domingo, 12 de fevereiro de 2012

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Pó de Pirlimpimpim - V – Fim do Visconde de Sabugosa


— E o Visconde com a canastrinha? — lembrou Emília. — Estavam os “dois” amarrados à crina do burro, mas não vejo nem um nem outro.

Sumira-se o Visconde, ninguém sabia como. Devorado pelo pássaro Roca? Afogado naquele mar imenso? Impossível apurar.

Emília ficou aborrecidíssima, não tanto pelo Visconde, apesar de serem muito camaradas, mas pela canastrinha que com ele se perdera. Só se consolou quando dona Benta lhe prometeu outra ainda mais bonita.

Súbito, Narizinho, que se afastara do grupo para juntar caramujos da praia, gritou:

— Corram! Achei o Visconde!...

Todos correram para lá, e de fato viram o pobre Visconde semi enterrado na areia, morto, completamente morto!... Tinha-se afogado, e fora trazido pelas ondas. Pobre Visconde! Sem cartola, de língua de fora, olhos cheios de areia, corpo metade comido pelos peixes... Todos se comoveram profundamente, sobretudo ao verem que não largara a canastrinha. Fiel como um cão, cumpridor da palavra como um verdadeiro nobre, perdera a vida, mas não perdera a carga que lhe fora confiada!... Até o senhor de Munchausen se comoveu.

Descobriu-se, cruzou os braços e ficou de mão no queixo a contemplar aquele triste fim. Emília, porém, demonstrou mais uma vez que não tinha coração. Em vez de derramar uma lágrima, ou dizer umas palavras tristes, a diabinha limitou-se a abrir a canastra – para ver se o Visconde não havia furtado alguma coisa!... Depois teve uma idéia muito prática. “Depenou” o cadáver, isto é, arrancou-lhe as pernas e os braços roídos pelos peixes e guardou o tronco na canastrinha, dizendo:

— Tia Nastácia é uma danada. Com este toco, aposto que faz um Visconde novinho e muito mais bonito.

Por fingimento, ou porque realmente sentisse a morte do Visconde, o barão declarou que iria tomar luto no chapéu por três meses, visto que eles, barões e Viscondes, são parentes entre si — parentes em nobreza. Esse ato do senhor de Munchausen muito sensibilizou dona Benta, a qual cochichou ao ouvido de Narizinho:

— Bem se diz que santo de casa não faz milagres! Nunca demos grande importância ao Visconde e, no entanto, veja, até luto por ele o senhor de Munchausen vai botar...

Nisto ouviram tropel de cavalos. Era a caleça do barão que vinha chegando para levar dona Benta ao castelo.
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Continua… O Pó de Pirlimpimpim – VI – O pintão

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

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