Fechado um cofre e atirada a chave em pleno oceano, nem por isso deverá o dono perder a esperança de poder, um dia, reavê-lo, abri-lo e rever o seu tesouro intacto.
Não tornou do pélago o anel lançado pelo tirano às vagas, em hóstia à Fortuna, que o recusou, devolvendo-o nas entranhas de um peixe?
Mergulhadores, assim como pescam pérolas, podem rebuscar, nas areias e covas submarinas, a joia imersa trazendo-a à tona e restituindo-a ao que a perdeu ou, em instantes de desvario, atirou ao mar.
Todos os abismos têm limite — de um só, o túmulo, ninguém mediu ainda a profundidade. Quantos lá têm amores, desfeitos em saudades, tentam, em vão, alcançá-los e valem-se dos meios, todos frustrâneos (malogrados), ilusões que, em vez de consolarem, mais aumentam o desespero.
O que se acredita ver na placidez da Morte e a imagem do que existe no coração.
Quantos infelizes, deixando a realidade triste pela miragem falaz, ficam na vida sem o que tinham para guiá-los, que era a Luz da razão, apagada no mergulho em que se precipitaram!
A pequenina chave que fechou o teu caixão, meu filho, nunca mais terá serventia. Fez o que lhe cumpria, nada mais tem a fazer. E eu, entretanto, guardo-a como a mais preciosa das minhas relíquias.
Para quê? De que me serve se, com ela, não abro mais do que as fontes do coração dando livre curso às lágrimas saudosas?
Vê-la, tocá-la, tê-la perto de mim é lembrar-me de ti, fechado, como estás, para o sempre, com o selo inviolável da Eternidade.
Em minhas mãos essa pequenina chave, que deu a grande volta no círculo da tua Vida, encerrando-a, pode ser comparada a um facho nas mãos de um cego — porque ainda que ele o possua e sinta em nada lhe aproveita.
Que mergulhador terá fôlego tão longo que lhe permita descer às profundezas do túmulo e de lá trazer o meu tesouro?
De que me serve a chave, que conservo, se o cofre, que ela fechou, aprofunda-se tanto que o próprio Pensamento não lhe chega à jazida?
Admitindo, porém, que me fosse dado abrir o que, entre flores, fechei com mão trêmula e lágrimas a jorros, no instante em que, perdida toda a esperança, entreguei-te à cova e a Deus, teria eu ânimo bastante para contemplar o que me devolvia o Nada, restos de ti deixados pelo Céu e pela terra?
Para que profanar despojos? Que restará do que foi corpo airoso, coração meigo e alma inteligente — força, movimento e afeto: lume no olhar, ideia nas palavras, amor no gesto, heroísmo, dedicação e fé? Um arcabouço como tronco e ramos nus de árvores no inverno. Árvore!...
A árvore reenfolha-se, reflore, renova-se com mais viço ao calor do sol da primavera, prolonga a vida em ressurreições continuas. O corpo, uma vez tombado, resolve-se em pó que se não levanta.
De que me serve possuir a chave!... Antes eu a tivesse lançado ao mar, assim não teria ante os olhos essa promessa que se não cumpre, esperança sempre desvanecida, chave de um segredo que se não revelará jamais.
A alma, entretanto, apega-se a tudo, tudo lhe serve de consolação e martírio. E a chave aí jaz, entre as minhas relíquias, lembrando-me o que fechei para o sempre: o teu corpo e, com ele, entre as flores que o cercaram, toda a minha ventura.
Não tornou do pélago o anel lançado pelo tirano às vagas, em hóstia à Fortuna, que o recusou, devolvendo-o nas entranhas de um peixe?
Mergulhadores, assim como pescam pérolas, podem rebuscar, nas areias e covas submarinas, a joia imersa trazendo-a à tona e restituindo-a ao que a perdeu ou, em instantes de desvario, atirou ao mar.
Todos os abismos têm limite — de um só, o túmulo, ninguém mediu ainda a profundidade. Quantos lá têm amores, desfeitos em saudades, tentam, em vão, alcançá-los e valem-se dos meios, todos frustrâneos (malogrados), ilusões que, em vez de consolarem, mais aumentam o desespero.
O que se acredita ver na placidez da Morte e a imagem do que existe no coração.
Quantos infelizes, deixando a realidade triste pela miragem falaz, ficam na vida sem o que tinham para guiá-los, que era a Luz da razão, apagada no mergulho em que se precipitaram!
A pequenina chave que fechou o teu caixão, meu filho, nunca mais terá serventia. Fez o que lhe cumpria, nada mais tem a fazer. E eu, entretanto, guardo-a como a mais preciosa das minhas relíquias.
Para quê? De que me serve se, com ela, não abro mais do que as fontes do coração dando livre curso às lágrimas saudosas?
Vê-la, tocá-la, tê-la perto de mim é lembrar-me de ti, fechado, como estás, para o sempre, com o selo inviolável da Eternidade.
Em minhas mãos essa pequenina chave, que deu a grande volta no círculo da tua Vida, encerrando-a, pode ser comparada a um facho nas mãos de um cego — porque ainda que ele o possua e sinta em nada lhe aproveita.
Que mergulhador terá fôlego tão longo que lhe permita descer às profundezas do túmulo e de lá trazer o meu tesouro?
De que me serve a chave, que conservo, se o cofre, que ela fechou, aprofunda-se tanto que o próprio Pensamento não lhe chega à jazida?
Admitindo, porém, que me fosse dado abrir o que, entre flores, fechei com mão trêmula e lágrimas a jorros, no instante em que, perdida toda a esperança, entreguei-te à cova e a Deus, teria eu ânimo bastante para contemplar o que me devolvia o Nada, restos de ti deixados pelo Céu e pela terra?
Para que profanar despojos? Que restará do que foi corpo airoso, coração meigo e alma inteligente — força, movimento e afeto: lume no olhar, ideia nas palavras, amor no gesto, heroísmo, dedicação e fé? Um arcabouço como tronco e ramos nus de árvores no inverno. Árvore!...
A árvore reenfolha-se, reflore, renova-se com mais viço ao calor do sol da primavera, prolonga a vida em ressurreições continuas. O corpo, uma vez tombado, resolve-se em pó que se não levanta.
De que me serve possuir a chave!... Antes eu a tivesse lançado ao mar, assim não teria ante os olhos essa promessa que se não cumpre, esperança sempre desvanecida, chave de um segredo que se não revelará jamais.
A alma, entretanto, apega-se a tudo, tudo lhe serve de consolação e martírio. E a chave aí jaz, entre as minhas relíquias, lembrando-me o que fechei para o sempre: o teu corpo e, com ele, entre as flores que o cercaram, toda a minha ventura.
Fonte:
Henrique Maximiano Coelho Neto. Mano – livro da saudade. Publicado em 1924.
Henrique Maximiano Coelho Neto. Mano – livro da saudade. Publicado em 1924.
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