sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.º 10 – 10 de janeiro de 1887

Depois de férias tão longas;
Tão docemente cumpridas,
Ó musa, minhas candongas,
Voltemos às nossas lidas.

Assim faz a Pátria, às vezes,
E é certo que não estoura;
Descansa um mês ou dois meses
O nosso C. B. de Moura.

E a Pátria, meia enfadada
Daquelas extensas férias,
Volta mais fortificada
Aos combates e às pilhérias.

Eia, pois, minha gorducha,
Vê que recomeça a aurora,
Puxa daqui, puxa, puxa,
Vamos trabalhar lá fora.

E antes de tudo, inclinando
O gesto a todos os lados,
Vai a todos desejando
Plácidos dias folgados.

Desejarás uma boa
Vereança aos cariocas,
Que se não esgote à toa,
Em longas brigas e mocas;

Que eleja pacatamente,
Sem atos tumultuários,
O seu vice-presidente
E os restantes comissários.

Pouco calor, pouca chuva,
Nenhuma peste que assole,
Algum vinho feito de uva,
E menos gente que amole.

Grandes bailes mascarados
E passeatas nas ruas,
Câmaras de deputados
Sem as discussões tão cruas.

Boatos, sobre boatos,
De modo que quem passeie
Por esses bonds ingratos
Tenha cousa que recreie.

E mais que tudo, meu anjo;
Anjo meu do meu sacrário,
Desejo um bonito arranjo
Ao nosso estafado erário.

Não sei se leste a mensagem
De Cleveland, um documento
De americana homenagem
Lá, para o seu parlamento.

Pois conta-se aí (por esta
Luz do céu minh'alma jura
Que não é peta funesta,
Mas pura verdade, pura);

Conta-se que a renda é tanta
Que urge cortar-lhe os babados,
Que é demasiada a manta
Para tão vastos Estados.

Que, se vão nessa carreira,
Pagam aqueles senhores
Em breve a dívida inteira,
E ficarão sem credores.

Depois vem maior excesso
De renda, e será tamanho
Que não haverá processo
De o dar a melhor amanho,

Porque ou fica no tesouro,
Inútil, mudo e parado,
Ou saem carradas de ouro
Para os delírios do Estado.

Ora bem, estes fenômenos
Dados como desastrosos,
Terríveis paralipômenos
De grandes livros lustrosos,

Hás de pedi-los, amiga,
Mas pedi-los de maneira
Que uma segunda barriga
Coma sem dor da primeira.

Es decir, que aquela caixa
Que ronca de tanta altura,
Se quiser ficar mais baixa
Tem receita mais segura:

Pegue em si, tire metade
E verá como lhe pego,
Pego-lhe com ansiedade,
Com ansiedade de cego.

E digo ao Tesouro nosso
— Amigo, aqui tens dinheiro;
Precisas deles, aqui posso
Dá-lo às tuas mãos inteiro.

Vê tu que singular obra
A deste mundo peralta,
Geme um — pelo que lhe sobra,
E outro — pelo que lhe falta.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

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