quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Circo de Cavalinhos – IV– Chegam os convidados

Bum! Bum! Bum! Chegou afinal o grande dia. O terreiro estava enfeitado de bandeirolas e arcos de bambu. Às sete e meia ia começar o espetáculo. O diretor sentou-se à porta do circo para esperar os convidados. Dali a pouco a porteira do terreiro ringiu e apareceu o doutor Caramujo, muito sério, de casca nova, carregando a sua maleta debaixo do braço. Contou que vinha muita gente do reino das Águas Claras, menos o príncipe Escamado.

— Por que não vem o príncipe? — indagou Narizinho.

— Porque o príncipe já não existe mais — murmurou o médico baixando os olhos.

— Como não existe mais? Que aconteceu? Fale!...

— Não sei o que aconteceu. Mas depois daquela viagem ao sítio de dona Benta, o nosso amado príncipe nunca mais voltou ao reino.

Narizinho recordou-se da cena. Lembrou-se de que o falso Gato Félix havia aparecido para avisá-la de que o príncipe estava se afogando por ter desaprendido a arte de nadar. Lembrou-se de que correra ao rio para salvá-lo, mas nada encontrou. Ter-se-ia mesmo afogado?

— Acha que ele morreu afogado, doutor?

— Isso é absurdo, menina. Um peixe nunca desaprende a arte de nadar. O que aconteceu, sabe o que foi?

— Diga...

— Foi comido pelo falso gato Félix, aposto. O choque sentido pela menina foi enorme, e não caiu com um desmaio unicamente porque os convidados estavam chegando e isso estragaria a festa.

Mesmo assim puxou do lenço para enxugar três lágrimas bem sentidinhas. Nisto a porteira ringiu. Era dona Aranha com as suas seis filhas.

Narizinho fez-lhes grande festa, e contou que tinha estado com Branca de Neve e mais outras princesas para as quais dona Aranha havia costurado.

— Branca de Neve ainda é muito branca? — perguntou a famosa costureira.

— Cada vez mais — respondeu a menina. — Até dói na vista olhar para ela.

Em seguida chegaram os dois Bernardos Eremitas — o que havia casado Narizinho e o que conduzira a salva com a coroa do príncipe. E chegaram os siris couraceiros, e chegou o Major Agarra. De repente soou um miado ao longe.

— Será o falso gato Félix? — disse Pedrinho. Se — for aquele patife, meu bodoque vai ter trabalho.

Mas não era, e sim o Gato Félix verdadeiro. Pedrinho ia fazendo as apresentações e acomodando os convidados nos seus lugares. Não houve nenhum que não pedisse notícias de Rabicó, do Visconde e do João Faz-de-conta. A resposta do menino era sempre a mesma:

“Eles são agora artistas do circo e estão se vestindo para a função.”

— E há cocadas? — quis saber o Gato Félix.

— Cocadas só no intervalo — respondeu Emília. — São de três qualidades. Umas brancas como neve, outras cor-de-rosa como rosa, outras queimadinhas como rapadura. Tia Nastácia é uma danada para toda sorte de doces e quitutes. Só não sabe fazer bonecos de pau. Faz-de-conta saiu tão feio que não tem coragem de aparecer para ninguém.

Chegada a hora de se acenderem os lampiões, entrou no picadeiro um “casaca-de-ferro”. Era o pobre Faz-de-conta, com a sua ponta de prego furando as costas da casaca verde que a menina lhe havia feito. Foi uma vaia.

— Olha o arara! — gritou o capitão dos couraceiros.

— Arranca o prego! — urrou o sapo major. O pobre boneco, que tinha muito bom Gênio, não fez caso. Arrumou os lampiões muito bem, deixando o circo tão claro como o dia. Nisso um dos Bernardos berrou:

— Palhaço! Que venha o palhaço!

Todos o imitaram — e foi um berreiro de deixar a gente surda. Pedrinho teve de aparecer para explicar que ainda não tinham chegado os convidados do País das Maravilhas. A explicação causou muita alegria, porque nenhum dos presentes esperava que o pessoal do reino das fadas também viesse. E essa alegria se transformou em surpresa quando o primeiro deles apareceu. Era o Aladim, com sua lâmpada maravilhosa na mão. Chegou e foi trepando às arquibancadas, como se fosse um velho freqüentador de circos.

Depois chegou o Gato de Botas junto com o Pequeno Polegar – e todos bateram palmas. Depois veio a Menina da Capinha Vermelha. E vieram Rosa Branca e sua irmã Rosa Vermelha. Rosa Vermelha apresentou se de cabelo cortado, moda que as princesas do reino das fadas nunca usaram. Foi reparadíssimo aquilo; não houve quem não comentasse.

Depois veio Ali Babá sem os quarenta ladrões, e vieram Alice de Wonderland, e Raggedy Ann e quase todos que existem.

— Que maçada! — murmurou Pedrinho. — Justamente o que eu mais queria que viesse, não veio — Peter Pan...

— Talvez ainda venha — disse Narizinho. — Ele gosta de fazer tudo diferente dos outros.

Era hora de começar o espetáculo; o respeitável público já estava dando sinais de impaciência.

— Palhaço! — gritava volta e meia o Pequeno Polegar.

Nisto um cachorro principiou a latir furiosamente lá fora, como se estivesse dando um pega nalguém. Os espectadores fizeram silêncio, com as orelhas em pé, à escuta. Ali Babá trepou ao último banco para espiar por uma fresta do pano.

— Que é, Ali? — perguntou Aladim, que estava embaixo arrumando a sua lâmpada.

— É Pedrinho que atiçou o cachorro num sujeito muito feio, de barba azul como um céu.

— Barba Azul! — exclamaram as princesas assustadas. – Cada vez que pomos o pé no sítio de dona Benta esse malvado aparece. Não o deixem entrar!...

Houve um rebuliço. Aladim pegou na lâmpada para chamar o Gênio. Não foi preciso. Pedrinho surgiu em cena, já vestido de diretor de circo, e disse:


— Calma! Calma! Não se assustem! O monstro já vai longe. Maroto ferrou-lhe uma dentada na barba, que até arrancou um chumaço — e mostrou um punhado de barba de Barba Azul.

Todos vieram ver e cada qual levou um fio como lembrança.

— Palhaço! — gritou de novo o Pequeno Polegar.

— Cocada! — miou o Gato Félix.

Pedrinho resolveu começar o espetáculo e deu sinal, batendo com um martelo numa enxada velha, pendurada de um barbante — blem, blem, blem...
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Continua… Circo de Cavalinhos – V– O espetáculo

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

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