quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Guerra Junqueiro (Reconhecimento e Ingratidão)

Os vossos filhos serão para vós, como vós tiverdes sido para vossos pais. E é natural. As crianças vêem diariamente o que fazem seus pais, e imitam-nos. Justifica-se desta maneira o provérbio que diz – que a bênção ou maldição dum pai cai sobre a cabeça de seus filhos terminando sempre por se realizar. Citaremos dois exemplos, que merecem ser meditados:

Um príncipe, passeando no campo, viu um pobre homem que andava muito satisfeito a lavrar a terra. Pôs-se a conversar com ele. Depois de algumas perguntas, soube que o campo não pertencia ao homem, mas que trabalhava nele mediante um salário de doze vinténs por dia. O príncipe que para as suas despesas de administração e representação necessitava de quantias avultadas, custou-lhe ao princípio a perceber, como se vivia com doze vinténs diários, andando-se ainda por cima satisfeito. Manifestou o seu espanto ao aldeão, que lhe respondeu:

– Gasto diariamente comigo a terça parte desta quantia; outro terço é para pagar as minhas dívidas; e o resto é para ir juntando algumas economias.

Era um novo enigma para o príncipe. Mas o alegre camponês explicou-lhe deste modo:

– Reparto quanto ganho com os meus velhos pais, que já não podem trabalhar, e com os meus filhos, que ainda não têm forças para isso. Aos primeiros pago-lhes o amor de que me deram tantas provas na minha infância; e espero que os segundos não me abandonem, quando os anos tiverem pesado sobre mim.

O príncipe, ouvindo isto, quis premiar o honrado camponês; encarregou-se da educação de seus filhos; e a bênção que lhe deram os seus velhos pais, os seus filhos mereceram-na depois pela sua vez, rodeando igualmente a sua velhice de cuidados piedosos e da mais terna dedicação.

Mas posso desgraçadamente citar-vos outro filho, que procedeu de uma maneira tão indigna com o seu velho pai doente e aleijado, que este teve de pedir que o levassem para o Hospital da Misericórdia. O filho ingrato recebeu com alegria o desejo do infeliz velho, que nessa mesma tarde foi conduzido ao hospital. Como este albergue de caridade fosse muito pobre, resolveu-se o velho a mandar pedir a seu filho (era a última esmola), um par de lençóis, para cobrir a palha que lhe servia de leito. O mau filho escolheu os lençóis mais rotos e disse ao seu pequeno, de oito anos de idade, que os fosse levar a «esse velho rabugento». Mas notou que a criança ao partir tinha escondido um dos lençóis a um canto, atrás da porta.

Quando voltou perguntou-lhe o pai porque fizera aquilo.

«Foi, respondeu a criança desabridamente, para me servir mais tarde deste lençol, quando pela minha vez te mandar também para o hospital.»

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

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