terça-feira, 5 de março de 2013

Soares de Passos(O Mosteiro da Batalha)

Pulsemos a lira, que além se levanta
Padrão de vitória que imenso reluz!
Um templo e altares à Mãe sacrossanta;
Um templo, um poema que altivo descanta
Grandezas da pátria nos átrios da cruz.

Grandezas da pátria quem traz à memória
Que o peito não sinta d'orgulho bater?
Pulsemos a lira! do livro da história
Volvamos as folhas, que a musa da glória
Em nuvens etéreas sentimos descer!

Eis já d'Aljubarrota nas campinas
Se encontram as hostes contendoras.
Daqui tremulam portuguesas quinas:
Dalém as castelhanas invasoras.
Daqui é João primeiro, cuja lança
A coroa defende e a pátria cara:
Dalém o estranho rei, pedindo a herança
Da princesa Beatriz que desposara.

Refulge o sol nas armas, os cavalos
Rincham fogosos, escarvando a terra;
Dum lado e doutro os chefes a intervalos
Correm as alas animando à guerra.
Pouco avultam as hostes portuguesas;
Tremendo é de Castela o poderio;
Mas quem à pátria negará proezas
D'alto valor, e generoso brio!

A véspera é do dia consagrado
À Assunção gloriosa de Maria;
Os olhos levantando, o rei soldado:
«Senhora, exclama, nosso esforço guia!
«Se vencermos, um templo majestoso
«Te erguerei sobre o campo de batalha!»
Diz, e esporeando seu corcel fogoso
Brios em todos com sua voz espalha.

Soam trombetas; o sinal é dado;
Flutuam soltos os pendões na frente:
– São Tiago! – brada o castelhano ousado;
– São Jorge e avante! – a portuguesa gente.
Rédeas soltando, os esquadrões galopam,
E dão em cheio com furor insano,
Como torrentes que no vale se topam,
Ou como as ondas no revolto oceano.

Retine o ferro, a multidão se agita;
As achas d'armas, os broquéis lampejam;
Peões, ginetes, com medonha grita,
Num mar de sangue em turbilhão pelejam.
O sol já desce a mergulhar no oceano,
E inda referve a encarniçada lida;
Eis redobra d'esforço o lusitano,
E o estrangeiro leva de vencida.

Foge o rei castelhano espavorido;
Fogem os seus em debandada solta;
Persegue-os João primeiro, e destemido
A gozar do triunfo ao campo volta.
Já se erigem troféus, já resplandece
O céu da pátria co fulgor da glória;
Faltava o monumento que dissesse:
– Foi aqui! eis o campo da vitória!
*

E ei-lo aí que se levanta
Com majestosa grandeza,
Daquela gentil proeza
Sublime recordação:
Fi-lo aí aos céus erguido,
Como um colosso gigante
Apontando ao caminhante
O sítio da grande acção.

Altos pórticos, lavores
D'ostentosa arquitectura,
Coruchéus d'imensa altura
Roçando a fronte nos céus;
Dentro, a nobre majestade
Do santuário profundo,
Onde, extinta a voz do mundo,
Só lembra o passado, e Deus.

Sobre os góticos pilares
Brilham trémulos fulgores,
Que das vidraças de cores
Entorna a mística luz.
Tudo cala, mas, se o órgão
Por entre as naves ressoa,
Tudo se anima, e apregoa
O santo Verbo da cruz.

Então a mente se enleva
Nas torrentes da harmonia
Que da abóbada vazia
Retumbam pela multidão;
E, abrasada nos fulgores
Dos vivos, sagrados lumes,
Sobre as asas dos perfumes
Revoa à etérea mansão.

Se tudo cai em silêncio,
Cai em si mesma, e medita,
Recordando a data escrita
Nesses góticos umbrais.
Pensa então nos heroísmos,
E crenças de meia idade,
Combatendo a escuridade
Daqueles tempos feudais;

Pensa nos vultos heróicos
Dos antigos cavaleiros,
E em nossos feitos guerreiros
Pela pátria e pela cruz;
Pensa na grande vitória
Que nos fez independentes,
E que aos olhos dos presentes
Nesse moimento reluz;

Pensa num povo pequeno
Mas esforçado e guerreiro,
Triunfando do estrangeiro
À voz do rei popular;
Pensa no mestre valente;
E sua sombra gigante
Parece às vezes distante
Entre as colunas vagar.

E pensa também no artista,
Nesse arquitecto inspirado,
Que um poema sublimado
Ali traçou a cinzel;
Que cego da luz dos olhos
Acendeu a luz do engenho,
E consumou seu empenho,
Ao grande assunto fiel.

E Afonso Domingues surge
Nesse padrão sobranceiro
Ao lado de João primeiro,
Seu imortal fundador;
Reis ambos: um pelo berço,
Que lhe deu sua nobreza:
Outro, rei pela grandeza
Do seu génio criador.

Lá dormem! um rodeado
Dos brasões da sua glória,
Como depois da vitória,
Sob a tenda a descansar;
Outro à sombra desses tectos
Em campa singela e nua,
Como querendo a obra sua
Dalém da tumba guardar.
*

E lá dormem também outros que a morte
Juntou à sombra do lugar sagrado,
D'infantes e de reis alta corte,
Servindo de cortejo ao rei soldado.

Reunidos enfim no chão funéreo,
Fernando, Pedro, e Henrique, os três infantes;
Henrique, o sábio audaz que outro hemisfério
Primeiro abriu aos lusos navegantes.

Duarte e João segundo descansando
D'altas vitórias na mansão tranquila;
Afonso quinto cos lauréis sonhando
D'Alcácer, Tânger, e da forte Arzila.

E no sopro do vento que perpassa,
E lhes roça nas frias sepulturas,
Parecem murmurar em voz escassa,
E agitar suas ferozes armaduras.

E lá quando o luar pelas janelas
Lhes escoa nas lápides marmóreas,
Talvez erguidos se recostam nelas
A falar entre si de nossas glórias.

Dormi em paz, ó chefes do passado,
Heróico fundador, prole valente;
Dormi em paz no túmulo calado,
Recordando os lauréis da vossa gente.

Enchei em roda os penetrais divinos
De vossos gloriosos esplendores;
E se tendes poder sobre os destinos,
Defendei-os do tempo e seus furores.

Que as gerações passando reverentes
Possam, volvendo as páginas da história,
Largas eras saudar, curvando as frentes,
Esse padrão d'imorredoira glória!

Fonte:
Poesias de Soares de Passos. 1858 (1ª ed. em 1856). http://groups.google.com/group/digitalsource

Nenhum comentário: