segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Quatro Damas) 6a. Parte


" ESTRELA CADENTE "

Ela que foi um canto de alegria
a Musa do que escrevo em seu louvor,
que pos um véu azul de fantasia
sobre o sonho impossível desse amor...

Que foi luz, que foi som, beleza e cor
no meu mundo fugaz de cada dia,
que foi tudo afinal: perfume e flor
numa vida monótona e vazia...

Que está presente no meu pensamento
como uma onde em vai-vem na praia, ou
uma estrela a luzir no firmamento...

Foi estrela-cadente... Cintilou
no alto dos céus, num ráoido momento
e... nas sombras da noite se apagou!

" ETERNIDADE "

Estamos fora do tempo...

Este instante de amor que vivemos
é a eternidade.

" EXISTO "

Seu amor me fez real, e me deu o sentido
da alegria de ser, total, completamente...
Fez de um pobre poeta em sonhos consumido
alguém que tem nas mãos um mundo! e sofre, e sente!

Seu amor foi a vida a irromper da semente
de um velho coração cansado e ressequido,
o verde que voltou ao ramo nu, pendente,
a imprevisível flor, o fruto inconcebido...

Seu amor foi milagre a cantar pelo chão
como a água, no agreste, a acenar ao viajante
a esperança, o prazer, a vida, a salvação...

Passo a existir, quem sabe? apenas porque a amei...
E ela existe talvez, a partir deste instante
porque ela e o seu amor... em versos transformei!

" FACHO DE LUZ "

Às vezes, tua cabeça loura em minhas mãos
é como um facho de luz.

E é tanta a claridade que cega o meu desejo,
que cerro os olhos, encandeado, e para não me perder
agarro-me ao teu beijo.

" FALTA DE AR "

Há dias que posso passar sem sol, sem luz,
sem pão,
sem tudo enfim...

( Tenho até a impressão de que não preciso de nada...
... nem mesmo de mim...)

Mas há dias, amor... ( e parece mentira)
- nem eu sei explicar o porquê
de tão grande aflição -

em que não posso passar sem Você
um segundo que seja!
- de repente preciso encontrá-la, é preciso que a veja -

- Você é o ar com que respira
meu coração !

" FAMÍLIA... "

Da janela do meu apartamento, à noite, quando chego
vejo defronte, a mulher sentada à máquina de costura
sob um foco de luz.

São oito a meia. As janelas da sala, dos quartos, de todo o apartamento
estão apagadas.

A mulher continua costurando, costurando. Ao seu lado
estão sempre brincando um menino a uma menina,
(devem ter 5 a 6 anos)
e sobre a cama de casal ha um menorzinho, quase sempre pulando
sobre o colchão.

Vez por outra a mulher se volta para eles, ( não ouço o que diz)
mas faz pouca diferença porque eles continuam fazendo a mesma coisa.

De repente, ela para de costurar.
As crianças desaparecem.
Um minuto depois, ele se curva para beijá-la, ela se levanta e sai.
As crianças se agarram as pernas dele, entram e saem
correndo por todos os cômodos.
...................................................................................................................

Da janela do meu apartamento, à noite,
todas as noites,
me emociono a pensar, não sei o que...

"... Ser pai é ser esperado, é parar a costura,
é ser segurado pelas pernas, é, de repente...
acender o apartamento todo!”

" FATALIDADE "

Há muitos anos eu te escrevia
sem por endereços em meus versos.

Tu lias,
compreendias,
e esperavas... que o meu caminho
atravessasse o seu

Era uma fatalidade
o que se deu…

" FUGA ? "

Escrevo. Tento evadir-me.
Para onde? Se não há saídas
se já experimentei todas as vidas
e em vão...

Tento evadir-me, e as palavras
são como túneis
sem fim, em minha solidão…

"GOSTO QUANDO ME FALAS DE TI..."

Gosto quando me falas de ti... e vou te percorrendo
e vou descortinando a tua vida
na paisagem sem nuvens, cenário de meus desejos tranqüilos

Gosto quando me falas de ti... e então percebo
que antes mesmo de chegar, me adivinhavas,
que ninguém te tocou, senão o vento
que não deixa vestígios, e se vai
desfeito em carícias vãs...

Gosto quando me falas de ti... quando aos poucos a luz
vasculha todos os cantos de sombra, e eu só te encontro
e te reencontro em teus lábios, apenas pintados,
maduros,
mas nunca mordidos antes da minha audácia.

Gosto quando me falas de ti... e muito mais adiantas
em teus olhos descampados, sem emboscadas,
e acenas a tua alma, sem dobras, como um lençol
distendido,
e descortino o teu destino, como um caminho certo, cuja
primeira curva
foi o nosso encontro.

Gosto quando me falas de ti... porque percebo que te desnudas
como uma criança, sem maldade,
e que eu cheguei justamente para acordar tua vida
que se desenrola inútil como um novelo
que nos cai no chão…

" HISTÓRIAS... "

Histórias...
Coisas loucas talvez, vagas, simplórias...
Isso tudo sou eu que imagino,
Você desculpará....

Vamos contar histórias.....
- Era uma vez..... um barco pequenino
que abriu velas ao vento do Destino.....
.......e por onde andará?

"IDENTIDADE"

Se me encontrarem morto no rua
(como um indigente, um desconhecido)
apenas com a minha poesia.

- seria bem fácil me reconhecer...

Bastaria que entregassem à primeira moça
que passasse,
a poesia, para ler,
e ela haveria logo de dizer (com a alma inquieta):
- é o meu poeta ...

... E, tenho certeza,
(desculpem-me a imodesta convicção):
- uma lágrima límpida e silenciosa
turvaria seu coração…

" IRREMEDIÁVEL... "

Nunca que aprende o coração da gente!
Sempre a eterna e inevitável necessidade
de crer no amor
irremediavelmente...

Quando um amor se vai,
nos castiga ou nos trai,
logo se esquece o insulto
ao vir a solidão...

- e o “ateu”, o descrente,
retornam ao velho culto
tão logo um outro amor acena
e ilude novamente
o coração.…

" IRREMEDIAVELMENTE "

Hoje, quando me encontras
sou um homem amargurado
a tentar esconder-se em sua alegria triste
e em seu triste humor.

Sou um homem ferido, que ainda vive e resiste
desfeiteado
por um amor morrido:
inacabado amor.

Por que não foges? Por que te contaminas
com o fel
dessa melancolia,
que em vão, de risos e cantos
se fantasia,
procurando encobrir um pessimismo cruel
e medonho?

e por que partilhares esse amargor doentio
tu que és toda Primavera
e tens direito ao sonho?

Se há tantos corações iguais ao teu,
no estio,
por que tua ternura ingênua persevera
em vir morar num coração tão frio
e tristonho?

Percebo, - e basta um segundo só, se me concentro:
- sou um homem morrido, irremediavelmente triste
por dentro
a pintar-se, entretanto, por fora de alegria,
por orgulho, pudor, por estranha ironia...

E a tentar disfarçar em vão, seu cansaço
e seu tédio...

Desiste, amor, desiste!
Não gaste tua vida assim, inutilmente,
para salvar um doente, a quem o amor fez doente
sem remédio...
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Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Quatro Damas. 1. ed. 1964.

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