A tribo bantu habita os distritos de Lourenço Marques, Gaza e Sofala, em Moçambique, cujos membros têm o nome de Ba-Rongas. Sua língua é o xironga, vulgarmente chamada landim.
Era uma vez um homem e uma mulher que tiveram primeiro um filho, depois uma filha. Quando foi pago pela jovem o resgate da esposa, e ela casou-se, os progenitores disseram ao filho:
— Temos um rebanho, do qual poderias dispor. Agora já é tempo de que te cases. Escolheremos para ti uma esposa agradável, que seja filha de gente de bem.
Mas o filho recusou redondamente.
— Não — disse ele — não vos ocupeis de tal coisa. Não me agrada nenhuma das moças que aqui vivem. Se é preciso que me case, escolherei sozinho aquela que desejo.
— Faze como quiseres — disseram os pais — mas se fores infeliz, mais tarde, não teremos culpa disso.
Então, o moço partiu, deixou sua terra, e foi para muito, muito longe, para uma região desconhecida. Finalmente, chegou a uma aldeia onde viu um grupo de jovens, algumas que moiam o grão, outras que cozinhavam. Fèz secretamente sua escolha, e disse consigo:
— Aquela é a que me agrada.
Então, aproximou-se dos homens da aldeia, e disse:
— Bom dia, mestres.
— Bom dia, jovenzinho — responderam eles. — Que desejas?
— Quero contemplar vossas filhas, pois desejo casar-me.
— Muito bem, muito bem — disseram os homens — vamos mostrar-tas, e assim poderás escolher.
Dito isto, fizeram desfilar diante dele todas as suas filhas, e ele indicou a que desejava. A moça consentiu imediatamente.
— Os teus pais, pensamos, virão visitar-nos e trazer o resgate da esposa, não é isso? — perguntaram os pais da moça.
— Não, nada disso — respondeu o jovenzinho. — O resgate trago eu comigo. Tomai: aqui está.
— Então — continuaram eles — virão mais tarde, esperamos, para acompanhar tua mulher à tua casa?
— Não, não, tenho medo de que venham apenas para angustiar-vos com suas duras advertências à jovem. Deixai que eu a leve agora mesmo.
Os pais da jovem acederam ao pedido, mas ainda uma vez chamaram a filha de parte, na cabana, para aconselhar-lhe como devia comportar-se.
— Sê boa para com teus sogros e cuida bastante de teu marido!
Depois, ofereceram ao jovem casal uma moça, que seria de auxílio nos serviços domésticos. Mas a noiva recusou. Duas, dez, vinte moças lhe foram oferecidas, para que escolhesse. Antes de oferecer-lhas examinavam cuidadosamente todas as jovens.
— Não — insistia ela — não quero. Em vez disso, dai-me o búfalo da região, nosso búfalo, o Taumaturgo das Planícies. Deixai que êle me sirva.
— Como podes pedir tal coisa? — disseram-lhe. — Sabes que nossa vida depende dele. Aqui cuidamos dele, mas como
te arranjarias com ele, numa terra estranha? Ficaria em jejum, morreria, e, então, todos morreríamos com êle.
Antes de deixar os pais, ela apanhou um alguidar onde havia um embrulho de ervas medicinais, um chifre de sangria, uma faquinha para fazer incisões e uma cabaça cheia de gordura.
Depois, partiu com o marido. O búfalo seguia a jovem, mas apenas ela podia vê-lo. O homem não o via. Não suspeitava que o Taumaturgo das Planícies era o servo que acompanhava sua mulher.
Assim que chegaram à aldeia do marido, foram recebidos com gritos jubilosos: "Hoyo! Hoyo!"
— Olhem para êle! — disseram os velhos. — Eis que, afinal, encontrou esposa! Não quis as que aqui tínhamos sugerido, mas isso não importa. Assim está bem. Agiu segundo sua própria vontade. Se, porém, acontecer-lhe arranjar inimigos, não terá direito de se queixar.
O homem levou sua mulher para o campo e mostrou-lhe quais eram os dela e quais eram os de sua mãe. A moça observou cuidadosamente tudo e voltou com êle para a aldeia. No caminho, disse:
— Perdi minhas pérolas no campo, e preciso ir agora mesmo procurá-las.
O que ela queria, entretanto, era apenas ver o búfalo, ao qual disse:
— Aqui é o limite dos campos. Fica aqui! E ali está a floresta, onde podes esconder-te.
— Tens razão — respondeu-lhe êle.
Ora, todas as vezes que a mulher queria água, ia apenas até os campos cultivados e pousava a bilha diante do búfalo. Êle corria ao lago com a bilha, enchia-a e trazia-a para a patroa. Todas as vezes que ela queria lenha, êle corria ao bosque, rebentava as árvores com os cornos, e trazia-lhe quanta lenha a moça quisesse.
A gente da aldeia maravilhava-se com aquilo tudo.
— Como é forte, a moça! — diziam. — Volta sempre do poço, mal para lá seguiu, e num bater de pálpebras apanha braçadas de lenha seca.
Ninguém, contudo, suspeitava que o búfalo a servia.
A mulher, porém, nada levava de comer ao búfalo, porque ela e o marido tinham apenas um prato para os dois. Na casa paterna, naturalmente, os pais dela tinham um prato especial para o Taumaturgo, e alimentavam-no com todo o cuidado. Por isso, o búfalo tinha fome, ali. Ela trazia-lhe sua bilha e mandava-o buscar água. Êle ia, de boa vontade, mas a fome causava-lhe grandes ansiedades.
Um dia ela lhe mostrou um ângulo do silvado para arrotear. Durante a noite o búfalo agarrou uma enxada e tratou de grande parte da área. Todos comentavam:
— Como é esforçada! E como faz depressa o seu trabalho! Uma noite o búfalo disse à patroa:
— Tenho fome, e nada me dás para comer. Logo não conseguirei mais trabalhar.
— Aie! — disse ela. — Que posso fazer? Em casa temos apenas um prato. Os meus tinham razão quando diziam que devias ter começado a roubar. Rouba, então! Vai ao meu campo e come um pouco de favas, aqui e ali. Depois, passa para o outro. Mas não as comas todas no mesmo ponto, pois assim os proprietários poderiam ficar muito preocupados e viriam a cair de pernas para o ar, aterrorizados.
Aquela noite o búfalo foi ao campo. Devorou uma fava aqui, outra acolá, andou de um canto a outro, e por fim foi meter-se de novo em seu esconderijo. Quando pela manhã as mulheres vieram para o campo, não podiam acreditar em seus olhos.
— Ei! Ei! que está acontecendo por aqui? Nunca vimos uma coisa assim! Uma fera destruiu nossas plantas! Nem ao menos podemos seguir-lhe as pegadas. Oh! a pobre terra!
Assim, voltaram correndo e contaram o caso na aldeia.
À noite, a jovem mulher disse ao búfalo:
— Assustaram-se muito, mas não demasiado. Não tombaram de pernas para o ar. Portanto, rouba ainda esta noite!
E êle roubou. As proprietárias dos campos devastados gritaram fortemente, depois foram ter com os homens e pediram-lhes que chamassem os vigilantes, com seus fuzis.
Ora, o marido da jovem era excelente atirador. Portanto, colocou-se no campo e esperou. Mas o búfalo pensou que alguém deveria estar a espera dele onde roubara na noite da
véspera, e assim foi ter às favas de sua patroa, o lugar onde tinha roubado da primeira vez.
— Mas olhem! — gritou o homem. — Aquilo é um búfalo! Jamais vi nenhum como este. É, realmente, um animal estranho.
Disparou. A bala entrou na têmpora do búfalo, perto da orelha, e saiu diretamente pelo outro lado. O Taumaturgo das Planícies fêz uma cabriola e caiu, morto.
— Que belo tiro! — exclamou o caçador. E foi para a aldeia contar o que se passara.
No mesmo momento, porém, a mulher dele começou a gritar de dor, e a contorcer-se.
— Ai, que me dói o estômago! Ai! Ai!
— Acalma-te — disseram-lhe.
Ela parecia doente, mas apenas queria justificar o fato de chorar daquela maneira, e a razão de ter se assustado tanto ao ouvir contar que o búfalo estava morto. Deram-lhe um remédio, mas quando ninguém estava mais prestando atenção, escapuliu dali.
Ora, todos puseram-se a caminho, as mulheres com seus cestos e os homens com as armas, para esquartejar o búfalo. Na aldeia ficou apenas a jovem esposa. Mas, de repente, também ela seguiu os outros, segurando o ventre, choramingando e gritando.
— Por que vens? — disse o marido. — Se estás doente, fica em casa!
— Não, não quero ficar sozinha na aldeia.
A sogra ralhou com ela, dizendo que não compreendia aquelas suas maneiras, e que assim acabaria por matar-se. Quando encheram o cesto de carne, disse ela:
— Deixa-me levá-lo na cabeça.
— Não! Estás doente e pesa demais para ti.
— Não — teimou ela — deixa-me levá-lo!
Assim, carregou-o às costas e levou-o.
Mas quando chegavam à aldeia, em vez de entrar em casa, ela foi para uma barraca onde estavam as panelas, e pôs lá dentro a cabeça do búfalo. Recusou, teimosamente, sair dali. O marido veio procurá-la, a fim de levá-la para a cabana, dizendo-lhe que lá estaria muito melhor, mas ela respondeu, duramente:
te. Convidei-o a vir aqui à aldeia, mas êle recusou, dizendo: "Iriam oferecer-me comida, e isso só faria com que eu me atrasassa". Foi embora no mesmo momento e pediu-me que não me demorasse, se não quiser que minha mãe morra antes da minha chegada. Portanto, adeus, eu me vou!
Naturalmente, tudo aquilo era mentira. Viera-lhe aquela idéia de ir ao lago para poder inventar a tal história e ter uma desculpa para ir informar sua gente sobre a morte do búfalo.
Assim, lá se foi, levando o cesto na cabeça e cantando pela estrada toda o fim da canção do Taumaturgo das Planícies. Onde quer que passasse gente ia se reunindo a ela, acompanhando-a para sua aldeia. Quando ali chegou, anunciou-lhes que o búfalo já não tinha vida.
Então, mandaram mensageiros por toda a parte, a fim de convocar os habitantes da região. Reprovaram violentamente o comportamento da jovem, dizendo:
— Estás vendo? Bem te havíamos prevenido. Mas recusaste todas as moças e quiseste a todo o custo o búfalo. Agora, mataste-nos a todos!
As coisas estavam neste ponto quando o homem, que tinha seguido a mulher até a aldeia, por sua vez chegou. Apoiou o fuzil contra o tronco de uma árvore e sentou-se. Todos o acolheram, gritando:
— Cumprimentos, criminoso, cumprimentos. Mataste todos nós!
Êle não compreendia, e perguntava por que o chamavam assassino e criminoso.
— A verdade é que matei um búfalo, — disse, — mas isso foi tudo.
— Sim, mas aquele búfalo era o servo de tua esposa. Ia buscar água para ela, cortava a lenha, trabalhava no campo.
Estupefato, o homem disse:
— Por que não me disseram isso? Eu não o teria matado.
— Assim estão as coisas — declararam os outros. — A vida de todos nós dependia dele.
Então, começaram todos a cortar o próprio pescoço. A primeira foi a jovem, que, ao fazê-lo, gritou:
— Ah! Meu pai! Taumaturgo das Planícies!
Depois, vieram seus pais, irmãos, irmãs, um depois do outro.
O primeiro disse:
— Deves ir para as trevas! O outro, depois:
— Deves tatear na noite em todas as direções! O que se seguiu:
— És a árvore jovem do milagre que morre antes do tempo!
O seguinte:
— Fazias com que flores e frutos caíssem sobre a tua estrada!
Todos cortaram os próprios pescoços e mataram até as crianças que ainda carregavam às costas, em seus abrigos de pele.
— Para que deixá-las vivas, — diziam, — já que irão perder a razão!
O homem voltou para a sua casa e contou à sua gente de que maneira, disparando sobre o búfalo, êle matara todos. Os pais disseram-lhe:
— Estás vendo? Não te havíamos dito que tombarias em desgraça? Quando te oferecemos uma jovem sensata, que fizesse tudo para ti, quiseste seguir tua cabeça. Agora, perdeste as tuas riquezas. Quem te devolverá o dinheiro que deste pela tua mulher, agora que todos os parentes dela morreram?
Fonte:
http://www.consciencia.org/o-taumaturgo-das-planicies-fabulas-da-africa
Era uma vez um homem e uma mulher que tiveram primeiro um filho, depois uma filha. Quando foi pago pela jovem o resgate da esposa, e ela casou-se, os progenitores disseram ao filho:
— Temos um rebanho, do qual poderias dispor. Agora já é tempo de que te cases. Escolheremos para ti uma esposa agradável, que seja filha de gente de bem.
Mas o filho recusou redondamente.
— Não — disse ele — não vos ocupeis de tal coisa. Não me agrada nenhuma das moças que aqui vivem. Se é preciso que me case, escolherei sozinho aquela que desejo.
— Faze como quiseres — disseram os pais — mas se fores infeliz, mais tarde, não teremos culpa disso.
Então, o moço partiu, deixou sua terra, e foi para muito, muito longe, para uma região desconhecida. Finalmente, chegou a uma aldeia onde viu um grupo de jovens, algumas que moiam o grão, outras que cozinhavam. Fèz secretamente sua escolha, e disse consigo:
— Aquela é a que me agrada.
Então, aproximou-se dos homens da aldeia, e disse:
— Bom dia, mestres.
— Bom dia, jovenzinho — responderam eles. — Que desejas?
— Quero contemplar vossas filhas, pois desejo casar-me.
— Muito bem, muito bem — disseram os homens — vamos mostrar-tas, e assim poderás escolher.
Dito isto, fizeram desfilar diante dele todas as suas filhas, e ele indicou a que desejava. A moça consentiu imediatamente.
— Os teus pais, pensamos, virão visitar-nos e trazer o resgate da esposa, não é isso? — perguntaram os pais da moça.
— Não, nada disso — respondeu o jovenzinho. — O resgate trago eu comigo. Tomai: aqui está.
— Então — continuaram eles — virão mais tarde, esperamos, para acompanhar tua mulher à tua casa?
— Não, não, tenho medo de que venham apenas para angustiar-vos com suas duras advertências à jovem. Deixai que eu a leve agora mesmo.
Os pais da jovem acederam ao pedido, mas ainda uma vez chamaram a filha de parte, na cabana, para aconselhar-lhe como devia comportar-se.
— Sê boa para com teus sogros e cuida bastante de teu marido!
Depois, ofereceram ao jovem casal uma moça, que seria de auxílio nos serviços domésticos. Mas a noiva recusou. Duas, dez, vinte moças lhe foram oferecidas, para que escolhesse. Antes de oferecer-lhas examinavam cuidadosamente todas as jovens.
— Não — insistia ela — não quero. Em vez disso, dai-me o búfalo da região, nosso búfalo, o Taumaturgo das Planícies. Deixai que êle me sirva.
— Como podes pedir tal coisa? — disseram-lhe. — Sabes que nossa vida depende dele. Aqui cuidamos dele, mas como
te arranjarias com ele, numa terra estranha? Ficaria em jejum, morreria, e, então, todos morreríamos com êle.
Antes de deixar os pais, ela apanhou um alguidar onde havia um embrulho de ervas medicinais, um chifre de sangria, uma faquinha para fazer incisões e uma cabaça cheia de gordura.
Depois, partiu com o marido. O búfalo seguia a jovem, mas apenas ela podia vê-lo. O homem não o via. Não suspeitava que o Taumaturgo das Planícies era o servo que acompanhava sua mulher.
Assim que chegaram à aldeia do marido, foram recebidos com gritos jubilosos: "Hoyo! Hoyo!"
— Olhem para êle! — disseram os velhos. — Eis que, afinal, encontrou esposa! Não quis as que aqui tínhamos sugerido, mas isso não importa. Assim está bem. Agiu segundo sua própria vontade. Se, porém, acontecer-lhe arranjar inimigos, não terá direito de se queixar.
O homem levou sua mulher para o campo e mostrou-lhe quais eram os dela e quais eram os de sua mãe. A moça observou cuidadosamente tudo e voltou com êle para a aldeia. No caminho, disse:
— Perdi minhas pérolas no campo, e preciso ir agora mesmo procurá-las.
O que ela queria, entretanto, era apenas ver o búfalo, ao qual disse:
— Aqui é o limite dos campos. Fica aqui! E ali está a floresta, onde podes esconder-te.
— Tens razão — respondeu-lhe êle.
Ora, todas as vezes que a mulher queria água, ia apenas até os campos cultivados e pousava a bilha diante do búfalo. Êle corria ao lago com a bilha, enchia-a e trazia-a para a patroa. Todas as vezes que ela queria lenha, êle corria ao bosque, rebentava as árvores com os cornos, e trazia-lhe quanta lenha a moça quisesse.
A gente da aldeia maravilhava-se com aquilo tudo.
— Como é forte, a moça! — diziam. — Volta sempre do poço, mal para lá seguiu, e num bater de pálpebras apanha braçadas de lenha seca.
Ninguém, contudo, suspeitava que o búfalo a servia.
A mulher, porém, nada levava de comer ao búfalo, porque ela e o marido tinham apenas um prato para os dois. Na casa paterna, naturalmente, os pais dela tinham um prato especial para o Taumaturgo, e alimentavam-no com todo o cuidado. Por isso, o búfalo tinha fome, ali. Ela trazia-lhe sua bilha e mandava-o buscar água. Êle ia, de boa vontade, mas a fome causava-lhe grandes ansiedades.
Um dia ela lhe mostrou um ângulo do silvado para arrotear. Durante a noite o búfalo agarrou uma enxada e tratou de grande parte da área. Todos comentavam:
— Como é esforçada! E como faz depressa o seu trabalho! Uma noite o búfalo disse à patroa:
— Tenho fome, e nada me dás para comer. Logo não conseguirei mais trabalhar.
— Aie! — disse ela. — Que posso fazer? Em casa temos apenas um prato. Os meus tinham razão quando diziam que devias ter começado a roubar. Rouba, então! Vai ao meu campo e come um pouco de favas, aqui e ali. Depois, passa para o outro. Mas não as comas todas no mesmo ponto, pois assim os proprietários poderiam ficar muito preocupados e viriam a cair de pernas para o ar, aterrorizados.
Aquela noite o búfalo foi ao campo. Devorou uma fava aqui, outra acolá, andou de um canto a outro, e por fim foi meter-se de novo em seu esconderijo. Quando pela manhã as mulheres vieram para o campo, não podiam acreditar em seus olhos.
— Ei! Ei! que está acontecendo por aqui? Nunca vimos uma coisa assim! Uma fera destruiu nossas plantas! Nem ao menos podemos seguir-lhe as pegadas. Oh! a pobre terra!
Assim, voltaram correndo e contaram o caso na aldeia.
À noite, a jovem mulher disse ao búfalo:
— Assustaram-se muito, mas não demasiado. Não tombaram de pernas para o ar. Portanto, rouba ainda esta noite!
E êle roubou. As proprietárias dos campos devastados gritaram fortemente, depois foram ter com os homens e pediram-lhes que chamassem os vigilantes, com seus fuzis.
Ora, o marido da jovem era excelente atirador. Portanto, colocou-se no campo e esperou. Mas o búfalo pensou que alguém deveria estar a espera dele onde roubara na noite da
véspera, e assim foi ter às favas de sua patroa, o lugar onde tinha roubado da primeira vez.
— Mas olhem! — gritou o homem. — Aquilo é um búfalo! Jamais vi nenhum como este. É, realmente, um animal estranho.
Disparou. A bala entrou na têmpora do búfalo, perto da orelha, e saiu diretamente pelo outro lado. O Taumaturgo das Planícies fêz uma cabriola e caiu, morto.
— Que belo tiro! — exclamou o caçador. E foi para a aldeia contar o que se passara.
No mesmo momento, porém, a mulher dele começou a gritar de dor, e a contorcer-se.
— Ai, que me dói o estômago! Ai! Ai!
— Acalma-te — disseram-lhe.
Ela parecia doente, mas apenas queria justificar o fato de chorar daquela maneira, e a razão de ter se assustado tanto ao ouvir contar que o búfalo estava morto. Deram-lhe um remédio, mas quando ninguém estava mais prestando atenção, escapuliu dali.
Ora, todos puseram-se a caminho, as mulheres com seus cestos e os homens com as armas, para esquartejar o búfalo. Na aldeia ficou apenas a jovem esposa. Mas, de repente, também ela seguiu os outros, segurando o ventre, choramingando e gritando.
— Por que vens? — disse o marido. — Se estás doente, fica em casa!
— Não, não quero ficar sozinha na aldeia.
A sogra ralhou com ela, dizendo que não compreendia aquelas suas maneiras, e que assim acabaria por matar-se. Quando encheram o cesto de carne, disse ela:
— Deixa-me levá-lo na cabeça.
— Não! Estás doente e pesa demais para ti.
— Não — teimou ela — deixa-me levá-lo!
Assim, carregou-o às costas e levou-o.
Mas quando chegavam à aldeia, em vez de entrar em casa, ela foi para uma barraca onde estavam as panelas, e pôs lá dentro a cabeça do búfalo. Recusou, teimosamente, sair dali. O marido veio procurá-la, a fim de levá-la para a cabana, dizendo-lhe que lá estaria muito melhor, mas ela respondeu, duramente:
te. Convidei-o a vir aqui à aldeia, mas êle recusou, dizendo: "Iriam oferecer-me comida, e isso só faria com que eu me atrasassa". Foi embora no mesmo momento e pediu-me que não me demorasse, se não quiser que minha mãe morra antes da minha chegada. Portanto, adeus, eu me vou!
Naturalmente, tudo aquilo era mentira. Viera-lhe aquela idéia de ir ao lago para poder inventar a tal história e ter uma desculpa para ir informar sua gente sobre a morte do búfalo.
Assim, lá se foi, levando o cesto na cabeça e cantando pela estrada toda o fim da canção do Taumaturgo das Planícies. Onde quer que passasse gente ia se reunindo a ela, acompanhando-a para sua aldeia. Quando ali chegou, anunciou-lhes que o búfalo já não tinha vida.
Então, mandaram mensageiros por toda a parte, a fim de convocar os habitantes da região. Reprovaram violentamente o comportamento da jovem, dizendo:
— Estás vendo? Bem te havíamos prevenido. Mas recusaste todas as moças e quiseste a todo o custo o búfalo. Agora, mataste-nos a todos!
As coisas estavam neste ponto quando o homem, que tinha seguido a mulher até a aldeia, por sua vez chegou. Apoiou o fuzil contra o tronco de uma árvore e sentou-se. Todos o acolheram, gritando:
— Cumprimentos, criminoso, cumprimentos. Mataste todos nós!
Êle não compreendia, e perguntava por que o chamavam assassino e criminoso.
— A verdade é que matei um búfalo, — disse, — mas isso foi tudo.
— Sim, mas aquele búfalo era o servo de tua esposa. Ia buscar água para ela, cortava a lenha, trabalhava no campo.
Estupefato, o homem disse:
— Por que não me disseram isso? Eu não o teria matado.
— Assim estão as coisas — declararam os outros. — A vida de todos nós dependia dele.
Então, começaram todos a cortar o próprio pescoço. A primeira foi a jovem, que, ao fazê-lo, gritou:
— Ah! Meu pai! Taumaturgo das Planícies!
Depois, vieram seus pais, irmãos, irmãs, um depois do outro.
O primeiro disse:
— Deves ir para as trevas! O outro, depois:
— Deves tatear na noite em todas as direções! O que se seguiu:
— És a árvore jovem do milagre que morre antes do tempo!
O seguinte:
— Fazias com que flores e frutos caíssem sobre a tua estrada!
Todos cortaram os próprios pescoços e mataram até as crianças que ainda carregavam às costas, em seus abrigos de pele.
— Para que deixá-las vivas, — diziam, — já que irão perder a razão!
O homem voltou para a sua casa e contou à sua gente de que maneira, disparando sobre o búfalo, êle matara todos. Os pais disseram-lhe:
— Estás vendo? Não te havíamos dito que tombarias em desgraça? Quando te oferecemos uma jovem sensata, que fizesse tudo para ti, quiseste seguir tua cabeça. Agora, perdeste as tuas riquezas. Quem te devolverá o dinheiro que deste pela tua mulher, agora que todos os parentes dela morreram?
Fonte:
http://www.consciencia.org/o-taumaturgo-das-planicies-fabulas-da-africa
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