terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Emilio de Menezes (Poemas Esparsos I)


TUAS TRANÇAS
A’ ...
.

Tudo o que eu vejo, me rodeia e fala,
Desde o arrulo das pombinhas mansas
Até dos sinos o tanger monótono,
Venham falar-me de tuas longas tranças...

Ai quantas noites em que o luar flutua
E a brisa geme dos pinheirais nas franças...
Eu vou sozinho, soluçando a medo
Beijar a sombra de tuas negras tranças

Ai... a lembrança dessa noite infinda
Em que voavas na rapidez da valsa
Deixou minh'alma retalhada em dores
Presa nos elos que essa trança enlaça;

É que inda hoje eu conservo intactas
As doces frases do valsar em meio
É que inda agora julgo estar sentindo
Arfar teu seio em delirante anseio;

O doce hálito que exalavas rindo
As meigas falas... o teu sorrir de então
Ai ... tudo... tudo para mim recorda
Louca esperança que alimentava em vão.

É que eu nutria essa esperança frívola,
Falsa quimera que se esvai e finda,
É que eu te adoro, te venero, santa
E curto em silêncio essa dor infinda

Por isso eu hei de como sempre amar-te
Preso nas chamas que do ar tu lanças
Dizer-te, sabes o que eu desejo, louco?
— Morrer envolto nas tuas negras tranças.

CONSOLO

Tudo! ... tudo morreu, mas n'alma brota Uma esperança ainda.
SÊNIO


A alma aberta. . . e chega-me a saudade
Do meu amor — coitado! — a enchê-la. . . a enchê-la...
Como me enchia o peito a felicidade
Dos bons sorrisos, dos carinhos dela.

E o martírio e a tristeza agora é tê-la
Ausente — ausente! ... e a cruel vontade
Que avulta e eu a tenho e é de vê-Ia,
Inda mais cresce aqui na soledade.

Mas nesta ausência em que — só de pensar —
Sinto que a vida vai-se me acabando,
Inda vem-me — feliz! — acalentar

As esperanças que ela dava quando,
— Cego de amor que a luz vai mendigando —
Ia pedir-lhe a esmola de um olhar.

SÚPLICA
Deixa esses mortos graves,Quero a luz desse olhar ase me consola.
( L. CORREIA: "Canção" — Volatas )


Se o teu olhar me conta, magoado,
Quando a dor me tem feito dentro d'alma,
Inda que o lábio cale, descorado,
Este martírio que o teu riso acalma,

E se deste sofrer encontro a palma
No teu piedoso riso, imaculado,
Por que não volves à alegria, à calma?
Por que me deixas triste e amargurado?

Descerra o lábio! A dor, o esquecimento;
Lança-me o sol do teu sorriso, basta
Para aquecer-me a alma em desalento.

A nuvem do pesar do rosto afasta:
— longe de nós a mágoa, o sofrimento;
Limpa-me o céu da tua fronte casta!

A UM RETRATO

Até vós! até vós! talismã sagrado
Daquele morto amor, daquele amor eterno,
Ides deixar-me só, e triste, e abandonado!
Ó meu fiel amigo, inseparável, terno!

Oh! meu leal companheiro, oh! testemunho amado
Deste sofrer sem termo, este martírio interno;
Até vós! até vós! a quem só hei confiado
Os meu dias de céu e os meus dias de inferno,

Ides abandonar-me, ides voltar contente,
Sujeitar-vos, feliz, ao doce julgo dela;
Mas quero que volteis tão límpido e nitente,

Que na morta expressão de vossa fronte bela
Não se note o vestígio, — esse vestígio ardente
Das lágrimas de dor que derramei por ela!

ASPIRAÇÃO

De uma vida sem fé ao glacial inverno
Furtei-me sacudindo o gelo da descrença.
Aquece-me outra vez este calor interno,
Anima-me outra vez uma alegria intensa.

Sinto voltar-me a minha antiga crença,
Creio outra vez no céu e no descanso eterno,
Pois creio em teu olhar, e na ventura imensa
Que ele encerra, e me mostra apaixonado e terno.

E quando deste corpo a alma arrebatada
Seja, e procure, flor, essa região sagrada
Que aos bons é concedida, esplêndida, a irradiar,

Aos sons celestiais de apaixonado hino
Abra-se para ela, olímpico, divino,
O infinito céu do teu sereno olhar.

O VIOLINO

São, às vezes, as surdinas
Dos peitos apaixonados
Aquelas notas divinas
Que ele desprende aos bocados...

Tem, ora os prantos magoados
Dessas crianças franzinas,
Ora os risos debochados
Das mulheres libertinas...

Quando o ouço vem-me à mente
Um prazer intermitente...
A harmonia, que desata,

Geme, chora... e de repente
Dá uma risada estridente
Nos "allegros" da Traviata.

A UM PESSIMISTA

Olhas o céu e o céu, todo em atra gangrena,
Se te mostra corroendo as rútilas esferas.
Baixas à terra o olhar e a terra, em outras eras,
Plena de gozo e amor, ora é de horrores plena.

Sangra a etérea região, sangra a região terrena
E o horizonte, que as une, inda mais dilacera-as.
E as próprias linhas — louco! em que a sânie verberas,
Podres vêm ao papel, podres brotam-te à pena.

Mas, se ao céu e se à terra, e se ao horizonte e ao verso,
Asco e náusea tressuando, a podridão atrelas
E nela vês tombar e fundir-se o universo,

Sobe do chão o olhar, baixa-o das nuvens belas
E volve-o dentro em ti, pois fora o tens imerso
Na própria irradiação das tuas próprias mazelas.

DIAFANEIDADES

Brumas, névoas, no espírito doentio
Passem-me, embora veladoramente,
Tu surgirás eterna flor do estio,
Radiante, rubra, tentadora, ardente.

Toldem-me a vista sóis, e fio a fio,
Trama ofuscante me perturbe a mente,
Eu te verei, eterna flor do frio,
Fria, polar, consoladora, albente.

Visão de fogo, aparição de gelo,
O mágico poder, estranho e raro,
Dás-me de tudo a ver, nítido e belo.

Pois tudo em ti, de amor abrigo e amparo,
Faz-se como este amor que tu'alma fê-lo
Diáfano, leve, transparente, claro.

LESMA

Passas. Ouço o rugir do vento que te leva!
Quando, da Arte, me ajoelho, no mystico delubro
Tu vens, lúdicro arfando, e ao espaço, a crocitar na treva.
E o impotente, o bêbado eu descubro.

Alimenta-te a inveja. O despeito te ceva.
O álcool atou-te a voz rouca e deu-te esse olhar rubro,
Que é o único clarão que do teu ser se eleva.
Mísero, a que do orgulho do régio manto encubro.

Anda! Beija-me nos pés, a clâmide inconsútil.
Eu piedoso Ca estendo ao desespero inerme!
Tu não és venenoso, o teu esforço é inútil!

O teu dente sutil não me passa a epiderme,
Oh! fonte do banal! oh! nascente do fútil!
Larva! tens o perdão! Tens a piedade, oh! verme!

INSTANTE NEGRO

Anda, acima de nós, na abóbada infinita
Em sinistro remígio, algum sinistro corvo
Que grasna ao nosso mal e à nossa dor crocita
Pondo, entre nós e o sol o seu feral estorvo!

Anda, abaixo de nós, uma víbora aflita
Que assalta o nosso sangue e o suga sorvo a sorvo!
A terra é para nós uma furna maldita.
O céu é para nós um teto negro torvo!

Terra e céu, contra nós, se conspiraram ambos.
A vida é um volutabro, e o sofrer não se exprime
Com que andamos por ela esfalfados e bambos.

Nem mais ao próprio poeta há um amor que o reanime,
— Em vez dele hoje entoar, himnos e dithyrambos,
Canta a glória suprema e a volúpia do Crime! ...

Fonte:
Obra Reunida, de Emílio de Menezes. RJ: Livraria José Olympio, 1980.

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