Foi num destes fim de semana deste Ano Santo, a aproveitar o sossego de Salinas sem veranistas, buzinas e cantar de pneus pelas madrugadas, que ela apareceu enxerindo-se em nossas vidas.
Uma cadela preta, pobre vira-lata sem donos, sem dengos nem vacinas, mas bela no seu porte esbelto, de pelo bonito mas sem trato, a atestar a irônica verdade de que até para nascer cachorro é preciso ter sorte.
Fez-nos festas como se nos reconhecesse por donos e aboletou-se casa a dentro, confraternizando com o pequinês de "pedigre", a mendigar agrado e um prato de comida, entre a oposição da mulher que não queria cão vadio e sabe lá raivoso dentro de casa, e a afetividade dos meninos que logo lhe deram nome: "Juliana".
Que é isso, meninos? Então, colocar nome de gente em cachorro, e logo nome bonito, de rainha, até? Mas, o nome ficou e calhou-lhe bem que, "Juliana" vira-lata, sem tratos e enteada da sorte, tem porte de imperatriz.
E, suprema ironia, num mundo de ódios, agressividade e violência, onde homens quase latem, rosnam, mordem e atacam, "Juliana" fez-se mensagem de mansidão, de amor e afetividade, a pedir e dar atenção, com suas patas como que amestradas para isso, que se estendiam dóceis e elegantes a nos roçar o corpo, a fazer correr outros cães vadios que se aproximavam de casa, a latir de noite, diligente e vigilante, a nos acompanhar à praia, sob protestos da mulher, aos quais a pobre cadela, de pelo belo mas sem trato, fazia ouvidos moucos.
À partida, "Juliana" deixou em nossas retinas e nossas mentes uma vaga lembrança de tristeza e nos corações dos meninos um preciso sentimento de saudade.
E, em todos os fins de semana, deste Ano Santo, "Juliana". A cadela sem tratos e sem donos parecia adivinhar nossa chegada. Momentos após invadia a casa a pular, pesada, em nossos peitos, a distribuir agrados e afeto.
No último fim de semana ali passado, "Juliana", cadela sem tratos e sem donos, sem dengos nem vacinas, foi trazida pelos meninos ante a "Xereta", para o registro colorido de um momento de sossego e tranquilidade.
Dentro da nossa atual cultura, onde o escopo do homem é a competição agressiva, a ânsia de prestígio, classe, *'status", poder e riqueza, certas coisas não fazem sentido, como dar atenção e tecer loas a vira-latas sem donos, sem vacinas nem "pedigree".
Mas, para os que nao perderam o sentido de beleza e de poesia, ver "Juliana" dentro da natureza ampla e luminosa, a correr livre e solta pela praia, espadanando águas e varando o vento, a chamar nossa atenção e divertir-nos, ela deixa de ser a cadela vira-lata, sem tratos e sem dengos, sem classe e sem vacinas, para transformar-se aos nossos olhos em uma lembrança de paz é imorredoura magia e encanto.
Fonte:
Antologia da Academia Paraense de Letras. Poesia & Prosa. Belém/PA: Cultural CEJUP, 1987.
Uma cadela preta, pobre vira-lata sem donos, sem dengos nem vacinas, mas bela no seu porte esbelto, de pelo bonito mas sem trato, a atestar a irônica verdade de que até para nascer cachorro é preciso ter sorte.
Fez-nos festas como se nos reconhecesse por donos e aboletou-se casa a dentro, confraternizando com o pequinês de "pedigre", a mendigar agrado e um prato de comida, entre a oposição da mulher que não queria cão vadio e sabe lá raivoso dentro de casa, e a afetividade dos meninos que logo lhe deram nome: "Juliana".
Que é isso, meninos? Então, colocar nome de gente em cachorro, e logo nome bonito, de rainha, até? Mas, o nome ficou e calhou-lhe bem que, "Juliana" vira-lata, sem tratos e enteada da sorte, tem porte de imperatriz.
E, suprema ironia, num mundo de ódios, agressividade e violência, onde homens quase latem, rosnam, mordem e atacam, "Juliana" fez-se mensagem de mansidão, de amor e afetividade, a pedir e dar atenção, com suas patas como que amestradas para isso, que se estendiam dóceis e elegantes a nos roçar o corpo, a fazer correr outros cães vadios que se aproximavam de casa, a latir de noite, diligente e vigilante, a nos acompanhar à praia, sob protestos da mulher, aos quais a pobre cadela, de pelo belo mas sem trato, fazia ouvidos moucos.
À partida, "Juliana" deixou em nossas retinas e nossas mentes uma vaga lembrança de tristeza e nos corações dos meninos um preciso sentimento de saudade.
E, em todos os fins de semana, deste Ano Santo, "Juliana". A cadela sem tratos e sem donos parecia adivinhar nossa chegada. Momentos após invadia a casa a pular, pesada, em nossos peitos, a distribuir agrados e afeto.
No último fim de semana ali passado, "Juliana", cadela sem tratos e sem donos, sem dengos nem vacinas, foi trazida pelos meninos ante a "Xereta", para o registro colorido de um momento de sossego e tranquilidade.
Dentro da nossa atual cultura, onde o escopo do homem é a competição agressiva, a ânsia de prestígio, classe, *'status", poder e riqueza, certas coisas não fazem sentido, como dar atenção e tecer loas a vira-latas sem donos, sem vacinas nem "pedigree".
Mas, para os que nao perderam o sentido de beleza e de poesia, ver "Juliana" dentro da natureza ampla e luminosa, a correr livre e solta pela praia, espadanando águas e varando o vento, a chamar nossa atenção e divertir-nos, ela deixa de ser a cadela vira-lata, sem tratos e sem dengos, sem classe e sem vacinas, para transformar-se aos nossos olhos em uma lembrança de paz é imorredoura magia e encanto.
Fonte:
Antologia da Academia Paraense de Letras. Poesia & Prosa. Belém/PA: Cultural CEJUP, 1987.
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