Tomaram a carruagem e foram. Pouco antes das muralhas do castelo havia um desfiladeiro por entre montanhas de pedra onde a carruagem parou de súbito. O senhor de Munchausen espichou a cabeça para ver o que era.
— Uma enorme pedra rolou da montanha e trancou a passagem — disse o cocheiro.
— Que bucha! — exclamou o barão apeando-se para estudar o caso. — Pedra nada! — gritou logo depois. — Isto é apenas um ovo do pássaro Roca, rolando de um ninho lá em cima. Bem desconfiado andava eu de que o ninho do monstro era aqui nesta montanha...
Todos correram para ver e foi um abrir de bocas que não tinha fim. Nem por brincadeira haviam sonhado um ovo daquele tamanho, maior do que duas pipas postas uma em cima da outra. A casca era tão dura que apesar do ovo ter rolado do alto da montanha, batendo em quanta pedra havia, não se quebrara. Trincara de leve, só...
— Que pena tia Nastácia não estar aqui! — lamentou dona Benta. — Havia de gostar de ver um ovo deste tamanho... E agora? Precisavam passar, fosse como fosse. Rolar o Ovo era impossível, por estar entalado entre rochas. O único meio seria despedaçá-lo. Assim resolveu o barão, e mandou que o cocheiro fosse correndo ao castelo buscar uma picareta.
— Uma, não! Duas! Ou três! — gritou depois que o cocheiro partiu.
— Quatro! — berrou Emília. Eu também quero quebrar ovo.
O cocheiro trouxe cinco. Cada qual pegou na sua, e malhou na casca do Ovo com quanta força tinha. De repente o barão gritou:
— Fujam, que vai escorrer clara e gema de virar tudo em omelete...
Todos fugiram para os barrancos, inclusive a pobre dona Benta, que teve de ser içada pelos meninos.
— Viver mais de sessenta anos para acabar trepando em barrancos de medo de virar omelete! Isso nunca foi vida... — lamentava-se a boa vovó.
Inútil a debandada. O ovo partira-se sem derramar clara nem gema nenhuma, pela simples razão de não ter nada disso dentro. O que havia lá dentro era um formidável pinto, que botou a cabeça de fora, a piar uns pios agudíssimos, de se ouvirem a dez léguas dali. O barão ficou apreensivo. Aqueles piados eram capazes de chegar aos ouvidos do pássaro Roca, que não devia andar muito longe — e se a gigantesca ave os pilhasse a mexer com o seu ovo, certo que os devoraria a todos, como se fossem minhocas.
— Cordas! — gritou ele aflito. — Corram ao castelo e tragam quantas cordas puderem...
Pedrinho e o cocheiro voaram ao castelo atrás de cordas, voltando minutos depois com quantas havia.
— Temos que amarrar o bico deste horrendo pinto sem perda de um instante, se não o Roca surge por aí e nos devora.
Não foi nada fácil. O pintão defendia-se como um tigre. Só mesmo a força hercúlea do senhor de Munchausen, ajudado pelo cocheiro, por Pedrinho, pela menina, por Emília e até por dona Benta, poderia amarrar o bico do pinto Roca — e ainda assim tiveram de lutar muito tempo. Afinal, amordaçaram-no.
— Conheceu, papudo? — gritou Emília de longe, quando viu o serviço feito.
De nada, porém, valeu tanto esforço. O pássaro Roca tinha ouvido os pios do filhote e vinha pelos ares como um ciclone de penas.
— Fujamos! — gritou o senhor de Munchausen ao avistá-lo, e botou-se...
Foi uma debandada geral. Voaram todos atrás do barão, como veados. Até a pobre dona Benta teve de esquecer os sessenta anos, o reumatismo e a pontada, para só pensar na fuga. Arregaçou a saia, botou a dentadura no bolso e virou veado também. Chegou ao castelo mais morta que viva, pondo a alma pela boca.
— Benza-me Deus! — dizia ela. — Isto nunca foi vida...
O barão e o menino subiram incontinenti à torre para espiar o pássaro Roca por uma luneta. Viram-no pairar sobre o desfiladeiro e descer como flecha sobre o ovo. Ao dar com o filhote já nascido, sentiu grande alegria. Não desconfiou nem sequer daquele bico amarrado, certo de que o pinto nascera assim...
––––––––––––––
Continua… O Pó de Pirlimpimpim – VII – Melhor que o pó
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
— Uma enorme pedra rolou da montanha e trancou a passagem — disse o cocheiro.
— Que bucha! — exclamou o barão apeando-se para estudar o caso. — Pedra nada! — gritou logo depois. — Isto é apenas um ovo do pássaro Roca, rolando de um ninho lá em cima. Bem desconfiado andava eu de que o ninho do monstro era aqui nesta montanha...
Todos correram para ver e foi um abrir de bocas que não tinha fim. Nem por brincadeira haviam sonhado um ovo daquele tamanho, maior do que duas pipas postas uma em cima da outra. A casca era tão dura que apesar do ovo ter rolado do alto da montanha, batendo em quanta pedra havia, não se quebrara. Trincara de leve, só...
— Que pena tia Nastácia não estar aqui! — lamentou dona Benta. — Havia de gostar de ver um ovo deste tamanho... E agora? Precisavam passar, fosse como fosse. Rolar o Ovo era impossível, por estar entalado entre rochas. O único meio seria despedaçá-lo. Assim resolveu o barão, e mandou que o cocheiro fosse correndo ao castelo buscar uma picareta.
— Uma, não! Duas! Ou três! — gritou depois que o cocheiro partiu.
— Quatro! — berrou Emília. Eu também quero quebrar ovo.
O cocheiro trouxe cinco. Cada qual pegou na sua, e malhou na casca do Ovo com quanta força tinha. De repente o barão gritou:
— Fujam, que vai escorrer clara e gema de virar tudo em omelete...
Todos fugiram para os barrancos, inclusive a pobre dona Benta, que teve de ser içada pelos meninos.
— Viver mais de sessenta anos para acabar trepando em barrancos de medo de virar omelete! Isso nunca foi vida... — lamentava-se a boa vovó.
Inútil a debandada. O ovo partira-se sem derramar clara nem gema nenhuma, pela simples razão de não ter nada disso dentro. O que havia lá dentro era um formidável pinto, que botou a cabeça de fora, a piar uns pios agudíssimos, de se ouvirem a dez léguas dali. O barão ficou apreensivo. Aqueles piados eram capazes de chegar aos ouvidos do pássaro Roca, que não devia andar muito longe — e se a gigantesca ave os pilhasse a mexer com o seu ovo, certo que os devoraria a todos, como se fossem minhocas.
— Cordas! — gritou ele aflito. — Corram ao castelo e tragam quantas cordas puderem...
Pedrinho e o cocheiro voaram ao castelo atrás de cordas, voltando minutos depois com quantas havia.
— Temos que amarrar o bico deste horrendo pinto sem perda de um instante, se não o Roca surge por aí e nos devora.
Não foi nada fácil. O pintão defendia-se como um tigre. Só mesmo a força hercúlea do senhor de Munchausen, ajudado pelo cocheiro, por Pedrinho, pela menina, por Emília e até por dona Benta, poderia amarrar o bico do pinto Roca — e ainda assim tiveram de lutar muito tempo. Afinal, amordaçaram-no.
— Conheceu, papudo? — gritou Emília de longe, quando viu o serviço feito.
De nada, porém, valeu tanto esforço. O pássaro Roca tinha ouvido os pios do filhote e vinha pelos ares como um ciclone de penas.
— Fujamos! — gritou o senhor de Munchausen ao avistá-lo, e botou-se...
Foi uma debandada geral. Voaram todos atrás do barão, como veados. Até a pobre dona Benta teve de esquecer os sessenta anos, o reumatismo e a pontada, para só pensar na fuga. Arregaçou a saia, botou a dentadura no bolso e virou veado também. Chegou ao castelo mais morta que viva, pondo a alma pela boca.
— Benza-me Deus! — dizia ela. — Isto nunca foi vida...
O barão e o menino subiram incontinenti à torre para espiar o pássaro Roca por uma luneta. Viram-no pairar sobre o desfiladeiro e descer como flecha sobre o ovo. Ao dar com o filhote já nascido, sentiu grande alegria. Não desconfiou nem sequer daquele bico amarrado, certo de que o pinto nascera assim...
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Continua… O Pó de Pirlimpimpim – VII – Melhor que o pó
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
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