quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Quatro Damas) 8a. Parte

" MARGARIDA... "

Quem já viu a margarida
na sua haste leve e fina
sobre o dorso da colina
ao vento suave a acenar ?

Pois ela é assim, parecida,
em sua inquieta alegria,
oscila, e é toda poesia,
quando vive em meu olhar...

"MENSAGEM CIFRADA"

Minhas costas ficaram como sensíveis palimpsestos
onde escreveste, com os estiletes de tuas unhas
estranhos caracteres
em misteriosa linguagem...

São loucos hieróglifos que gravas sem sentir
como um artista em transe que se pusesse fora de si,
a transmitir a sua mensagem...

Nem tu mesma és capaz de traduzir os sinais
que deixaste gravados em minhas costas
fixando aqueles instantes de infinito prazer
e exaltação,

e eu penso, que se pudesse um dia decifrá-los
teria descoberto o segredo da escrita
do amor
e penetrado, e revelado o enigma
da própria Criação!

" MEU RUMO "

Sou um barco de 7 mares...
És a vela branca
do meu pensamento...

- Vou para onde me levares
ou aonde nos leve o vento...

"MONÓLOGO DO BARQUEIRO SOLITÁRIO"

Não sei como consigo conter este desejo que sopra
e me impele para ti
como um barco para o mar...

Não sei como consigo amarrar-me a mim mesmo
como quem nada sente,
a simular esta calma, esta paz,
deixando-me ficar como um barco a bater inutilmente
contra o cais...

Ahl Se ainda fores minha! Enfunarei mil velas
pelo oceano a fora,
soltarei bandeiras, seguirei audacioso o meu roteiro...

Ah! Se tu fores minha! Não viverei assim
em viagens de sonhos
preso às amarras do meu desespero...

Partirei em busca daquela ilha
que veio em teu olhar...

Ah! Se tu fores minha, que maravilha!
Serei dono do Mar…

" MOTIVO MODERNO PARA SOLO DE VIOLINO "

Que importa se lá fora os carros passam,
os jornais têm manchetes atômicas,
os foguetes violam o espaço,
e os homens práticos carregam pastas
grávidas de negócios,
e fígados insociáveis?

Aqui, junto a ti,
em nosso leito,
meu coração século dezenove te ama,
e murmura coisas que eu fico bobo de ver
como te deixam derretida,
e tocam teu corpo
como um arco de violino...

" NA CURVA EXTREMA... "

Chegamos mesmo a um ponto em que é impossível
continuarmos adiante, o mesmo passo,
e o que é estranho afinal é que ainda te amo
sinto que te amo e que me fazes falta...

Há mistérios no amor, inexplicáveis,
Há caminhos na vida que ninguém
pode prever onde darão, nem como
hão de findar, além da curva extrema...

Insustentável nos parece o sonho
que equilibramos sobre um fio apenas,
não sei o que pensas sobre o outro lado,
sei que me perco, me acovardo, e paro.

Ha, bem quisera com desprendimento
te desejar toda ventura, toda
que não pude ou não soube te ofertar,
e hoje sei, tão distante... inalcançalvel...

Talvez jamais isto se dê, no entanto
se tiver que se dar, que acontecer,
que eu tenha forças para merecer-te
ao menos neste instante de perder-te...
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Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Quatro Damas. 1. ed. 1964.

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