segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Guerra Junqueiro (Boa Sentença)


Um homem rico, mas avarento, tinha perdido dentro de um alforje uma quantia em ouro bastante avultada. Anunciou que daria cem mil-réis de alvíssaras a quem lha trouxesse. Apresentou-se-lhe em casa um honrado camponês levando o alforje. O nosso homem contou o dinheiro, e disse:

– Deviam ser oitocentos mil-réis, que foi a quantia que eu perdi; no alforje encontro apenas setecentos; vejo, meu amigo, que recebeste adiantado os cem mil-réis de alvíssaras; estamos pagos por conseguinte.

O bom camponês que nem por sombras tocara no dinheiro, não podia nem devia contentar-se com semelhantes agradecimentos. Foram ter com o juiz, que vendo a má fé do avarento, deu a seguinte sentença:

– Um de vós perdeu oitocentos mil-réis; o outro encontrou um alforje apenas com setecentos. Resulta daí claramente que o dinheiro que o último encontrou não pode ser o mesmo a que o primeiro se julga com direito. Por consequência tu, meu bom homem, leva o dinheiro que encontraste, e guarda-o até que apareça o indivíduo que perdeu somente setecentos mil-réis. E tu, o único conselho que passo a dar-te, é que tenhas paciência até que apareça algum que tenha achado os oitocentos mil-réis.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

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