sábado, 5 de janeiro de 2013

Clássicos do Cancioneiro Popular (A Velha Bizunga)


Colhido em Maricá, RJ
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Velha Bizunga,
 Casai vossa filha,
 Pra termos um dia
 De grande alegria.
 "Eu, minha filha,
 Não quero casar;
 Pois não tenho dote
 Para a dotar.

 Saiu a Preguiça,
 De barriga lisa:
 — Case a menina,
 Que eu dou a camisa.
 "Quem dê a camisa
 Decerto nós temos;
 Mas a saia branca,
 Donde a haveremos?

 Saiu a cabrita
 Do mato manca:
 — Case a menina,
 Darei a saia branca.
 "Quem dê saia branca
 De certo nós temos;
 Mas o vestido.
 Donde o haveremos?

 Saiu o veado
 Do mato corrido:
 — Case a menina,
 Que eu dou o vestido.
 "Quem dê o vestido
 De certo nós temos;
 Porém os brincos,
 Donde os haveremos?

 Saiu o cabrito
 Dando dois trincos:
 — Case a menina,
 Eu darei os brincos.
 "Quem dê os brincos
 De certo nós temos;
 Mas falta o ouro,
 Donde o haveremos?

 Saiu do mato
 Roncando o besouro
 — Case a menina,
 Qu’eu darei o ouro.
 "Quem nos dê o ouro
 De certo nós temos;
 Mas a cozinheira,
 Donde a haveremos?

 Saiu a cachorra
 Descendo a ladeira:
 — Casai a menina,
 Serei cozinheira.
 "Quem seja a cozinheira
 É certo já temos;
 Porém a mucama,
 Donde a haveremos?

 Saiu a traíra
 De baixo da lama;
 — Casai a menina,
 Serei a mucama.
 "Quem seja a mucama
 De certo nós temos,
 Porém o toucado,
 Donde o haveremos?

 Saiu o coelho
 Todo embandeirado:
 — Casai a menina,
 Darei o toucado.
 "Quem dê o toucado
 É certo que temos;
 Porém o cavalo,
 Donde o haveremos?

 Saiu do poleiro
 Muito teso o galo
 — Casai a menina,
 Que eu dou o cavalo.
 "Quem dê o cavalo
 De certo nós temos;
 Porém o selim,
 Donde o haveremos?

 Saiu um burro
 Comendo capim
 — Casai a menina,
 Darei o selim.
 "Quem dê o selim
 É certo que temos;
 Porém falta o freio,
 Donde o haveremos?

 Saiu uma vaca,
 Pintada no meio:
 — Casai a menina,
 Eu darei o freio.
 "Quem nos dê o freio
 Sim, senhores, temos;
 Porém a manta,
 Donde a haveremos?

 Saiu a onça
 Co‘a boca que espanta:
 — Casai a menina,
 Que darei a manta.
 "Quem nos dê a manta,
 É verdade temos;
 Mas quem será o noivo?
 Donde o haveremos?

 Saiu o tatu
 Com o seu casco goivo:
 — Casai a menina,
 Que eu serei o noivo.
 "O noivo tratado
 De certo nós temos;
 Porém o padrinho,
 Donde o haveremos?

 Saiu o ratinho
 Todo encolhidinho:
 — Casai a menina,
 Serei o padrinho.
 "Quem seja o padrinho
 De certo nós temos;
 Porém a madrinha.
 Donde a teremos?

 Saiu a cobrinha,
 Toda pintadinha:
 — Casai a menina,
 Serei a madrinha.
 "Quem seja a madrinha
 De certo nós temos;
 Mas quem pague o padre,
 Donde o haveremos?

 Saiu a cobrinha,
 Que era a comadre:
 — Casai a menina,
 Pagarei ao padre.
 Cada um dando o que pôde
 Todos se arrumaram:
 Chamado o padre,
 Logo se casaram.

 Caindo o sereno
 Por cima da grama,
 Debaixo da pedra
 Fizeram a cama,
 Se divertiram,
 Cantaram, dançaram;
 E diz o lagarto
 Que também tocaram.

 Se é verdade ou não,
 Isso lá não sei;
 O que me foi contado
 Eu também contei.

 O que sei só é
 Que tanto brincaram,
 Que todos também
 Se embebedaram.

 Até eu também
 Me achei na função,
 E pra casa truce
 De doce um buião.

Fonte:
Romero, Sílvio. Cantos populares do Brasil. Coleção Documentos Brasileiros. Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio Editora, 1954; Disponível em Jangada Brasil. Setembro 2010 - Ano XII - nº 140. Edição Especial de Aniversário

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