Depois voltou para casa a correr, aflito por contar a Narizinho o estranho acontecimento. E desfiou tudo, num atropelo.
A menina abriu a boca.
— Mas que jeito tinha ele? — indagou ela, ardendo em curiosidade.
— Como posso saber, se era invisível? A voz parecia de menino. Disse que tem minha altura e minha idade. Gosta de cantar como galo, tal qual Peter Pan. Desconfiei que fosse Peter Pan, mas a voz declarou que não, que nem de nome o conhece.
— É extraordinário! — murmurava Narizinho, olhando para o mapa aberto no chão. — Venha ver, Emília.
A boneca, que estava brincando de esconder com o Visconde, veio depressa, muito tesinha, toe, toe, toe. Olhou para o mapa, fez suas críticas e, dando com o chiqueirinho de Rabicó, berrou:
— Ande, Visconde, venha ver uma coisa! E como o Visconde não viesse logo, correu a buscá-lo e fincou-o no mapa com tanto estouvamento que furou o Mar dos Piratas.
Depois de olhado e reolhado e decorado aquele mapa, Pedrinho pensou nos preparativos.
— Temos de resolver tudo já, porque amanhã de madrugada é a partida. Antes de mais nada preciso saber quem vai e quem não vai.
— Acho que devemos ir todos, menos Rabicó — opinou a menina. — Rabicó está muito malcriado. Vai Emília, vai Faz-de-conta, vai o Visconde...
— Faz-de-conta, não! — berrou a boneca. — Tenho vergonha de andar com uma feiúra daquelas. O Visconde, sim, porque preciso dele.
Venceu a opinião da boneca. Faz-de-conta ficava e o Visconde ia.
— E a bagagem? — lembrou a menina. — Valerá a pena levar alguma?
— Acho que não — disse Pedrinho. — O menino invisível é da marca de Peter Pan, dos tais que sabem dar jeito a tudo e fazem surgir o que é preciso. Foi essa a minha impressão.
Ficou resolvido não levarem nada.
— Muito bem — disse Pedrinho. — Nesse caso, tratemos de dormir mais cedo, porque temos de sair de madrugadinha.
Dona Benta estranhou aquela ida para a cama tão antes da hora e disse para tia Nastácia: “Temos novidades amanhã!...”
Só Emília não foi dormir. A boneca tinha idéias especiais sobre tudo, e tudo fazia diferente dos outros. Por isso resolveu levar bagagem e passou parte da noite a arrumar uma célebre canastrinha de couro que dona Benta lhe dera. Botou dentro uma pena de papagaio, uma perna de tesoura de unha encontrada no lixo, o famoso alfinete de pombinha que filara da negra e mais quitandas.
— A gente precisa se precatar — dizia ela no meio do quarto, de mãos na cintura, repetindo uma frase que tia Nastácia usava muito. Vendo que não havia esquecido de coisa nenhuma, tratou de fechar a canastra. Não pôde. Estava cheia demais.
— Visconde! — berrou. — Venha me ajudar a “espremer” esta malvada.
O pobre Visconde de sabugo cada vez mais verde de bolor e todo duro de reumatismo, veio lá do seu canto, gemendo.
— Sente-se em cima e esprema a tampa até arrebentar.
Felizmente para o Visconde não foi preciso tanto. A canastrinha teve dó dele e deixou-se fechar antes que o pobre sábio rebentasse.
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Continua… Pena de Papagaio – III - A partida
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
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