ESPANHÓIS E PORTUGUESES
-No final do século 15, com o aperfeiçoamento da bússola, espanhóis e portugueses lançaram-se ao mar à procura de novas terras. Em 1492, o genovês Cristóvão Colombo, a serviço do rei de Espanha, desembarcou na América Central. Dois anos depois, em 1494, Portugal e Espanha, vizinhos e rivais na península Ibérica, assinaram o Tratado de Tordesilhas, dividindo entre si as terras descobertas e por descobrir no Novo Mundo, como se fossem herdeiros diretos de Adão e Eva. Em 1500, Pedro Álvares Cabral ancorou na costa brasileira, ficando ali a bandeira lusitana.
-Onde ficavam exatamente as fronteiras?
-O Tratado de Tordesilhas baseou-se numa linha imaginária que passava onde está hoje Belém do Pará e descia numa reta até Laguna, no litoral catarinense. O que houvesse a oeste da linha demarcatória seria da Espanha; o que existisse a leste seria de Portugal.
-Mas assim o Brasil ficaria pequeno...
-E foi justamente por isso que portugueses e espanhóis brigaram tanto, por muitos e muitos anos, até chegar-se à definição das fronteiras atuais.
-O Paraná era da Espanha?...
-Correto. Aqui onde nós estamos era território espanhol, até as encostas da serra do Mar, aos cuidados de um governador sediado em Assunção do Paraguai, que por sua vez era subordinado ao vice-rei do Peru.
-Que confusão!
-Creio ser necessário dar-lhe um resumo da história da América do Sul, para que você entenda melhor o contexto.
-Estou anotando.
-Pois bem: no início do século 16, enquanto os portugueses começavam a colonizar o Brasil, os espanhóis desciam da América Central e expandiam seu domínio na banda ocidental da América do Sul. Em 1532, numa expedição chefiada por Francisco Pizarro, chegaram ao Peru. Os incas, na época, estavam envolvidos numa tremenda guerra civil e os espanhóis aproveitaram para esmagá-los.
-Destruíram toda aquela antiga civilização?
-Quase toda. Restaram apenas algumas ruínas, que hoje constituem a maior atração turística do Peru. Pizarro estabeleceu-se primeiramente em Cuzco. Em 1535, fundou a cidade de Lima, perto do mar, instalando ali o ponto de partida para outras expedições. Em 1542, foi criado o vice-reinado do Peru, com a capital em Lima e jurisdição desde o Equador até os confins do Chile e da Argentina. O Peru tornou-se logo uma das “meninas dos olhos” do rei de Espanha: pela existência de numerosa mão de obra indígena (com os incas passando de senhores a escravos) e, sobretudo, pela fartura de minerais preciosos, a exemplo das minas do Potosi (hoje em território boliviano).
-Se entendi bem, o Paraná fazia parte desse vasto vice-reinado...
-O Paraná sim, como extensão do Paraguai. Daqui a pouco voltaremos a conversar sobre isso.
-Prossiga.
-Os espanhóis continuaram avançando em duas direções: de norte para sul, a partir de Lima; de sul para norte, a partir do rio da Prata, que eles haviam descoberto em 1516. Em 1536 já haviam fundado o núcleo inicial de Buenos Aires. Ao mesmo tempo, no lado brasileiro, os portugueses firmavam suas raízes, agora sob o sistema de capitanias hereditárias. Em 1580, um fato novo: o soberano português Dom Sebastião morreu na célebre batalha de Alcácer-Quibir. Filipe II, rei de Espanha, herdou o trono de Portugal. Houve assim a união dos dois reinos, até 1640.
-Significa que, nesse período, o Brasil ficou sendo colônia espanhola...
-Exatamente. Portugal, porém, embora sujeito ao trono espanhol, continuou como estado mais ou menos autônomo, de tal forma que os portugueses e seus descendentes permaneceram donos do Brasil, em constantes escaramuças com os colonizadores castelhanos.
-Até quando eles brigaram?
-Até 1777. Nesse ano Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Santo Ildefonso, que retocou o Tratado de Madri de 1750, reconheceu finalmente a expansão da fronteira oeste da América Portuguesa e fixou novos limites. Mas ainda falta anotar alguns fatos importantes.
-Diga.
-Um ano antes do Tratado, em 1776, havia sido criado o vice-reinado do rio da Prata, com a capital em Buenos Aires e abrangendo a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e o território que mais tarde viria a ser a Bolívia. Com isso Buenos Aires assumiu a liderança política e econômica da região, enquanto o Chile, por sua vez, passou a ser uma capitania geral, subordinada ao vice-reinado do Peru.
-E aí, ao que me consta, começaram as lutas pela independência...
-Perfeito. Os ideais de liberdade que inspiraram a independência dos Estados Unidos em 1776 e deflagraram a Revolução Francesa em 1789 sacudiram a América do Sul a partir do início do século 19. Em 1810, os dominadores espanhóis já haviam sido expulsos da Argentina e do Uruguai. Iniciaram-se assim as lutas pela libertação de todo o hemisfério. Em 1811, o Paraguai conquistou a independência em campanha chefiada por José Gaspar Rodrigues Francia, o famoso Dr. Francia. Em 1817, o general argentino José de San Martin atravessou os Andes a cavalo, libertou o Chile em 1818 e proclamou a independência do Peru em 1820. Encontrou-se ali com o líder venezuelano Simón Bolívar, que em 1819 libertara a Venezuela e os territórios onde estão hoje a Colômbia e o Equador. Juntos, San Martin e Bolívar prosseguiram a luta até 1824, quando, vitoriosos na histórica batalha de Ayacucho, determinaram o fim do domínio espanhol na América do Sul. Dois anos antes, em 1822, Dom Pedro I havia proclamado a independência do Brasil, rompendo os laços com o trono português.
-E a Bolívia?
-A Bolívia é a antiga região do Alto Peru, que se separou do governo de Lima em 1825. O nome “Bolívia” é uma homenagem ao libertador Simón Bolívar.
-O senhor sabe das coisas!
-Leitura, seu moço. Leitura e boa memória.
A PROVÍNCIA DO GUAIRÁ
-Conversa vai, conversa vem, parece que perdemos o fio da meada. Falávamos do seu avô Catu...
-Voltemos então ao final do século 16. Estas terras, como lhe disse, pertenciam à Espanha, aos cuidados do governador de Assunção, compondo o imenso vice-reinado do Peru. Os colonizadores espanhóis, no ano de 1554, decidiram fundar povoações na margem leste do rio Paraná e após paciente trabalho diplomático firmaram um acordo de “convivência pacífica” com o grande cacique Guairá, a quem se deve o nome da região. Os castelhanos
enviados pelo governador Martínez de Irala fundaram primeiramente um vilarejo provisório, Ontiveiros, pouco abaixo do salto das Sete Quedas. Em 1556, o povoado foi transferido por Ruy Dias Malgarejo para três léguas acima, ode o Piquiri deságua no rio Paraná, ganhando o nome solene de Ciudad Real del Guairá. Vinte anos depois, em 1576, o mesmo Ry Malgarejo fundava na confluência dos rios Corumbataí e Ivaí a povoação denominada Villa Rica del Espiritu Santo, o mais avançado estabelecimento espanhol em sua expansão rumo ao Atlântico. No ponto onde existiu Villa Rica está atualmente a cidade de Fênix, assim chamada justamente por haver ressurgido das cinzas, como a ave mitológica. Fênix é a nova Villa Rica.
-Restam vestígios daquelas cidades espanholas?
-Umas poucas ruínas. Adiante explico.
-Vamos lá...
-Os castelhanos tinham fartos motivos para se fixarem na região do Guairá. Um desses motivos era barrar o avanço dos portugueses, que vinham de São Paulo pelo “Caminho do Peabiru” e sonhavam alcançar as minas do Potosi, descobertas nos Andes em 1545. Os espanhóis pretendiam também, por sua vez, estender seu domínio até o litoral leste, visando a assegurar uma saída pelo Atlântico. Outra razão ainda era a oportunidade de explorar a agricultura, principalmente a erva-mate, naquelas terras tão férteis, usando a mão de obra indígena em regime de escravidão. Havia aqui cerca de 200 mil índios...
-Era esse o acordo de “convivência pacífica” firmado com cacique?...
-Os espanhóis traíram o acordo, no que se refere à escravização dos nativos. Os guaranis, valentes e rebeldes, resistiram tanto quanto possível. Poucos deles aceitaram a escravidão. A maioria continuou enfrentando os invasores, chegando em várias ocasiões a atacar as povoações espanholas. Foi por isso que o rei de Espanha, na época Filipe III, acolhendo sugestão do governador de Assunção, decidiu confiar aos missionários jesuítas a pacificação dos índios.
-Quando foi isso?
-No comecinho do século 17. Os jesuítas já trabalhavam no Paraguai desde o final do século 16. Em 1602, chegaram ao Guairá para os primeiros contatos. A esperança do rei era que os missionários convertessem e serenizassem os guaranis, facilitando assim a penetração espanhola. De sua parte, os padres traziam o projeto de nuclear os nativos em aldeias fixas, onde lhes pudessem dar assistência material e religiosa, orientá-los para um tipo mais sofisticado de sociedade e defendê-los contra os que pretendiam escravizá-los.
-Seriam as famosas “reduções”, de que o senhor falava?
-Exatamente. Já chegaremos lá. A Carta Régia de 1608 criou oficialmente a “Província do Guairá”, cujos limites eram, ao norte, o rio Paranapanema; ao sul, o rio Iguaçu; a oeste o rio Paraná e, a leste, a serra do Mar.
-O atual estado do Paraná, quase todo...
-Ficavam de fora apenas a faixa litorânea e as terras entre o rio Iguaçu e a divisa de Santa Catarina. Pois bem: dentro da Província do Guairá os colonizadores espanhóis permaneceriam nas suas povoações (Ciudad Real e Villa Rica), e os jesuítas, com os índios, nas reduções, uns e outros acumulando a incumbência de assegurar para a Espanha o domínio do território.
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continua…
O e-book completo pode ser feito o download no blog do Assis http://aadeassis.blogspot.com
Fonte:
A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá). e-book. 2011.
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