SAUDADES
Da saudade, bem amado,
Nesta ausência tão distante,
Cada vez mais encravado
O espinho penetrante,
O coração sossegado
Me não deixa um só instante.
Como do caos primitivo
Surgiu bela criação,
Do caos da minha tristeza
Da pátria surge a visão!
Tenho saudades dos montes,
Dos ares, dos horizontes
Que à pátria servem de véu;
Saudades dos meus palmares,
Saudades daqueles ares,
Saudades daquele céu!
É puro, mas com ser puro
Este céu me não convém;
Que tendo tantas estrelas
A minha estrela não tem!
Muitas vezes a procuro,
Mas debalde!... um ponto escuro
No seu lugar se fitou;
Conheço e vejo a verdade:
Foi a nuvem da saudade,
Que a minha estrela apagou.
Sim, meu bem, brilhou a estrela
Sem rival nos brilhos seus,
Enquanto a luz recebia
Do lume dos olhos teus.
Quando teus olhos ardentes,
Rutilando de contentes
Iam-se nela fitar.
Hoje que estão desmaiados
Por prantos continuados,
Com seus sóis quase apagados,
Como há de a estrela brilhar?
Cada dia que se passa
Neste desgosto cruel,
Tem novo quadro a desgraça,
Tem a ausência novo fel.
Mais compunge o peito ansiado
Esse espinho envenenado,
Que a saudade me cravou;
E a dor me tem convencido
Que do espinho introduzido
Novo espinho se gerou.
Eu o sinto, quando estreito
Nos meus transportes de dor,
Sobre os lábios, sobre o peito,
O meu talismã de amor;
O meu fiel companheiro
E talvez o derradeiro
Presente de amor, de ti,
Na hora da despedida
Em que tudo (exceto a vida
Para chorar-te) perdi!
Se d’alma a essência celeste
Pudesse ser transmitida,
O retrato que me deste
Não fora um corpo sem vida
Que, ao vê-lo, minh’alma ardente,
No transporte mais veemente,
Sente ao semblante subir,
E nos olhos condensada,
Em lágrimas transformada,
Sobre o retrato cair.
Aos tormentos que já sobram
Novos reúne a saudade;
Os seus negrumes redobram
As sombras da soledade.
Na mente a imagem se agita
Dessa ventura infinita
Que junto a ti desfrutei,
Em quadros tão sedutores,
Quais nunca dos meus amores,
Nem nos sonhos divisei.
O amor com que me abraças,
Então não posso dizer!
Da saudade sinto as asas
No coração me bater;
E contemplando os espaços
Que te roubam aos meus braços,
E que não posso transpor,
Perco a luz, e desmaiada
Cai-me a fronte atordoada
Pelos combates de amor!
Assim passo em tua ausência.
Eis qual é o meu viver!
Melhor que tal existência
Mil vezes fora morrer,
Se não tivesse a esperança
Que venturosa bonança
À tormenta porá fim;
Se não tivesse a certeza
Que me adoras com firmeza,
Que não te esqueces de mim.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
GLOSAS
MOTE
Quem Feliz asno se chama
De certo é asno feliz.
GLOSA
Se Camões cantou Gama
Por seus feitos de valor,
Também merece um cantor
Quem Feliz asno se chama.
Qualquer burro pela lama
Enterra pata e nariz,
Mas este, que com ardis
Chegou a ser senador,
É besta d’alto primor,
É decerto asno feliz.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
MOTE
Beijo a mão que me condena
A ser sempre desgraçado;
Obedeço ao meu destino,
Respeito o poder do Fado.
(Pe. José Maurício)
GLOSA
Como a adorei, não exprime,
Não diz humana linguagem;
Ninguém traçar pode a imagem;
Daquele amor tão sublime!
A cruel, por este crime,
Eterno pranto me ordena.
E eu, vítima da pena
Da minha amorosa ofensa,
Sem arguir a sentença
Beijo a mão que me condena!
Sentindo a perseverança
Da paixão que me domina,
De achar ao mal medicina
Não alimento esperança,
Não sinto a menor mudança
Neste amor tão malfadado;
Se este amor exagerado
A mil desgraças me liga,
Esta constança me obriga
A ser sempre desgraçado!
Há um destino. — A razão
Da paixão na imensa vaga
De pronto seu facho apaga,
E nos deixa a escuridão!
Desse destino a impulsão
Eu sinto se me examino:
Sem luz, sem guia e sem tino,
Nada cogito, nem quero;
Não penso, não delibero,
Obedeço ao meu destino.
Quando em calma cogitava,
Calmo, estudando a verdade,
A razão e a liberdade
Sempre fortes, figurava,
Mas ai, triste! nem sonhava
Ver-me um dia neste estado!
Agora desenganado
Por tão acerba lição,
Mais que ao poder da razão,
Respeito o poder do Fado!
Da saudade, bem amado,
Nesta ausência tão distante,
Cada vez mais encravado
O espinho penetrante,
O coração sossegado
Me não deixa um só instante.
Como do caos primitivo
Surgiu bela criação,
Do caos da minha tristeza
Da pátria surge a visão!
Tenho saudades dos montes,
Dos ares, dos horizontes
Que à pátria servem de véu;
Saudades dos meus palmares,
Saudades daqueles ares,
Saudades daquele céu!
É puro, mas com ser puro
Este céu me não convém;
Que tendo tantas estrelas
A minha estrela não tem!
Muitas vezes a procuro,
Mas debalde!... um ponto escuro
No seu lugar se fitou;
Conheço e vejo a verdade:
Foi a nuvem da saudade,
Que a minha estrela apagou.
Sim, meu bem, brilhou a estrela
Sem rival nos brilhos seus,
Enquanto a luz recebia
Do lume dos olhos teus.
Quando teus olhos ardentes,
Rutilando de contentes
Iam-se nela fitar.
Hoje que estão desmaiados
Por prantos continuados,
Com seus sóis quase apagados,
Como há de a estrela brilhar?
Cada dia que se passa
Neste desgosto cruel,
Tem novo quadro a desgraça,
Tem a ausência novo fel.
Mais compunge o peito ansiado
Esse espinho envenenado,
Que a saudade me cravou;
E a dor me tem convencido
Que do espinho introduzido
Novo espinho se gerou.
Eu o sinto, quando estreito
Nos meus transportes de dor,
Sobre os lábios, sobre o peito,
O meu talismã de amor;
O meu fiel companheiro
E talvez o derradeiro
Presente de amor, de ti,
Na hora da despedida
Em que tudo (exceto a vida
Para chorar-te) perdi!
Se d’alma a essência celeste
Pudesse ser transmitida,
O retrato que me deste
Não fora um corpo sem vida
Que, ao vê-lo, minh’alma ardente,
No transporte mais veemente,
Sente ao semblante subir,
E nos olhos condensada,
Em lágrimas transformada,
Sobre o retrato cair.
Aos tormentos que já sobram
Novos reúne a saudade;
Os seus negrumes redobram
As sombras da soledade.
Na mente a imagem se agita
Dessa ventura infinita
Que junto a ti desfrutei,
Em quadros tão sedutores,
Quais nunca dos meus amores,
Nem nos sonhos divisei.
O amor com que me abraças,
Então não posso dizer!
Da saudade sinto as asas
No coração me bater;
E contemplando os espaços
Que te roubam aos meus braços,
E que não posso transpor,
Perco a luz, e desmaiada
Cai-me a fronte atordoada
Pelos combates de amor!
Assim passo em tua ausência.
Eis qual é o meu viver!
Melhor que tal existência
Mil vezes fora morrer,
Se não tivesse a esperança
Que venturosa bonança
À tormenta porá fim;
Se não tivesse a certeza
Que me adoras com firmeza,
Que não te esqueces de mim.
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GLOSAS
MOTE
Quem Feliz asno se chama
De certo é asno feliz.
GLOSA
Se Camões cantou Gama
Por seus feitos de valor,
Também merece um cantor
Quem Feliz asno se chama.
Qualquer burro pela lama
Enterra pata e nariz,
Mas este, que com ardis
Chegou a ser senador,
É besta d’alto primor,
É decerto asno feliz.
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MOTE
Beijo a mão que me condena
A ser sempre desgraçado;
Obedeço ao meu destino,
Respeito o poder do Fado.
(Pe. José Maurício)
GLOSA
Como a adorei, não exprime,
Não diz humana linguagem;
Ninguém traçar pode a imagem;
Daquele amor tão sublime!
A cruel, por este crime,
Eterno pranto me ordena.
E eu, vítima da pena
Da minha amorosa ofensa,
Sem arguir a sentença
Beijo a mão que me condena!
Sentindo a perseverança
Da paixão que me domina,
De achar ao mal medicina
Não alimento esperança,
Não sinto a menor mudança
Neste amor tão malfadado;
Se este amor exagerado
A mil desgraças me liga,
Esta constança me obriga
A ser sempre desgraçado!
Há um destino. — A razão
Da paixão na imensa vaga
De pronto seu facho apaga,
E nos deixa a escuridão!
Desse destino a impulsão
Eu sinto se me examino:
Sem luz, sem guia e sem tino,
Nada cogito, nem quero;
Não penso, não delibero,
Obedeço ao meu destino.
Quando em calma cogitava,
Calmo, estudando a verdade,
A razão e a liberdade
Sempre fortes, figurava,
Mas ai, triste! nem sonhava
Ver-me um dia neste estado!
Agora desenganado
Por tão acerba lição,
Mais que ao poder da razão,
Respeito o poder do Fado!
Fonte:
Laurindo Rabelo. Poesias completas. Ministério Da Cultura. Fundação Biblioteca Nacional
Laurindo Rabelo. Poesias completas. Ministério Da Cultura. Fundação Biblioteca Nacional
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