Quem diria que o Cassino,
Onde a fina flor se ajunta,
Ficaria tão mofino,
Que é quase cousa defunta?
Aqueles lustres brilhantes,
Que viram colos e braços,
Pares e pares dançantes,
E os ardores e os cansaços;
Que viram andar em valsas,
Quadrilhas, polcas, mazurcas,
Moças finas como as alças,
Moças gordas como as turcas;
Que escutaram tanta cousa
Falada por tanta gente,
Que eternamente repousa,
Ou geme velha e doente;
Que viram ir tanta moda
De toucados e vestidos,
Vestidos de grande roda,
E vestidos escorridos;
Ministros e diplomatas,
E outros hóspedes ilustres,
E sábios e pataratas...
Ó vós, históricos lustres,
Que direis vós desse estado,
Cassino a beira de um pego;
Melhor direi pendurado
De um prego, lustres, de um prego?
Deve até o gás, aquele
Gás que encheu os vossos bicos,
Que deu vida, em tanta pele,
A tantos colares ricos.
Deve ordenados, impostos,
E gastos tão incorretos,
Que até não foram expostos
Por diretores discretos.
E vede mais que há ruínas
No edifício, e é necessário
Colher muitas esterlinas
Para torná-lo ao primário.
E há mais, há a idéia nova
De alguns acrescentamentos,
É pôr o Cassino à prova
Com outros divertimentos.
Oxalá que a cousa saia
Como se deseja. Entanto
Posto que a reforma atraia,
Acho outro melhor encanto.
Não basta que haja bilhares,
Conversações e leituras
Partidas familiares,
E algumas outras funduras.
Preciso é cousa mais certa,
Cousa que dê gente e cobres,
Disso que chama e que esperta
Vontades ricas e pobres!
Não digo elefante branco,
Nem galo de cinco pernas,
Nem a ossada de um rei franco,
Nem luminárias eternas.
Mas há cousa que isso tudo
Vale, e vale mais ainda,
Cousa de mira e de estudo,
Cousa finda e nunca finda.
Que seja? Um homem. E que homem?
Um homem de Deus, um Santos,
Que entre as dores que o consomem
Não esquece os seus encantos.
Esse general que estava
Há pouco em Paris, e voa
Quando apenas se curava.
Voa por mais que lhe doa,
Voa à pátria, onde uns pelintras,
A quem confiara o Estado,
Para ir ver as suas Cintras,
E tratar-se descansado,
Entenderam que podiam
Passos de pouco préstimo
Governar, e que o fariam,
Como seu, o que era empréstimo.
Homem tal, que mais não sente
Que a sede do eterno mando,
Que, inda prostrado e doente,
Quer morrer, mas governando,
Olhe o Cassino, valia
Algum esforço em pegá-lo
No dia, no próprio dia
Em que passasse, e guardá-lo.
Pois tão depressa a Assembléia
Oriental e aterrada
Soubesse disso — uma idéia
Seria logo votada.
Vejam que idéia e que tino:
Que anualmente o seu tesouro
Pagasse ao nosso Cassino
Trezentos mil pesos de ouro,
Quando à velha sociedade
Particular encomenda
De guardar nesta cidade
Aquela famosa prenda.
Com isso, e mais o cobrado
Às pessoas curiosas,
Passavas de endividado,
Cassino, a maré de rosas.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Onde a fina flor se ajunta,
Ficaria tão mofino,
Que é quase cousa defunta?
Aqueles lustres brilhantes,
Que viram colos e braços,
Pares e pares dançantes,
E os ardores e os cansaços;
Que viram andar em valsas,
Quadrilhas, polcas, mazurcas,
Moças finas como as alças,
Moças gordas como as turcas;
Que escutaram tanta cousa
Falada por tanta gente,
Que eternamente repousa,
Ou geme velha e doente;
Que viram ir tanta moda
De toucados e vestidos,
Vestidos de grande roda,
E vestidos escorridos;
Ministros e diplomatas,
E outros hóspedes ilustres,
E sábios e pataratas...
Ó vós, históricos lustres,
Que direis vós desse estado,
Cassino a beira de um pego;
Melhor direi pendurado
De um prego, lustres, de um prego?
Deve até o gás, aquele
Gás que encheu os vossos bicos,
Que deu vida, em tanta pele,
A tantos colares ricos.
Deve ordenados, impostos,
E gastos tão incorretos,
Que até não foram expostos
Por diretores discretos.
E vede mais que há ruínas
No edifício, e é necessário
Colher muitas esterlinas
Para torná-lo ao primário.
E há mais, há a idéia nova
De alguns acrescentamentos,
É pôr o Cassino à prova
Com outros divertimentos.
Oxalá que a cousa saia
Como se deseja. Entanto
Posto que a reforma atraia,
Acho outro melhor encanto.
Não basta que haja bilhares,
Conversações e leituras
Partidas familiares,
E algumas outras funduras.
Preciso é cousa mais certa,
Cousa que dê gente e cobres,
Disso que chama e que esperta
Vontades ricas e pobres!
Não digo elefante branco,
Nem galo de cinco pernas,
Nem a ossada de um rei franco,
Nem luminárias eternas.
Mas há cousa que isso tudo
Vale, e vale mais ainda,
Cousa de mira e de estudo,
Cousa finda e nunca finda.
Que seja? Um homem. E que homem?
Um homem de Deus, um Santos,
Que entre as dores que o consomem
Não esquece os seus encantos.
Esse general que estava
Há pouco em Paris, e voa
Quando apenas se curava.
Voa por mais que lhe doa,
Voa à pátria, onde uns pelintras,
A quem confiara o Estado,
Para ir ver as suas Cintras,
E tratar-se descansado,
Entenderam que podiam
Passos de pouco préstimo
Governar, e que o fariam,
Como seu, o que era empréstimo.
Homem tal, que mais não sente
Que a sede do eterno mando,
Que, inda prostrado e doente,
Quer morrer, mas governando,
Olhe o Cassino, valia
Algum esforço em pegá-lo
No dia, no próprio dia
Em que passasse, e guardá-lo.
Pois tão depressa a Assembléia
Oriental e aterrada
Soubesse disso — uma idéia
Seria logo votada.
Vejam que idéia e que tino:
Que anualmente o seu tesouro
Pagasse ao nosso Cassino
Trezentos mil pesos de ouro,
Quando à velha sociedade
Particular encomenda
De guardar nesta cidade
Aquela famosa prenda.
Com isso, e mais o cobrado
Às pessoas curiosas,
Passavas de endividado,
Cassino, a maré de rosas.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
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