" REVOLVER "
Tu me tomas-te, encantada,
em tuas mãos,
(como um menino a um revolver de brinquedo)
com uma alegre ingenuidade...
..........................................................................
Só que ainda não te apercebeste
que é um revolver de verdade…
"RIO-ME"
Rio-me, e entretanto, eu sei que estou doente
que um cansaço de tudo às vezes a alma invade,
e de repente, sou como um mendigo ao fim do dia
sem ter para onde ir, à hora em que todos voltam...
Rio-me, e entretanto, eu sei que às vezes choro
sem lágrimas, sem pranto, só por dentro, e sinto
que a vida de repente é uma coisa sem nada
que lhe possa explicar um segundo que seja!
Rio-me, e entretanto, a vontade que tenho
é de às vezes deitar-me na rua, e esperar
que um vento sopre a luz dos meus olhos, mais forte,
e acabe de uma vez com o que nunca devera
um dia começar, se o fim que se anuncia
ninguém sabe seu nome: é vida, sonho, ou morte?
" SABEDORIA "
Não te percas em vã filosofia....
O negócio é viver..... Vive primeiro!
O pouco que alcançaste é o verdadeiro,
e o resto, sonho só, - tudo utopia.
Deixa passar o que não pode ser!
A esperança do vão, é doentia...
Ergue a mão ao que a mão pode colher
e ao que está longe, esquece e renuncia......
Se tiver que chegar o inesperado
colhe-o, que essa é a atitude de quem vence:
saber colher o bem predestinado.....
A Vida é o mais efêmero dos bens
nela em verdade, nada te pertence,
nem sabes aonde vais...... nem de onde vens....…
" SEM QUERER... "
Tu nada dizias...
Mas eu precisava saber
para aplacar minha dor...
Foi então que toquei tuas mãos
sem querer...
Tuas mãos, tão frias...
- Obrigado, meu amor...
" SILÊNCIO "
E porque tudo
queremos dizer...
Nunca temos tempo
de dizer nada…
" SINAL ERRADO... "
Teus olhos verdes,
traiçoeiros,
indicavam passagem livre...
Segui...
Era o abismo…
" SÓ "
Lá fora há um luar triste
molhando tudo...
Será o luar
ou serão os meus olhos ?
" SOLILÓQUIO AMARGO "
As vezes (e estamos em nossas vidas, naturalmente,
vivendo dias e noites, dias e noites
há tanto tempo . . . )
- e, de repente, um pensamento amargo e insólito
toma conta de mim.
Um dia - e ele chegará - um de nós terá
que partir,
e o outro, vai ficar.
Eu? Você? Quem terá que se despedir
sem dizer para onde? Quem terá que ficar
sem dizer para que?
Imagino esse dia, - e um estranho pavor me paralisa
por alguns momentos.
Não concebo minha vida sem Você,
e, - desculpe-me - tenho mais pena de Você
se for eu que tiver que ir embora.
Ha tantos anos vimos trazendo nossas vidas como uma vida só,
e de tal modo as juntamos que o dia em que tivermos que separá-las
a que ficar, será um simples destroço, um pedaço mutilado de vida
incapaz de sobreviver.
Para que, meu Deus? a gente construir com duas vidas
um destino só,
fazer esse trabalho dias e noites, de tantas pequeninas coisas
aparentemente insignificantes,
de momentos de puro prazer, de horas de lenta agonia,
construí-to lentamente, como quem estivesse fazendo uma
obra para sempre,
e, subitamente - sem o menor aviso, sem a menor razão,
depois de tanta coisa juntada, e sonhada, e sofrida,
uma força maior - como uma faca - corta tudo ao meio
e uma metade se enterra, e a outra metade, de pé, se desmorona
como um auto-mausoléu de areia?
.....................................................................................................
Eu te agradeço, Senhor, que este pensamento
só raramente me venha, e logo o sopres além...
Que seria de mim, afinal, se ele pousasse por mais tempo
em minha vida?
Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Quatro Damas. 1. ed. 1964.
Tu me tomas-te, encantada,
em tuas mãos,
(como um menino a um revolver de brinquedo)
com uma alegre ingenuidade...
..........................................................................
Só que ainda não te apercebeste
que é um revolver de verdade…
"RIO-ME"
Rio-me, e entretanto, eu sei que estou doente
que um cansaço de tudo às vezes a alma invade,
e de repente, sou como um mendigo ao fim do dia
sem ter para onde ir, à hora em que todos voltam...
Rio-me, e entretanto, eu sei que às vezes choro
sem lágrimas, sem pranto, só por dentro, e sinto
que a vida de repente é uma coisa sem nada
que lhe possa explicar um segundo que seja!
Rio-me, e entretanto, a vontade que tenho
é de às vezes deitar-me na rua, e esperar
que um vento sopre a luz dos meus olhos, mais forte,
e acabe de uma vez com o que nunca devera
um dia começar, se o fim que se anuncia
ninguém sabe seu nome: é vida, sonho, ou morte?
" SABEDORIA "
Não te percas em vã filosofia....
O negócio é viver..... Vive primeiro!
O pouco que alcançaste é o verdadeiro,
e o resto, sonho só, - tudo utopia.
Deixa passar o que não pode ser!
A esperança do vão, é doentia...
Ergue a mão ao que a mão pode colher
e ao que está longe, esquece e renuncia......
Se tiver que chegar o inesperado
colhe-o, que essa é a atitude de quem vence:
saber colher o bem predestinado.....
A Vida é o mais efêmero dos bens
nela em verdade, nada te pertence,
nem sabes aonde vais...... nem de onde vens....…
" SEM QUERER... "
Tu nada dizias...
Mas eu precisava saber
para aplacar minha dor...
Foi então que toquei tuas mãos
sem querer...
Tuas mãos, tão frias...
- Obrigado, meu amor...
" SILÊNCIO "
E porque tudo
queremos dizer...
Nunca temos tempo
de dizer nada…
" SINAL ERRADO... "
Teus olhos verdes,
traiçoeiros,
indicavam passagem livre...
Segui...
Era o abismo…
" SÓ "
Lá fora há um luar triste
molhando tudo...
Será o luar
ou serão os meus olhos ?
" SOLILÓQUIO AMARGO "
As vezes (e estamos em nossas vidas, naturalmente,
vivendo dias e noites, dias e noites
há tanto tempo . . . )
- e, de repente, um pensamento amargo e insólito
toma conta de mim.
Um dia - e ele chegará - um de nós terá
que partir,
e o outro, vai ficar.
Eu? Você? Quem terá que se despedir
sem dizer para onde? Quem terá que ficar
sem dizer para que?
Imagino esse dia, - e um estranho pavor me paralisa
por alguns momentos.
Não concebo minha vida sem Você,
e, - desculpe-me - tenho mais pena de Você
se for eu que tiver que ir embora.
Ha tantos anos vimos trazendo nossas vidas como uma vida só,
e de tal modo as juntamos que o dia em que tivermos que separá-las
a que ficar, será um simples destroço, um pedaço mutilado de vida
incapaz de sobreviver.
Para que, meu Deus? a gente construir com duas vidas
um destino só,
fazer esse trabalho dias e noites, de tantas pequeninas coisas
aparentemente insignificantes,
de momentos de puro prazer, de horas de lenta agonia,
construí-to lentamente, como quem estivesse fazendo uma
obra para sempre,
e, subitamente - sem o menor aviso, sem a menor razão,
depois de tanta coisa juntada, e sonhada, e sofrida,
uma força maior - como uma faca - corta tudo ao meio
e uma metade se enterra, e a outra metade, de pé, se desmorona
como um auto-mausoléu de areia?
.....................................................................................................
Eu te agradeço, Senhor, que este pensamento
só raramente me venha, e logo o sopres além...
Que seria de mim, afinal, se ele pousasse por mais tempo
em minha vida?
Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Quatro Damas. 1. ed. 1964.
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