Há tanto tempo calado...
E sabem por quê? Por isto:
Pelo número fadado
Da ceia de Jesus Cristo.
Número treze. Com esta
São treze as minhas Gazetas.
Numeração mui funesta,
Cheira a cova e a calças pretas.
Há, porém, quem afiance
Que treze é dúzia de frade.
É opinião de alcance,
Que anima e que persuade.
Contudo, em uma pessoa
Sendo supersticiosa,
Antes que na cousa boa,
Crê na cousa perigosa.
Daí veio esta comprida
Vadiação; era medo,
Medo de perder a vida
Cedo, mais que nunca cedo.
Lembra-me inda certo dia,
Quando eu tinha treze anos;
Jantamos em companhia
Treze rapazes maganos.
Um acabou reprovado
Na Escola de medicina;
Outro está bem mal casado;
Outro teve pior sina.
Pior, digo, e em muitos pontos;
Geria a casa dos Bentos;
Fugiu, levando dez contos,
Em vez de levar quinhentos.
Outro é político, e anda,
Ora triste, ora sinistro;
Dizem-me que ele tresanda
Vontade de ser ministro.
Em dia de crise, voa
A meter-se em casa, à espera
De alguma notícia boa;
Espera que desespera.
Só sai quando o gabinete
Fica de todo formado,
E jura pelo cacete
Que há de pô-lo derreado.
Bufa, espuma. Abrem-se as câmaras,
E o meu companheiro e amigo
Aguarda o tempo das tâmaras,
E torna ao seu voto antigo.
Outro daqueles rapazes
Procura sinceramente
Entre os meios mais capazes
De encher a barriga à gente.
Um que seja imediato
E de graúdas prebendas,
Ou testamento, ou barato...
Já não há pr'as encomendas!
Cá por mim, tive um inchaço
Na perna esquerda; diziam
Que essa doença era andaço,
E até que muitos morriam.
Sarei; mas foi sobre queda
Couce. A morte tão sombria.
Que tantas casas depreda,
Poupou-me para este dia.
Pois, minha dona, aqui fico,
Já daqui me não arranco,
Achei um recurso rico:
Deixo este número em branco.
Não dou Gazeta nem nada;
Não falo em cousa nenhuma,
Gouvea, moção, espada;
Em suma, de nada, em suma.
E tanto mais ganho nisto
Que, como se fala em rolo,
Podia um lance imprevisto
Tirar-me o melhor consolo.
Que é este: olhar para a rua
Cheia de cousas chibantes,
E dizer — Feliz a lua...
Se é que não tem habitantes.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
E sabem por quê? Por isto:
Pelo número fadado
Da ceia de Jesus Cristo.
Número treze. Com esta
São treze as minhas Gazetas.
Numeração mui funesta,
Cheira a cova e a calças pretas.
Há, porém, quem afiance
Que treze é dúzia de frade.
É opinião de alcance,
Que anima e que persuade.
Contudo, em uma pessoa
Sendo supersticiosa,
Antes que na cousa boa,
Crê na cousa perigosa.
Daí veio esta comprida
Vadiação; era medo,
Medo de perder a vida
Cedo, mais que nunca cedo.
Lembra-me inda certo dia,
Quando eu tinha treze anos;
Jantamos em companhia
Treze rapazes maganos.
Um acabou reprovado
Na Escola de medicina;
Outro está bem mal casado;
Outro teve pior sina.
Pior, digo, e em muitos pontos;
Geria a casa dos Bentos;
Fugiu, levando dez contos,
Em vez de levar quinhentos.
Outro é político, e anda,
Ora triste, ora sinistro;
Dizem-me que ele tresanda
Vontade de ser ministro.
Em dia de crise, voa
A meter-se em casa, à espera
De alguma notícia boa;
Espera que desespera.
Só sai quando o gabinete
Fica de todo formado,
E jura pelo cacete
Que há de pô-lo derreado.
Bufa, espuma. Abrem-se as câmaras,
E o meu companheiro e amigo
Aguarda o tempo das tâmaras,
E torna ao seu voto antigo.
Outro daqueles rapazes
Procura sinceramente
Entre os meios mais capazes
De encher a barriga à gente.
Um que seja imediato
E de graúdas prebendas,
Ou testamento, ou barato...
Já não há pr'as encomendas!
Cá por mim, tive um inchaço
Na perna esquerda; diziam
Que essa doença era andaço,
E até que muitos morriam.
Sarei; mas foi sobre queda
Couce. A morte tão sombria.
Que tantas casas depreda,
Poupou-me para este dia.
Pois, minha dona, aqui fico,
Já daqui me não arranco,
Achei um recurso rico:
Deixo este número em branco.
Não dou Gazeta nem nada;
Não falo em cousa nenhuma,
Gouvea, moção, espada;
Em suma, de nada, em suma.
E tanto mais ganho nisto
Que, como se fala em rolo,
Podia um lance imprevisto
Tirar-me o melhor consolo.
Que é este: olhar para a rua
Cheia de cousas chibantes,
E dizer — Feliz a lua...
Se é que não tem habitantes.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
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