— Que lindo lugar! — exclamou Pedrinho. — Aqui é que devia ser o sítio de vovó.
A menina também se mostrou maravilhada. Mas Emília fez cara de pouco caso. Tinha tido uma decepção. Que pena não terem começado a viagem pelo Mar dos Piratas! Emília andava com a secreta esperança de ser raptada por algum famoso pirata, que comesse Rabicó assado e se casasse com ela. O sonho de Emília era tornar-se mulher de pirata — para “mandar num navio”.
— Mas será mesmo que os animais desta terra são falantes, ou faz de conta que falam? — perguntou Narizinho.
— Falam pelos cotovelos! — respondeu Peninha. — Falam para que possa haver fábulas. Vamos andando por este rio acima que logo encontraremos algum.
Nisto viram um homem de cabeleira encaracolada, vestido à moda dos franceses antigos. Usava fivelas nos sapatos, calções curtos e jaqueta de cintura. Na cabeça trazia chapéu de três pontas, e renda branca no pescoço e nos punhos. Apoiava-se em comprida bengala e vinha caminhando pausadamente, como quem está pensando.
— Parece uma figura que vi naquele leque de dona Benta — disse Emília. — Com certeza é o dono do carneirinho.
— Não! — afirmou Peninha. — Aquele homem é o senhor de La Fontaine, um francês muito sábio, que passa a vida nesta terra a observar a vida dos animais.
— Conheço-o muito — disse Pedrinho. — Tenho em casa um livro dele.
O senhor de La Fontaine aproximou-se do rio e, escondendo-se atrás duma moita, ficou por ali a espiar. O carneirinho estava com sede. Foi se chegando ao rio, espichou o pescoço e — glut, glut, glut, — começou a beber. Nisto, outro animal, de cara feroz e muito antipático, saiu da floresta, farejou o ar e dirigiu-se para o lado do carneirinho. Vinha lambendo os beiços.
— É o lobo! — cochichou Peninha. — Vai devorar o cordeirinho da fábula.
— Que judiação! — exclamou a menina com dó. — Não deixe, Pedrinho. Jogue uma pedra nele.
— Psiu! — fez Peninha. — Não atrapalham a fábula. O senhor de La Fontaine lá está, de lápis na mão, tomando notas.
O lobo chegou-se para junto do carneirinho e disse, com a insolência própria dos lobos:
— Que desaforo é esse, seu lanzudo, de estar a sujar a água que vou beber? Não vê que não posso servir-me dos restos dum miserável carneiro?
O pobrezinho pôs-se a tremer. Conhecia de fama o lobo, de cujas garras nenhum carneiro escapava. E com a voz atrapalhada pelo medo respondeu:
-Desculpe-me, senhor lobo, mas Vossa Lobência está do lado de cima do rio e eu estou do lado de baixo. Assim, com perdão de Vossa Lobência creio que não posso turvar a água que Vossa Lobência vai beber.
— E falam mesmo! — exclamou Emília. — Falam tal qual uma gente...
O lobo parece que não esperava aquela resposta, porque engasgou e tossiu três vezes. Depois disse:
— E não é só isso. Temos contas velhas a ajustar. O ano passado o senhor andou dizendo por aí que eu tinha cara de cachorro ladrão. Lembra-se?
— Não é verdade, Lobência, porque só tenho três meses; o ano passado eu ainda estava no calcanhar de minha avó.
— Toma! — exclamou Narizinho em voz baixa. Por esta o lobo não esperava. Quero só ver agora o que ele diz.
O senhor de La Fontaine, lá na moita, escrevia, escrevia...
Aquela resposta atrapalhara o lobo, que além de mau era curto de inteligência, ou, para ser franco, burro. Tossiu mais umas tossidas e por fim achou a resposta.
-Sim — rosnou ele — mas se não foi você, foi seu irmão mais velho, o que dá na mesma.
— Como pode ser isso, Lobência, se sou filho único?
Vendo que com razões não conseguia vencer o carneirinho, o lobo resolveu empregar a força.
— Pois se não foi seu irmão, foi seu pai, está ouvindo? – e avançou para ele de dentes arreganhados. E já ia fazendo — nhoc! quando o senhor de La Fontaine pulou da moita e lhe pregou uma bengalada no focinho.
Mestre lobo não esperava por aquilo. Meteu o rabo entre as pernas e sumiu-se pela floresta a dentro.
Grande alegria na meninada. Emília correu a brincar com o carneirinho, enquanto os outros se dirigiam para o lado do senhor de La Fontaine.
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Continua… Pena de Papagaio – V - Emília e La Fontaine
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
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