Tela de Salvador Dali |
Desse imenso caudal narrativo (hoje transformado ou simplificado em literatura folclórica ou literatura infantil), duas formas destacam-se, não só pela divulgação que alcançaram através dos séculos, mas principalmente pela identificação feita entre uma e outra, como se ambas tivessem a mesma natureza. O que não é verdade.
Trata-se do Conto de Fadas e do Conto Maravilhoso, formas de narrativa maravilhosa surgidas de fontes bem distintas, dando expressão a problemáticas bem diferentes, mas que, pelo fato de pertencer ao mundo maravilhoso, acabaram identificadas entre si como formas iguais.
Nosso propósito, aqui, será portanto deslindar os possíveis fios que se emaranharam em torno delas e tonar visíveis as duas atitudes humanas por elas expressas, atitudes que se vêm sucedendo na vida e na Literatura, desde o princípio dos tempos em nossos dias. Referimo-nos à luta do eu, empenhado em sua realização interior profunda, ao nível do existencial, ou em sua realização exterior, ao nível do social.
Embora uma não anule a outra (muito pelo contrário, ambas devem completar-se em uma realização integral), não podemos esquecer que, por temperamento ou personalidade, cada indivíduo, consciente ou inconscientemente, privilegia uma delas, e é essa escolha que orienta sua luta pela vida. Daí a atualidade visível no conto de fadas e no conto maravilhoso e a importância de os redescobrirmos desde as raízes.
Entretanto, por um simples confronto entre a Bela Adormecida, a Bela e a Fera ou Rapunzel, de um lado, e O Gato de Botas, o Pescador e o Gênio o Aladim e a Lâmpada Maravilhosa, de outro, nota-se que há uma diferença essencial. Diferença quase inexistente ao nível da forma (pois todos pertencem ao universo do maravilhoso), mas que pode ser facilmente percebida ao nível da problemática matriz de cada conto. Indo direto a essas «diferenças«, temos:
As narrativas do primeiro grupo são contos de fadas. Com ou sem a presença de fadas (mas sempre com o maravilhoso), seus argumentos desenvolvem-se dentro da magia feérica (reis, rainhas, príncipes, princesas, fadas, gênios, bruxas, gigantes, anões, objetos mágicos, metamorfoses, tempo e espaço fora da realidade conhecida, etc.) e têm como eixo gerador uma problemática existencial...
...No segundo grupo, temos os contos maravilhosos. São narrativas que, sem a presença de fadas, via de regra se desenvolvem no cotidiano mágico (animais falantes, tempo e espaço reconhecíveis ou familiares, objetos mágicos, gênios, duendes, etc.) e têm como eixo gerador uma problemática social (ou ligada à vida prática, concreta). Ou melhor, trata-se sempre do desejo de autorealização do herói (ou anti-herói) no âmbito socioeconômico, através de conquista de bens, riqueza, poder material, etc.
Enfim, os contos de fadas e os contos maravilhosos expressam atitudes humanas bem diferentes diante da vida. Optar por uma ou outra é questão do quê? Destino? Personalidade? Circunstâncias de vida? Meio social? Influências culturais? Quem o pode responder com exatidão? A verdade é que através dos milênios as duas atitudes vêm tendo expressão na Literatura, porque vêm sendo vividas na vida.
Fonte:
COELHO, Nelly Novaes. O Conto de Fadas. SP, Ática, 1991.
Trata-se do Conto de Fadas e do Conto Maravilhoso, formas de narrativa maravilhosa surgidas de fontes bem distintas, dando expressão a problemáticas bem diferentes, mas que, pelo fato de pertencer ao mundo maravilhoso, acabaram identificadas entre si como formas iguais.
Nosso propósito, aqui, será portanto deslindar os possíveis fios que se emaranharam em torno delas e tonar visíveis as duas atitudes humanas por elas expressas, atitudes que se vêm sucedendo na vida e na Literatura, desde o princípio dos tempos em nossos dias. Referimo-nos à luta do eu, empenhado em sua realização interior profunda, ao nível do existencial, ou em sua realização exterior, ao nível do social.
Embora uma não anule a outra (muito pelo contrário, ambas devem completar-se em uma realização integral), não podemos esquecer que, por temperamento ou personalidade, cada indivíduo, consciente ou inconscientemente, privilegia uma delas, e é essa escolha que orienta sua luta pela vida. Daí a atualidade visível no conto de fadas e no conto maravilhoso e a importância de os redescobrirmos desde as raízes.
Entretanto, por um simples confronto entre a Bela Adormecida, a Bela e a Fera ou Rapunzel, de um lado, e O Gato de Botas, o Pescador e o Gênio o Aladim e a Lâmpada Maravilhosa, de outro, nota-se que há uma diferença essencial. Diferença quase inexistente ao nível da forma (pois todos pertencem ao universo do maravilhoso), mas que pode ser facilmente percebida ao nível da problemática matriz de cada conto. Indo direto a essas «diferenças«, temos:
As narrativas do primeiro grupo são contos de fadas. Com ou sem a presença de fadas (mas sempre com o maravilhoso), seus argumentos desenvolvem-se dentro da magia feérica (reis, rainhas, príncipes, princesas, fadas, gênios, bruxas, gigantes, anões, objetos mágicos, metamorfoses, tempo e espaço fora da realidade conhecida, etc.) e têm como eixo gerador uma problemática existencial...
...No segundo grupo, temos os contos maravilhosos. São narrativas que, sem a presença de fadas, via de regra se desenvolvem no cotidiano mágico (animais falantes, tempo e espaço reconhecíveis ou familiares, objetos mágicos, gênios, duendes, etc.) e têm como eixo gerador uma problemática social (ou ligada à vida prática, concreta). Ou melhor, trata-se sempre do desejo de autorealização do herói (ou anti-herói) no âmbito socioeconômico, através de conquista de bens, riqueza, poder material, etc.
Enfim, os contos de fadas e os contos maravilhosos expressam atitudes humanas bem diferentes diante da vida. Optar por uma ou outra é questão do quê? Destino? Personalidade? Circunstâncias de vida? Meio social? Influências culturais? Quem o pode responder com exatidão? A verdade é que através dos milênios as duas atitudes vêm tendo expressão na Literatura, porque vêm sendo vividas na vida.
Fonte:
COELHO, Nelly Novaes. O Conto de Fadas. SP, Ática, 1991.
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