terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Marina Bruna (Trovas Escolhidas)

A ciranda traz lembranças,
que a saudade perpetua,
de um tempo em que nós, crianças,
éramos todas de rua...

Afeto infinito eu leio
nos olhos, cheios de brilho,
da mãe que desnuda o seio
e oferta seu leite ao filho!

A noite desfez em contas
seu rosário de cristal
e enfeitou todas as pontas
da grama do meu quintal!

Ante um berço, comovida,
e no adeus dos cemitérios,
fui aprendendo que a vida
é ponte entre dois mistérios.

Ao tanger minha guitarra,
ser pobre não me importuna.
Tenho o perfil da cigarra
que é feliz sem ter fortuna.

A teu lado, mas... sozinho...
quantas noites, quantos dias
eu transbordei de carinho
mas te achei de mãos vazias...

A tua mão deslizando
no meu corpo, em leve afago,
é como a brisa encrespando
a superfície de um lago.

A tua ofensa me assusta
e, desta vez, digo “não”!
Quem ama sabe  o que custa
ter que negar o perdão!

A vida insiste em manter
em dois tons sua canção:
o mais agudo é o poder;
o mais grave, a servidão!

Blasfemar... sei que é errado
mas, Te pergunto, Senhor:
se o amor que eu sinto é pecado,
por que me deste este amor?...

Bondes... quintais... lampiões...
Nesta saudade eu me abrigo
aconchegando ilusões
que envelheceram comigo...

Brinquedos velhos, em trapos,
sem importância parecem,
mas guardam, nos seus farrapos,
lembranças que não se esquecem.

“Cachorro!”, gritou o pato
numa atitude insensata,
quando ouviu dizer que o gato
estava lambendo a pata!

Com a emoção renascida
no amor que só veio agora,
o ocaso de minha vida
ganhou matizes de aurora!

Com meu orgulho pisado
mas, de saudades vencida,
dou-te o perdão e a teu lado
esqueço as mágoas da vida.

Como é grande a solidão
de um ator, que em sua estréia,
põe em cena o coração
e está vazia a platéia...

Das saudades e lembranças
do amor, que foi verdadeiro,
restou um par de alianças
na mão de um só companheiro.

De cada galho abatido,
em silêncio a seiva escorre
mostrando o pranto sentido
de uma floresta que morre!

Depois da tua partida,
na desordem dos meus passos,
o que me prende na vida
é a memória dos teus braços…

Descalços pelo gramado
teus pés mansamente vão...
Pões, no pisar, tanto agrado,
que eu tenho inveja do chão!...

Descem do morro, sambando,
o Conde, o Rei e a Princesa.
É o Carnaval mascarando
de sangue azul a pobreza…

Deus modela a nossa estrada
porém nós, em atos falhos,
modificando a jornada,
nos perdemos nos atalhos...

Disse um "sábio" picareta
sobre um voo espacial:
- "Pra chegar noutro planeta
é só ter um mapa astral...”

Dos naufrágios, dos degredos,
restaram, dentro do mar,
ecos de velhos segredos
que as conchas sabem guardar...

Ele partia e, na pressa,
prometeu que voltaria.
Hoje eu sei, não foi promessa.
Na verdade... ele mentia...

Em fortuna, eu tenho sido
qual uma agulha modesta
que borda um belo vestido
e a linha é quem vai à festa!

Enfim voltaste... mas peço
que este clima de alegria
envolvendo o teu regresso
não dure só por um dia...

Esta fé que me incentiva,
e em minha vida se espalma,
é uma luzinha votiva
na capela de minha alma!

Esta flor que me restou
num livro da mocidade
é um sonho que se tornou
medalha de uma saudade!

Eu faço um apelo mudo
na velhice que me alcança:
– Destino, tire-me tudo
mas não me roube a esperança!

Fim do amor… mas nosso enredo
restou em minha lembrança,
como ficou em meu dedo
a marca de uma aliança…

Foi num mar encapelado
que o meu barco de ideais
naufragou de tão pesado:
- tinha esperanças demais!

Homem bom de rosto feio!
Tua aparência enganosa
lembra a pedra cujo seio
guarda uma gema preciosa!

Impiedoso, o fogo avança
e a floresta, calcinada,
perde o verde da esperança;
ganha o cinza do mais nada!

Mágico no seu cantar,
o poeta tem na voz
a virtude de criar
mil mundos dentro de nós!

Meu olhar no céu passeia
e me diz, mesmo disperso,
que o mundo é só um grão de areia
na imensidão do Universo…

Meu viver lembra uma estrada
com mistérios para mim:
do começo não sei nada...
não sei nada do seu fim...

Na história de tua vida
sou apenas, sem escolha,
uma sentença esquecida
no rodapé de uma folha.

Na insônia, escuto um rumor
e percebo, entre ansiedades,
que anda na noite um pastor
apascentando saudades!

Na tarde cálida e mansa,
o tempo quase não passa
e até o silêncio descansa
nos velhos bancos da praça.

Neste ano novo eu pretendo
rasgar meus dias tristonhos
e, de remendo em remendo,
reconstruir os meus sonhos...

No abandono, em desalinho,
eu sonho me embriagar
na branca taça de vinho
que se derrama em luar...

No acolchoado de paina,
colhida ao pé da paineira,
o homem esquece da faina
nos braços da companheira.

Nosso amor, hoje em desgaste,
fez do convívio um açoite...
Tempo! Por que não paraste
naquela primeira noite?

Nosso amor hoje e passado
e, apesar de breve história,
persiste, ainda, ancorado
no cais de minha memória.

Num foguetório cerrado,
o céu junino reluz
qual um chuveiro dourado
pingando gotas de luz!

O Ano Novo se avizinha
e eu, de tristezas cansado,
compro uma nova folhinha
e rasgo o tempo passado.

O destino rege as vidas
num balé, cujo andamento
lembra o das folhas caídas
dançando ao sabor do vento…

O destino se disfarça...
Veste risos e tristezas
e apresenta, em cada farsa,
incalculáveis surpresas...

O flerte, as voltas na praça,
o tempo levou embora
e o amor foi perdendo a graça
sem o respeito de outrora...

O homem pobre, passo a passo,
ergue a cidade cinzenta
tirando da pedra e do aço
a quimera que o sustenta!

Passei a viver tristonho
depois que encontrei, surpreso,
o limite do meu sonho
no muro do teu desprezo!

Partias... mas era tarde
para eu tentar te deter...
E nessa omissão covarde
te perdi... sem combater...

Partiste... e a tarde silente,
daquele dia tristonho,
vestiu de roxo o poente
no funeral do meu sonho...

Por florescer altaneira
na paisagem descampada,
aquela velha paineira
tornou-se um marco de estrada!

Primeiro amor... é a ternura
que a nossa memória enfeita.
É como a fruta madura
de uma primeira colheita...

Prostrado... na dor infinda
de um desprezo que o consome,
meu coração bate ainda,
porque murmura o teu nome...

Quanta família é desfeita
sem notar, que em meio aos brados,
há uma vítima que espreita
de olhinhos arregalados ...

Que eu te esqueça... não me peças...
Não me obrigues a fingir
e fazer falsas promessas
que jamais irei cumprir.

Quem faz poemas alcança
todo o brilho do Universo
pondo estrelas de esperança
nas rimas de cada verso!

Que o amor faz sofrer... sabia...
mas, mesmo assim, eu te amei
e, agora, a sabedoria
vive a dizer: - Não falei?...

Quis te falar... mas não pude...
E, então, te dei uma flor...
As flores têm a virtude
de saber falar de amor...

Sem aliança no dedo,
sem altar, sem certidão,
quanto amor vive em segredo
com laços no coração!

Sem muros, as casas pobres
trocam favores, carinhos...
enquanto que em ruas nobres
ninguém conhece os vizinhos.

Se um dia o céu censurar
o nosso amor, não aceito...
e a teu lado hei de encontrar
um outro céu...mais perfeito!

Sigo em frente em meus trabalhos,
porém não sigo sozinho.
Com Deus, que aponta os atalhos,
encurto muito caminho.

Sobre os espelhos fanados,
o tempo, em seu transcorrer,
passa escrevendo recados
que não gostamos de ler...

Tem pena de minha dor!
Por favor, usa a franqueza!
Pois as dúvidas, no amor,
maltratam mais que a certeza!

“Terra à vista”! e, em praias calmas,
foi ancorando Cabral.
E o destino bateu palmas
nos unindo a Portugal!

Teu amor... quase acabado...
Mas, tentando me iludir,
sigo sofrendo a teu lado
sem coragem de partir...

Teu desprezo me magoa.
Não me queres, não te forço.
Mas, o que mais me atordoa
é não sentires remorso...

Tímida, não disse nada,
mas o sorriso que deu
foi a mensagem cifrada
que o meu amor entendeu...

Trago um porongo em meu peito
onde a saudade, contida,
é um chimarrão que tem feito
o amargor de minha vida…

Vai com seu dono mendigo,           
dando-lhe o único alento...
E eu penso: - Este cão amigo
bem merece um monumento!

Vai, de saberes repleto,
um sábio pela metade.
Para ser sábio completo
faltou-lhe o grau de humildade...

Vou te deixar... Partirei...
Sem saudade... Sem sofrer...
Por um motivo eu te amei;
por muitos, vou te esquecer…
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Download do e-book com biografia e trovas de Marina Bruna podem ser encontradas em:
http://issuu.com/wichaska/docs/tributo_a_marina_bruna
(Abaixo do livreto clique sobre Share, surgirão várias opções. Clique sobre download).
O livreto está em PDF e possui cerca de 7 megabytes.
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Fontes:
BRUNA, Marina. Cantares: trovas. São Paulo: Ar-Wak, 2010.
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