AS BODAS DA MORTE
Para Carlos Lamarca,
In memoriam
Entre os frisos vermelhos da tarde
Eu canto a aurora
Nas colunas de mato e rebanho
Eu canto a aurora
Um fuzil pendurado entre arbustos
Eu canto a aurora
Eu canto a aurora
Uma estrela desmaia de sangue
Eu canto a aurora
E este tempo é um marco de prata
Eu canto a aurora
E esta morte é amarga e sonora
Eu canto a aurora
BILHETE A UM POETA
Olha, Capinam
chegando a Nova Iorque
não te esqueças
escreve um poema
(daqueles)
e manda pelo correio
Vê se as tristezas de lá
são iguais ou mais fundas
que as tristezas daqui
Sabe (e disto não te iludas)
– pelas notícias que tenho
de um amigo que lá esteve –
que há muito ladrão solto
pelas ruas e avenidas
à espreita de fama
e de cenas tão vivas
quanto as letras de sangue
dos crimes de mistério da Rua Morgue
Levas contigo o telescópio?
Sei que montarás
– como navegante de rotas aéreas
um pequeno observatório
para a lua e para as estrelas
– Dizem até que o céu é de prata
além (e por cima) dos arranha-céus de vidro
Tira o primeiro domingo
e vai a Washington
e vê quantas manchas e sangue negro
salpicam os muros
as paredes
e os vitrais da Casa Branca
Escuta se chega
através do vento
do dia e da hora
o eco das vozes
oprimidas do mundo
(Onde se encontra
o radar eletrônico
da Agência de Informações?
– Um detector de mentiras
guardado em sete segredos
que capta a dor em alegria
o pranto em riso
a morte
a morte em vida?)
Ah Poeta andarilho
não te canses agora
aperta a mão de cada astronauta
mas procura nos parques
ou na Quinta Avenida
um jovem que tenha
no peito uma flor
E os Guetos? E as Guerras?
E a Bomba? E a Paz?
Nem te lembro
mas te confesso
que certo dia
morri dez vezes
quando William Calley
– o tal tenente Batman
destruiu com a morte
a vida
e os brinquedos
dos meninos de Mi Lay
E os mísseis?
Inverossímeis?
Não te perturbes, amigo
a hora explode toda em chamas
De tanto espanto
ódio conflito
as palavras se trituram
em pó. Em grito
Depois
antes de teu regresso
(máquina de filmar a tiracolo)
quero fazer-te um pedido
– Dá um pulinho à Ilha de Manhattan
para ver de perto
se a Estátua da Liberdade
continua de pé
ou caiu
CANÇAO DO MENINO PRESENTE
Cada palavra é uma porta
E toda porta é um enigma
Não canto poesia morta
No leito estreito da vida
E canto, poeira e espuma
Amor punhal catavento
Canto as esporas da lua
Cravadas no pensamento
Oh lâmina do céu que arde
Oh dor que no tempo corre
Canto um menino que nasce
Distante de outro que morre
Não morre. O signo guerreiro
Crepita fagulhas e asas
– O peito expulso de medo
E as mãos cruzadas de espadas
O lábio rente e ferreiro
É um rio cortado de datas
A boca é pranto e ponteio
Num poço de ondas e mágoas
A voz é grito na praça
– Lanças agudas no peito
Aurora que se desata
Na fechadura do tempo
_______________________
Fugiu agora a tristeza
Chegou na face à alegria
– Os deuses caíram mortos
Em cinzas de fantasia
APARIÇÃO
Na veia d’água
Ao pé do monte
Tem uma sombra
Atrás da ponte
Em duas pontas
O sol quebrado
Parte os sentidos
De um potro alado
Em puro sangue
O céu se banha
– Cristais de cores
De nuvem estranha
Até na grota
A cotovia
Crespa os cabelos
Da ventania
A natureza
Assim trabalha
Cortando as dobras
De uma mortalha
Na veia d’água
Ao pé do monte
Tem uma sombra
Atrás da ponte
Fonte:
Adelmo Oliveira. Cântico para o Deus dos Ventos e das Águas. 1987. http://br.geocities.com/rsuttana/adelmo_cantico.pdf
Para Carlos Lamarca,
In memoriam
Entre os frisos vermelhos da tarde
Eu canto a aurora
Nas colunas de mato e rebanho
Eu canto a aurora
Um fuzil pendurado entre arbustos
Eu canto a aurora
Eu canto a aurora
Uma estrela desmaia de sangue
Eu canto a aurora
E este tempo é um marco de prata
Eu canto a aurora
E esta morte é amarga e sonora
Eu canto a aurora
BILHETE A UM POETA
Olha, Capinam
chegando a Nova Iorque
não te esqueças
escreve um poema
(daqueles)
e manda pelo correio
Vê se as tristezas de lá
são iguais ou mais fundas
que as tristezas daqui
Sabe (e disto não te iludas)
– pelas notícias que tenho
de um amigo que lá esteve –
que há muito ladrão solto
pelas ruas e avenidas
à espreita de fama
e de cenas tão vivas
quanto as letras de sangue
dos crimes de mistério da Rua Morgue
Levas contigo o telescópio?
Sei que montarás
– como navegante de rotas aéreas
um pequeno observatório
para a lua e para as estrelas
– Dizem até que o céu é de prata
além (e por cima) dos arranha-céus de vidro
Tira o primeiro domingo
e vai a Washington
e vê quantas manchas e sangue negro
salpicam os muros
as paredes
e os vitrais da Casa Branca
Escuta se chega
através do vento
do dia e da hora
o eco das vozes
oprimidas do mundo
(Onde se encontra
o radar eletrônico
da Agência de Informações?
– Um detector de mentiras
guardado em sete segredos
que capta a dor em alegria
o pranto em riso
a morte
a morte em vida?)
Ah Poeta andarilho
não te canses agora
aperta a mão de cada astronauta
mas procura nos parques
ou na Quinta Avenida
um jovem que tenha
no peito uma flor
E os Guetos? E as Guerras?
E a Bomba? E a Paz?
Nem te lembro
mas te confesso
que certo dia
morri dez vezes
quando William Calley
– o tal tenente Batman
destruiu com a morte
a vida
e os brinquedos
dos meninos de Mi Lay
E os mísseis?
Inverossímeis?
Não te perturbes, amigo
a hora explode toda em chamas
De tanto espanto
ódio conflito
as palavras se trituram
em pó. Em grito
Depois
antes de teu regresso
(máquina de filmar a tiracolo)
quero fazer-te um pedido
– Dá um pulinho à Ilha de Manhattan
para ver de perto
se a Estátua da Liberdade
continua de pé
ou caiu
CANÇAO DO MENINO PRESENTE
Cada palavra é uma porta
E toda porta é um enigma
Não canto poesia morta
No leito estreito da vida
E canto, poeira e espuma
Amor punhal catavento
Canto as esporas da lua
Cravadas no pensamento
Oh lâmina do céu que arde
Oh dor que no tempo corre
Canto um menino que nasce
Distante de outro que morre
Não morre. O signo guerreiro
Crepita fagulhas e asas
– O peito expulso de medo
E as mãos cruzadas de espadas
O lábio rente e ferreiro
É um rio cortado de datas
A boca é pranto e ponteio
Num poço de ondas e mágoas
A voz é grito na praça
– Lanças agudas no peito
Aurora que se desata
Na fechadura do tempo
_______________________
Fugiu agora a tristeza
Chegou na face à alegria
– Os deuses caíram mortos
Em cinzas de fantasia
APARIÇÃO
Na veia d’água
Ao pé do monte
Tem uma sombra
Atrás da ponte
Em duas pontas
O sol quebrado
Parte os sentidos
De um potro alado
Em puro sangue
O céu se banha
– Cristais de cores
De nuvem estranha
Até na grota
A cotovia
Crespa os cabelos
Da ventania
A natureza
Assim trabalha
Cortando as dobras
De uma mortalha
Na veia d’água
Ao pé do monte
Tem uma sombra
Atrás da ponte
Fonte:
Adelmo Oliveira. Cântico para o Deus dos Ventos e das Águas. 1987. http://br.geocities.com/rsuttana/adelmo_cantico.pdf
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