Cousas que cá nos trouxeram
De outros remotos lugares,
Tão facilmente se deram
Com a terra e com os ares,
Que foram logo mui nossas
Como é nosso o Corcovado,
Como são nossas as roças,
Como é nosso o bom-bocado.
Dizem até que, não tendo
Firme a personalidade,
Vamos tudo recebendo
Alto e malo, na verdade.
Que é obra daquela musa
Da imitação, que nos guia,
E muita vez nos recusa
Toda a original porfia.
Ao que eu contesto, porquanto
A tudo damos um cunho
Local, nosso; e a cada canto
Acho disso testemunho.
Já não falo do quiosque,
Onde um rapagão barbado
Vive... não digo num bosque,
Que é consoante forçado,
Mas no meio de um enxame
(É menos mau) de cigarros,
Fósforos, não sei se arame;
Parati para os pigarros;
Café, charutos, bilhetes
Do Pará, das Alagoas,
Verdadeiros diabretes,
E outras muitas cousas boas.
Mas a polca? A polca veio
De longas terras estranhas,
Galgando o que achou permeio,
Mares, cidades, montanhas.
Aqui ficou, aqui mora;
Mas de feições tão mudadas,
Que até discute ou memora
Cousas velhas e intrincadas.
Pusemos-lhe a melhor graça,
No título, que é dengoso,
Já requebro, já chalaça,
Ou lépido ou langoroso.
Vem a polca: Tire as patas,
Nhonhô! — Vem a polca: Ó gentes!
Outra é: — Bife com batatas!
Outra: Que bonitos dentes!
—Ai, não me pegue, que morro!
— Nhonhô, seja menos seco!
— Você me adora? — Olhe, eu corro!
— Que graça! — Caia no beco!
E como se não bastara
Isto, já de casa, veio
Cousa muito mais que rara,
Cousa nova e de recreio.
Veio a polca de pergunta
Sobre qualquer cousa posta
Impressa, vendida e junta
Com a polca de resposta.
Exemplo: Já se sabia
Que esta câmara apurada,
Inda acabaria um dia
Numa grande trapalhada.
Chega a polca, e, sem detença,
Vendo a discussão, engancha-se,
E resolve: — Há diferença?
— Se há diferença, desmancha-se.
Digam-me se há ministério,
Juiz, conselho de Estado,
Que resolva este mistério
De modo mais modulado.
É simples, quatro compassos,
E muito saracoteio,
Cinturas presas nos braços,
Gravatas cheirando o seio.
— Há diferença? diz ela.
Logo ele: — Se há diferença,
Desmancha-se; e o belo e a bela
Voltam à primeira avença.
E polcam de novo: — Ai, morro!
— Nhonhô, seja menos seco!
— Você me adora? — Olhe, eu corro!
— Que graça! Caia no beco!
Desmancha, desmancha tudo,
Desmancha, se a vida empaca.
Desmancha, flor de veludo,
Desmancha, aba de casaca!
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
De outros remotos lugares,
Tão facilmente se deram
Com a terra e com os ares,
Que foram logo mui nossas
Como é nosso o Corcovado,
Como são nossas as roças,
Como é nosso o bom-bocado.
Dizem até que, não tendo
Firme a personalidade,
Vamos tudo recebendo
Alto e malo, na verdade.
Que é obra daquela musa
Da imitação, que nos guia,
E muita vez nos recusa
Toda a original porfia.
Ao que eu contesto, porquanto
A tudo damos um cunho
Local, nosso; e a cada canto
Acho disso testemunho.
Já não falo do quiosque,
Onde um rapagão barbado
Vive... não digo num bosque,
Que é consoante forçado,
Mas no meio de um enxame
(É menos mau) de cigarros,
Fósforos, não sei se arame;
Parati para os pigarros;
Café, charutos, bilhetes
Do Pará, das Alagoas,
Verdadeiros diabretes,
E outras muitas cousas boas.
Mas a polca? A polca veio
De longas terras estranhas,
Galgando o que achou permeio,
Mares, cidades, montanhas.
Aqui ficou, aqui mora;
Mas de feições tão mudadas,
Que até discute ou memora
Cousas velhas e intrincadas.
Pusemos-lhe a melhor graça,
No título, que é dengoso,
Já requebro, já chalaça,
Ou lépido ou langoroso.
Vem a polca: Tire as patas,
Nhonhô! — Vem a polca: Ó gentes!
Outra é: — Bife com batatas!
Outra: Que bonitos dentes!
—Ai, não me pegue, que morro!
— Nhonhô, seja menos seco!
— Você me adora? — Olhe, eu corro!
— Que graça! — Caia no beco!
E como se não bastara
Isto, já de casa, veio
Cousa muito mais que rara,
Cousa nova e de recreio.
Veio a polca de pergunta
Sobre qualquer cousa posta
Impressa, vendida e junta
Com a polca de resposta.
Exemplo: Já se sabia
Que esta câmara apurada,
Inda acabaria um dia
Numa grande trapalhada.
Chega a polca, e, sem detença,
Vendo a discussão, engancha-se,
E resolve: — Há diferença?
— Se há diferença, desmancha-se.
Digam-me se há ministério,
Juiz, conselho de Estado,
Que resolva este mistério
De modo mais modulado.
É simples, quatro compassos,
E muito saracoteio,
Cinturas presas nos braços,
Gravatas cheirando o seio.
— Há diferença? diz ela.
Logo ele: — Se há diferença,
Desmancha-se; e o belo e a bela
Voltam à primeira avença.
E polcam de novo: — Ai, morro!
— Nhonhô, seja menos seco!
— Você me adora? — Olhe, eu corro!
— Que graça! Caia no beco!
Desmancha, desmancha tudo,
Desmancha, se a vida empaca.
Desmancha, flor de veludo,
Desmancha, aba de casaca!
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Nenhum comentário:
Postar um comentário