segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Garimpando Sonetos)


A imortalidade de um poema não é decretada pela crítica mas pelo “referendum” popular. Só o tempo e a memória do povo - fichário de seu coração - consagram realmente um poema.

Homero foi declamado durante séculos pelos aedos gregos, antes que escribas de Psitrato recebessem a incumbência de fixar pela forma gráfica os seus dois poemas imortais.

Mas com os poemas e sonetos acontece às vezes o mesmo que com as trovinhas. À proporção que se popularizam, ou justamente por isso, vão sendo envolvidos pelo anonimato. Das trovas, quase se poderia dizer, talvez pela facilidade com que podem ser decoradas ou transcritas, que muitas, das mais belas, correm na “ boca do povo ”, esquecidas dos seus autores. Uma delas, que todos nós sabemos de cor, tem sido atribuída não só a poetas brasileiros como a portugueses. Leio agora, entretanto, no número 25 do jornalzinho “ Trovas e Trovadores ”, órgão oficial da União Brasileira de Trovadores, num artigo de Luiz Otávio, e com documentação irrefutável, que pertence a um trovador pernambucano Barreto Coutinho. É aquela quadrinha:

Eu vi minha mãe rezando
aos pés da Virgem Maria.
Era uma santa escutando
o que outra santa dizia.”


Numa crônica anterior, “ Sonetos Imortais”, referindo-nos aos poetas que se imortalizaram apenas por um soneto, citamos “Romance” de Octávio Rocha, que retiramos de velho recorte do “Correio da Manhã” de mais de vinte anos, com um comentário em que o redator Aédo de Carvoliva informa que o transcrevia de uma revista, e estranhava não conhecer o poeta.

Este soneto, que agora incluímos em nova edição de nossa antologia “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”, volume I, (Poesia Brasileira), já se encontra identificado. Recebemos uma carta do poeta, que vive atualmente em Campinas, é jornalista, colabora no jornal “Correio Popular”, nasceu em Mogi-Mirim, e conta 76 anos. Teve conhecimento de nossa c rônica por intermédio de uma filha, residente em S. Paulo, leitora da revista. Trata-se realmente de um belo soneto lírico, cuja idéia é um verdadeiro “achado”, uma novidade, dentro do mais velho e do mais difícil dos temas: o Amor.

Como sugeri ao seu autor uma pequena modificação, simples apara, em dois versos, para que o soneto ganhasse em inteireza, sugestão que ele recebeu de bom grado, vou transcreve-lo novamente, para quem não o recortou:

ROMANCE

“- Venha me ver sem falta, estou velhinha.
Iremos recordar nosso passado.
A sua mão quero apertar na minha,
quero sonhar ternuras ao seu lado...

Respondi, pressuroso, numa linha:
“ - Perdoa-me não ir... ando ocupado...”
Amei-a tanto, quando foi mocinha,
e de tal modo, também fui amado.

Passou a mocidade, num relance...
Hoje, estou velho, velha está... Suponho
que perdeu da beleza os vivos traços...

Não quero ver morrer nosso romance:
“ - prefiro tê-la, jovem, no meu sonho,
do que, velha, aperta-la nos meus braços!”


Quando eu apresentava, pela Rádio nacional, o programa “Encontro com a poesia”, solicitei aos meus ouvintes que, se conhecessem qualquer belo soneto me enviassem sem compromisso, e por isso, eu lhes ficaria muito grato, já que não pertenço (nem pretendo) a grupos literários.

Pois bem em meio à correspondência, chegaram-me, inclusive, cadernos inteiros de poesia. De dois destes cadernos recolhi quase cinqüenta novos trabalhos, que acrescentei a 3.a edição de “ Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou ”. Do caderno enviado pela Prof.a Maria José de Menezes, organizado ao tempo em que era normalista, e onde, para minha alegria, encontrei uma grande quantidade de meus sonetos, retirei entre outros, um intitulado “Mente Mais”, de Raul Giudicelli. Não conhecia o poeta de nome, e julguei até pudesse ser a t radução de algum soneto de autor italiano.

Pesquisando, entretanto, acabei por localizar o escritor que mora no Rio, é carioca, da Ilha do Governador, não tem livro publicado, e faz parte da direção da revista “O Cruzeiro”. Eis o soneto:

MENTE MAIS

Sei que os carinhos teus sempre serão
carinhos mentirosos, aparentes,
mas não sei se é vaidade ou compaixão
o secreto motivo por que mente...

Sei que não falas pelo coração
quando falas do amor que por mim sentes,
mas tens finuras tais de sedução
que das próprias mentiras te desmentes...

Se puderes dizer-me sempre “sim”
com ternuras e olhares sempre iguais,
sem te cansares de mentir assim,

sem te esgotares de mentiras tais,
não te apartes, então, jamais de mim,
e eu te peço, querida, mente mais!


E já que estamos “ garimpando ” poesia, e que devo a revista “ Jóia ” a identificação de uma gema preciosa, vou aproveitar a oportunidade, e encerrar esta croniqueta com um soneto, retirado ao caderno de outra ouvinte, onde foi copiado sem o nome do autor.

Publicado, talvez os leitores me ajudem a descobrir o poeta. Escrevam-me enviando os dados biográficos, pois que o soneto figura também na nova edição da antologia, mas como anônimo.

RÉU DE AMOR

Sou réu de amor! Confesso o meu pecado
porém não me arrependo desse crime,
que amar alguém e ser também amado
é o crime mais gostoso e mais sublime!

A confissão por certo não redime
a quem quer continuar a ser culpado,
e seu for, por acaso, condenado,
não há razão para que desanime.

Pelo contrário. Altivo, embora fique
meu coração partido em mil pedaços,
eu quero que a justiça se pratique...

Sou réu de amor, e julgo-me indefeso!
Pela justiça, entrego-me a teus braços:
eternamente quero ficar preso...


Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

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