segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Quatro Damas) 14a. Parte


" SONETINHO "

Não tenho jeito pra trova
apesar das que já fiz,
a quadra lembra uma cova
com a cruz dos versos em x...

Ainda estou vivo e feliz
e do que digo dou prova:
- tentei cantar numa trova,
e meu amor pediu bis.

Bem sei que é meu o defeito
mas uma trova é tão, pouco
que ao meu cantar não dá jeito

Só mesmo um poema é capaz
de conter o amor demais
que trago dentro do peito.

" SORRIO... "

Ah! vieste me falar de antigamente
desse tempo em que fui sentimental,
quando o amor era um sonho puro e ardente
vestido em véu de espumas, nupcial...

Quando me dava, perdulariamente,
vivendo o mal sem conhecer o mal,
a levar a alma inquieta de quem sente
e de quem busca uma conquista ideal...

Era sestro da idade essa existência...
Sinal de pouca vida e muito sonho,
de muito sonho... e pouca experiência...

Hoje, no entanto, se a pensar me ponho:
- sorrio... Um vão sorriso de indulgência...
...Sinal de muita vida... e pouco sonho…

" SORTE... "

Está aí, amor, uma coisa que às vezes me pergunto,
(naqueles dias de silenciosa ternura
naqueles momentos sem assunto,)
- uma coisa tola que eu penso
e que você não advinha:

- como podem os outros homens ser felizes,
se Você é uma só...
... e se Você é só minha ?…

" TEMPO PERDIDO "

Quanto tempo perdido, e como dói
pensar que nunca mais o reaveremos...
Vivemos longe um do outro, como extremos,
que o tempo, - um moinho - lentamente mói...

Quanto tempo perdido... Eu, já mudado,
sem aquele entusiasmo, aquelas ânsias
que ficaram perdidas no passado
e se vão diluindo nas distâncias...

Tu, sem aquela expressão ingênua e pura
aquela ar de menina, que pedia
proteção para um sonho de ventura
que seu olhar inquieto refletia...

Tanto tempo perdido... E houve um momento
quando nos vimos a primeira vez,
que o amor seria belo, como o vento
como o mar, como a terra, o sol, talvez !

" TEMPOS... "

I
E dizer
que eu não podia passar um segundo sequer
sem saber onde estavas...

Hoje,
nem sei se existes...

II
Houve um tempo, em que eras
o Presente, o Mais-que-Perfeito
o Infinitivo...

Hoje...
nem és Passado…

" TEREZINHA "

Terezinha
Terezinha,
que não é de Jesus
nem será minha...

De quem será?
De quem será?
Que inveja eu sinto
de alguém que está
não sei bem onde,
de alguém que um dia
certo virá
e levará
a Terezinha

É a Padroeira
de antigo sonho
que em minha alma
em vão se aninha...

Terezinha
Terezinha,
que não é de Jesus
nem será minha…

" TEUS CABELOS "

Estamos quietos amor, em bonança
esquecidos de nós
viajando por nós mesmos, sem nós mesmos...

Distraída e imprevidente
te recostas em meu peito
e estás leve e alheia como uma criança sem sono.

De repente, minha mão encontra teus cabelos
e como estranha aranha se esconde em tua nuca,
e meus dedos se entranham e se emaranham
como raízes profundas, silenciosas.

São teus cabelos, sim,
não posso mais tocá-los...

Tem estranhos eflúvios que me fazem estremecer
até o fundo de mim mesmo,
e... já não me reconheço...

Tua cabeça em minha mão acende-se como uma tocha loura,
e olhos em teus olhos as chamas que ardem, sopradas
por que misteriosos ventos?

Gosto de encher as mãos com os teus cabelos,
como um lavrador, a recolher, feliz,
as louras messes de uma farta colheita.

Ah, teus cabelos, amor,
são um incalculável tesouro...

Quero morrer sempre e cada vez mais
como um rei Midas afogado em ouro
perdido neles, como em mar de sonhos...

Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Quatro Damas. 1. ed. 1964.

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