À Carmen Silva, à rainha
Da Rumânia, à delicada,
Egrégia colega minha,
Pelas musas laureada,
Pobre trovador do Rio,
Cantor da pálida lua,
Esta breve carta envio,
E aguardo a resposta sua.
Note bem que lhe não falo
Das suas lindas novelas,
Nem do plácido regalo
Que nos dá com todas elas.
Não, augusta e bela moça,
Não é prosa nem poesia
O meu assunto ... Ouça, ouça,
Verá que é sensaboria.
Cá se soube que um partido,
Que há muito não dava cacho,
Após combate renhido,
Tomou ao outro o penacho.
Fez-se isso eleitoralmente;
A gente que não queria
O partido então vigente,
Mudou de cenografia.
Se fez bem ou mal, lá isso
É com ela; a culpa inteira
Pertence-lhe de o feitiço
Virar contra a feiticeira.
Mas, como aqui neste canto,
Não há tal eleitorado,
Que faça nunca outro tanto,
E pense em cousas do Estado;
E também porque isto, às vezes,
Está em qualquer cousa (adágio,
Que herdamos dos portugueses,
E tem o nosso sufrágio),
Lembrou-me que poderia
Obter, por seu intermédio,
Para uma tal embolia
O apropriado remédio.
Serão pastilhas? xarope?
Pílulas de qualquer cousa?
Um cozimento de hissope?
Fricções de madeira e lousa?
Seja isto ou seja aquilo,
Peço a Vossa Majestade
Uma amostra, um frasco, um quilo
Para ensaiar na cidade.
Porque, como ora se trata
De uma operação sabida,
Que a gente que se maltrata
Torna a pôr amada e unida,
Operação que dissolve
Os grupos mais separados,
E rapidamente absolve
Todos os ódios passados;
Quisera, logo que esteja
Toda a obra recomposta,
E esta liberal igreja
De novo aos fiéis exposta,
Quisera ver se, tomando
A droga rumaica um dia,
Chegaríamos ao mando
Pela mesma e larga via.
De outro modo ficaremos
Nestas náuticas singelas
De largar o leme e os remos
E abrir à fortuna as velas.
Eia, pois, augusta musa,
Mande-me o remédio santo,
E não vos concedo escusa;
Quero tirar o quebranto.
Quero ver se, finalmente,
Depois de tão larga espera,
A nossa eleitoral gente
É gente, não é quimera.
Para que depois se queixe
De si e das culpas suas,
E por uma vez se deixe
De murmurar pelas ruas.
Vede, flor das maravilhas,
Como esta alma pede e roga:
Mandai-me as vossas pastilhas,
Pílulas ou qualquer droga.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Da Rumânia, à delicada,
Egrégia colega minha,
Pelas musas laureada,
Pobre trovador do Rio,
Cantor da pálida lua,
Esta breve carta envio,
E aguardo a resposta sua.
Note bem que lhe não falo
Das suas lindas novelas,
Nem do plácido regalo
Que nos dá com todas elas.
Não, augusta e bela moça,
Não é prosa nem poesia
O meu assunto ... Ouça, ouça,
Verá que é sensaboria.
Cá se soube que um partido,
Que há muito não dava cacho,
Após combate renhido,
Tomou ao outro o penacho.
Fez-se isso eleitoralmente;
A gente que não queria
O partido então vigente,
Mudou de cenografia.
Se fez bem ou mal, lá isso
É com ela; a culpa inteira
Pertence-lhe de o feitiço
Virar contra a feiticeira.
Mas, como aqui neste canto,
Não há tal eleitorado,
Que faça nunca outro tanto,
E pense em cousas do Estado;
E também porque isto, às vezes,
Está em qualquer cousa (adágio,
Que herdamos dos portugueses,
E tem o nosso sufrágio),
Lembrou-me que poderia
Obter, por seu intermédio,
Para uma tal embolia
O apropriado remédio.
Serão pastilhas? xarope?
Pílulas de qualquer cousa?
Um cozimento de hissope?
Fricções de madeira e lousa?
Seja isto ou seja aquilo,
Peço a Vossa Majestade
Uma amostra, um frasco, um quilo
Para ensaiar na cidade.
Porque, como ora se trata
De uma operação sabida,
Que a gente que se maltrata
Torna a pôr amada e unida,
Operação que dissolve
Os grupos mais separados,
E rapidamente absolve
Todos os ódios passados;
Quisera, logo que esteja
Toda a obra recomposta,
E esta liberal igreja
De novo aos fiéis exposta,
Quisera ver se, tomando
A droga rumaica um dia,
Chegaríamos ao mando
Pela mesma e larga via.
De outro modo ficaremos
Nestas náuticas singelas
De largar o leme e os remos
E abrir à fortuna as velas.
Eia, pois, augusta musa,
Mande-me o remédio santo,
E não vos concedo escusa;
Quero tirar o quebranto.
Quero ver se, finalmente,
Depois de tão larga espera,
A nossa eleitoral gente
É gente, não é quimera.
Para que depois se queixe
De si e das culpas suas,
E por uma vez se deixe
De murmurar pelas ruas.
Vede, flor das maravilhas,
Como esta alma pede e roga:
Mandai-me as vossas pastilhas,
Pílulas ou qualquer droga.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
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