terça-feira, 10 de janeiro de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Quatro Damas) 7a. Parte

" JANELA ABERTA "

Chegaste em minha vida
como uma janela aberta
nuca casa vazia e triste.

Trouxeste um dia de sol
um aceno de folhagem
um canto de pássaro.

Que importa se continuo a ser
a mesma casa triste
e vazia?

Debruçado à janela agora
posso te ver passar...
todo dia...

" LAR "

Na estante
meus livros me esperam
e a um simples aceno, conversam
e contam histórias...

Na penumbra
em terna expectativa
minha poltrona guarda em seus braços
a forma do meu cansaço.

Cegos
meus pés calçam no escuro
os chinelos, ao lado da cama.

Em silêncio, meu sono
encontra outro corpo,
(sem fome, sem sede)
e se acomoda e adormece nele
como uma rede...

" LOUCURA... "

A verdade
é que chegaste tarde,
e não pude prever que um dia vinhas...

E o que teria sido um sonho bom e igual
a tantos outros,
uma história de amor e de ternura...

- não pode ser amor somente, e sendo mais
teve que ser loucura !

"MADRIGAL EM TOM DE PRECE"

Principalmente gosto dos teus olhos de águas e espantos
onde flutuas em transe, na luz de duas estrelas fugidias,
e porque eles me dizem que continuas intocada por dentro
e eu fui o primeiro, e há muito me pressentias.

E gosto de teus cabelos quando escorrem
entre meus dedos, e me dão a impressão
de que te tenho nas mãos, e de que todo me emaranho
em sua rede, e de que estamos presos, submersos, perdidos,
sem salvação.

Gosto de tuas mãos pequenas, boêmias, andarilhas
que saem com o destino do amor, e me percorrem,
e se perdem sem caminhos pelos meus cabelos
e me encontram por toda parte, e me aconchegam,
e me socorrem.

Gosto dos teus quadris, amplo vaso torneado
de onde nasce, num torso de planta, a envolver-me
em seus ramos,
de planta que se abre em flores e frutos
que eu desejo e colho
vermelhos, em tua boca, em tuas mãos, em teus seios,
quando nos amamos.

Gosto de tuas costas (como um arco, flexível)
que se alargam em duas luas imensas, geminadas,
surgindo entre os lençóis,
clareando a escuridão,
e que às vezes, de certo jeito, me parece
em teu corpo de mulher,
num meneio qualquer,
com uma grande, exótica e sensual
folha de tinhorão!

Gosto de tua ternura, ternura de vaga mansa,
ternura de praia curva, de enseada onde me deito
como um barco carregado de itinerários,
e de onde, sempre, nunca mais quero partir,
se tudo em torno é perfeito...

Gosto de teu amor... humilde amor que me incensa,
(turíbulo em que teus sentidos todos se consomem)
humilde amor que me exalta, e se prosterna fiel,

como se fosse um Deus, pobre deus submisso
a este culto que o faz tão simplesmente um homem,
- um homem tão preso à terra,
de repente... no céu...

"MADRIGAL PARA UNS OLHOS VERDES"

Nos vossos olhos de mar
de um verde-mar furta cor,
quis um dia navegar
- afoito navegador...

E afinal, por me perderdes
nos vossos olhos de mar,
de um verde-mar furta cor,
dos vossos olhos tão verdes
nunca mais soube voltar...
..................................

Vossos olhos são tão verdes
de um verde-mar furta cor,
que afinal por me perderdes
fiquei perdido de amor…

" MALUCO... "

Só sei que depois que a encontro,
só sei que depois que a vejo
não posso dirigir automóvel...

Entro na contramão,
não respeito os sinais
quase atropelo gente,
me chamam de maluco...
e, às vezes, até demais...

E todos tem razão...
Só que não sabem a razão
porque...
Mas quando a vejo, meu amor,
fico maluco, maluquinho
por Você !

" MAR, AMOR E MORTE... "

Esse tédio cinzento... esse imenso vazio
sem nenhuma paisagem...
Esse vento do mar, de umidade, de longes
em que todo me encharco...

E eu a agarra-me à vida
tremendo de frio,
- sem a coragem do comandante do navio
de afundar com o seu barco...

II
Vamos respeitar o amor... (Um dia, ele aconteceu...)
- pelo que tenha sido,
por tudo que lhe demos
ou... pelo que ele nos deu.

(Nem era para nós, difícil, o presságio...)

- Se nada resta fazer, se tudo está perdido,
que ele ao menos se salve
do nosso naufrágio...
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Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Quatro Damas. 1. ed. 1964.

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