quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Quatro Damas) 10a. Parte


"O ESPELHO"

Dizias não gostar dele...
Mas já te vais acostumando à sua silenciosa
presença...

Mudo espectador só ele tem o direito de assistir também
às redescobertas de tu beleza.

Tu me chamas de louco, porque às vezes,
não contento de ver-te a face,
te surpreendo em descuidadas revelações
em seus olhos prateados...

Tolice, amor,
por ele posso encontrar num imenso instante
todas as faces de tua beleza
e multiplicar ao infinito
as loucuras e alegrias do nosso amor!

" O VÉU DA FANTASIA "

Desnuda-te apenas nos instantes cegos dos sentimentos
quando todos nos transfiguramos,
(de nós mesmos, esquecidos...)

Meu Desejo quer-te velada
novamente,
tão de pronto meus braços te soltem
tal como um tronco abatido
ao sabor da corrente...

Não te exponhas assim, displicente, aos meus olhos
que banalizas tua beleza
e podes te igualar a encardidas visões...

Que desça o pano ao fim dos espetáculos
e que voltes aos bastidores
antes das novas apresentações...

Quero-te nua em meus braços, (mas deixa que te confesse: )
quero-te nua, com essa encantada nudez
que eu diria
vestida sempre com um véu
de fantasia…

" OBRA-PRIMA "

A sua adolescência é em si
uma obra-prima
da natureza,
um pequeno universo...

É impossível conter toda a sua beleza
numa rima,
ou medi-la num verso…

" OUTROS CAMINHOS... "

Chegas de muito longe... trazendo meu sonho,
e és a imagem da pureza que eu escondi no fundo
dos meus fracassos...

Perdoa, meu amor, se de joelhos me ponho...
E se terás que passar por esse chão imundo
se quiseres chegar
até meus braços…

" PAVANA PARA UMA CRIANÇA MORTA "

E afinal
em meio a tantos embaraços
eis ao que chegamos, sem perceber...

Andamos de um lado para outro
com essa criança nos braços
sem saber o que fazer...

Um sentimento de culpa nos persegue...
Diante dela, ainda choras,
e a minha alma se cala...

Fomos nós que a deixamos morrer sem um gesto sequer
para salvá-la...

E agora, a carregamos
sem reconhecimento, sem piedade,
esquecidos de tudo que nos deu, em outros tempos
de felicidade...

Mas para que lembrar? Houve mesmo outros tempos
em que ela nos pegou pela mão, como crianças
bêbedas de vida
sem falsos pejos,
e embriagou-nos de carícias
e desejos?...

Hoje... Somos nós que a levamos, em nossos braços,
pesados braços, caídos braços, já sem abraços,
sem coragem de enterrá-la
no coração...

E por que esperar por um milagre, se nós não cremos
em milagres?
- Se nós não cremos em ressurreição?

" PAZ... "

Assinemos a paz...

Pelo que fomos
mas já não somos mais,
não vamos desprezar o nosso amor
como um amor qualquer...

Aceitemos o Destino - que a ele cabe
pôr e dispor -
e já que não foi possível a felicidade...

... seja o que Deus quiser...

Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Quatro Damas. 1. ed. 1964.

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