso, Senhor!
Vós do tronco feliz doce renovo,
Vede agora, Senhor, na voz do povo
Quão grande é seu amor!
Rio - 1858

POESIA E AMOR

A tarde que expira,
A flor que suspira,
O canto da lira,
Da lua o clarão;
Dos mares na raia
A luz que desmaia,
E as ondas na praia
Lambendo-lhe o chão;
Da noite a harmonia
Melhor que a do dia,
E a viva ardentia
Das águas do mar;
A virgem incauta,
As vozes da flauta,
E o canto do nauta
Chorando o seu lar;
Os trêmulos lumes,
Da fonte os queixumes,
E os meigos perfumes
Que solta o vergel;
As noites brilhantes,
E os doces instantes
Dos noivos amantes
Na lua-de-mel;
Do templo nas naves
As notas suaves,
E o trino das aves
Saudando o arrebol;
As tardes estivas,
E as rosas lascivas
Erguendo-se altivas
Aos raios do sol;
A gota de orvalho
Tremendo no galho
Do velho carvalho,
Nas folhas do ingá;
O bater do seio,
Dos bosques no meio
O doce gorjeio
Dalgum sabiá;
A órfã que chora,
A flor que se cora
Aos raios da aurora,
No albor da manhã;
Os sonhos eternos,
Os gozos mais ternos,
Os beijos maternos

E as vozes de irmã;
O sino da torre
Carpindo quem morre,
E o rio que corre
Banhando o chorão;
O triste que vela
Cantando à donzela
A trova singela
Do seu coração;
A luz da alvorada,
E a nuvem dourada
Qual berço de fada
Num céu todo azul;
No lago e nos brejos
Os férvidos beijos
E os loucos bafejos
Das brisas do sul;
Toda essa ternura
Que a rica natura
Soletra e murmura
Nos hálitos seus,
Da terra os encantos,
Das noites os prantos,
São hinos, são cantos
Que sobem a Deus!
Os trêmulos lumes,
Da veiga os perfumes,
Da fonte os queixumes,
Dos prados a flor,
Do mar a ardentia,
Da noite a harmonia,
Tudo isso é - poesia!
Tudo isso é - amor!
Indaiaçu - 1857

ORAÇÕES - A***

A alma, como o incenso, ao céu s’eleva
Da férvida oração nas asas puras,
E Deus recebe como um longo hosana
O cântico de amor, das criaturas.
Do trono d’ouro, que circundam os anjos

Sorrindo ao mundo a Virgem-Mãe s’inclina
Ouvindo as vozes d’inocência bela
Dos lábios virginais duma menina.
Da tarde morta o murmurar se cala
Ante a prece infantil, que sobe e voa
Fresca e serena qual perfume doce
Das frescas rosas de gentil coroa.
As doces falas de tua alma santa
Valem mais do que eu valho, oh! querubim!
Quando rezares por teu mano, à noite,
Não t’esqueças - também reza por mim!
Rio - 1858

BÁLSAMO

Eu vi-a lacrimosa sobre as pedras
Rojar-se essa mulher que a dor ferira!
A morte lhe roubara de um só golpe
Marido e filho, encaneceu-lhe a fronte,
E deixou-a sozinha e desgrenhada
- Estátua da aflição aos pés dum túmulo!
O esquálido coveiro p’ra dois corpos
Ergueu a mesma enxada, e nessa noite
A mesma cova os teve!
E a mãe chorava,
E mais alto que o choro erguia as vozes!
..............................................................
No entanto o sacerdote - fronte branca
Pelo gelo dos anos - a seu lado
Tentava consolá-la.
A mãe aflita
Sublime desse belo desespero
As vozes não lhe ouvia; a dor suprema
Toldava-lhe a razão no duro transe.
“Oh! padre! - disse a pobre s’estorcendo
Co’a voz cortada dos soluços d’alma -
“Onde o bálsamo, as falas d’esperança,
“O alívio à minha dor?!”
Grave e solene,
O padre não falou - mostrou-lhe o céu!
Rio - 1858

DEUS

Eu me lembro! eu me lembro! - Era pequeno
E brincava na praia; o mar bramia
E, erguendo o dorso altivo, sacudia
A branca escuma para o céu sereno.
E eu disse a minha mãe nesse momento:

“Que dura orquestra! Que furor insano!
“Que pode haver maior do que o oceano,
“Ou que seja mais forte do que o vento?!” -
Minha mãe a sorrir olhou p’r’os céus
E respondeu: - “Um Ser que nós não vemos
“É maior do que o mar que nós tememos,
“Mais forte que o tufão! meu filho, é - Deus!”-
Dezembro - 1858

Fonte:
ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972. Texto-base digitalizado por Raquel Sallaberry Brião.

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