domingo, 22 de agosto de 2021

A. A. de Assis (Maringá Gota a Gota) Mãe do Ano

Eu vi minha mãe rezando
aos pés da virgem Maria:
- Era uma santa escutando
o que outra santa dizia.
Barreto Coutinho
Limoeiro/PE, 1893 – 1975, Curitiba/PR


Dona Joaninha recebeu muito comovida o título de “Mãe do Ano”. Dos doze filhos, um compareceu à festa; os demais estavam muito ocupados nos seus que-fazeres: trabalho, estudo, malhação, paquera e outras curtições. Dona Joaninha desculpava. Tadinhos...

Medalha, flores, beijos, discursos. Heroica Joaninha. E por que não se encontrava ali o marido dela? Ocupadíssimo também, viajando, visitando clientes. Ela humildezinha recebendo os elogios, tantos anos de lutas, renúncia total a si mesma, dedicação total à família. Dava para adivinhar que quando morresse entraria direto no céu.

Não, porém, sem antes receber de São Pedro um puxãozinho de orelha por haver criado em sua casa um bando de egoístas. Doando-se inteiramente ao marido e aos filhos, resultou que eles se acostumassem a apenas receber, jamais dar coisa alguma.

Casara-se muito jovem, aos 16 anos. Vida dura no sítio, cozinhando, costurando, lavando, nas horas vagas capinando roça. Os filhos nascendo um atrás de outro. Mingauzinho pra um, troca fralda em outro, cata piolho no mais velho, põe no banho o mais novinho, ajeita as coisas do marido, arruma a casa, mãe extremosa, esposa objeto, máquina de servir...

O marido abriu negócios na cidade, levou a família; os filhos para estudar, Joaninha para trabalhar, ele para nunca mais parar de abrir novos negócios. Ela, a esposa exemplar, cuidando da meninada; ele, o machão formoso, cuidando de aumentar o patrimônio.

Dinheiro não faltava. Joaninha pusesse os meninos em bons colégios, gastasse o que preciso fosse com roupas e outros confortos. Se quisesse, podia até contratar uma, duas, três ajudantes. Só não enchesse o saco dele com probleminhas domésticos.

Joaninha não perturbava ninguém; servia apenas. Habituada ao trabalho, quis somente uma auxiliar para os serviços de limpeza. Para ela nada queria; bastavam os vestidinhos de ir à missa e umas roupinhas caseiras. Nada de salão de beleza nem de enfeites caros.

O marido, quando não estava em viagem, entrava em casa só para comer, dormir, assinar cheques. Nenhum agradinho pra Joaninha, já velhinha e sem encantos. Encantos ele procurava fora. “Tudo bem – dizia ela – homem é assim mesmo, deixe ele se divertir...“

Nos discursos indicaram Dona Joaninha como esposa perfeita e mãe modelo. Dava até para entender, pelo muito que ela sempre amou. Porém seria bem provável que a boa senhora não escapasse mesmo de um puxãozinho de orelha na porta do céu – carinhosa reprimenda por jamais haver tentado disciplinar aquele desaforoso marido; mais ainda por haver estragado os filhos ao aceitar ser escrava deles: aquelas preguiçosas moçonas e aqueles garotões inúteis, incapazes de sequer arrumar as camas onde dormiam.

Dona Joaninha nunca se queixa. Costuma dizer que felicidade de mãe é ver a família feliz. Mãe do Ano...
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 13-5-2021)

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

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