" SONETINHO "
Não tenho jeito pra trova
apesar das que já fiz,
a quadra lembra uma cova
com a cruz dos versos em x...
Ainda estou vivo e feliz
e do que digo dou prova:
- tentei cantar numa trova,
e meu amor pediu bis.
Bem sei que é meu o defeito
mas uma trova é tão, pouco
que ao meu cantar não dá jeito
Só mesmo um poema é capaz
de conter o amor demais
que trago dentro do peito.
" SORRIO... "
Ah! vieste me falar de antigamente
desse tempo em que fui sentimental,
quando o amor era um sonho puro e ardente
vestido em véu de espumas, nupcial...
Quando me dava, perdulariamente,
vivendo o mal sem conhecer o mal,
a levar a alma inquieta de quem sente
e de quem busca uma conquista ideal...
Era sestro da idade essa existência...
Sinal de pouca vida e muito sonho,
de muito sonho... e pouca experiência...
Hoje, no entanto, se a pensar me ponho:
- sorrio... Um vão sorriso de indulgência...
...Sinal de muita vida... e pouco sonho…
" SORTE... "
Está aí, amor, uma coisa que às vezes me pergunto,
(naqueles dias de silenciosa ternura
naqueles momentos sem assunto,)
- uma coisa tola que eu penso
e que você não advinha:
- como podem os outros homens ser felizes,
se Você é uma só...
... e se Você é só minha ?…
" TEMPO PERDIDO "
Quanto tempo perdido, e como dói
pensar que nunca mais o reaveremos...
Vivemos longe um do outro, como extremos,
que o tempo, - um moinho - lentamente mói...
Quanto tempo perdido... Eu, já mudado,
sem aquele entusiasmo, aquelas ânsias
que ficaram perdidas no passado
e se vão diluindo nas distâncias...
Tu, sem aquela expressão ingênua e pura
aquela ar de menina, que pedia
proteção para um sonho de ventura
que seu olhar inquieto refletia...
Tanto tempo perdido... E houve um momento
quando nos vimos a primeira vez,
que o amor seria belo, como o vento
como o mar, como a terra, o sol, talvez !
" TEMPOS... "
I
E dizer
que eu não podia passar um segundo sequer
sem saber onde estavas...
Hoje,
nem sei se existes...
II
Houve um tempo, em que eras
o Presente, o Mais-que-Perfeito
o Infinitivo...
Hoje...
nem és Passado…
" TEREZINHA "
Terezinha
Terezinha,
que não é de Jesus
nem será minha...
De quem será?
De quem será?
Que inveja eu sinto
de alguém que está
não sei bem onde,
de alguém que um dia
certo virá
e levará
a Terezinha
É a Padroeira
de antigo sonho
que em minha alma
em vão se aninha...
Terezinha
Terezinha,
que não é de Jesus
nem será minha…
" TEUS CABELOS "
Estamos quietos amor, em bonança
esquecidos de nós
viajando por nós mesmos, sem nós mesmos...
Distraída e imprevidente
te recostas em meu peito
e estás leve e alheia como uma criança sem sono.
De repente, minha mão encontra teus cabelos
e como estranha aranha se esconde em tua nuca,
e meus dedos se entranham e se emaranham
como raízes profundas, silenciosas.
São teus cabelos, sim,
não posso mais tocá-los...
Tem estranhos eflúvios que me fazem estremecer
até o fundo de mim mesmo,
e... já não me reconheço...
Tua cabeça em minha mão acende-se como uma tocha loura,
e olhos em teus olhos as chamas que ardem, sopradas
por que misteriosos ventos?
Gosto de encher as mãos com os teus cabelos,
como um lavrador, a recolher, feliz,
as louras messes de uma farta colheita.
Ah, teus cabelos, amor,
são um incalculável tesouro...
Quero morrer sempre e cada vez mais
como um rei Midas afogado em ouro
perdido neles, como em mar de sonhos...
Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Quatro Damas. 1. ed. 1964.
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