quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Benedita Azevedo (As Pedras do Caminho)

Ester e Roque, jovens remanescentes de famílias com valores parecidos resolvem formar uma família. Mas, não tinham condições de construir sua residência. A princípio, o rapaz não queria se afastar de Berta, sua mãe, por morar sozinha com ele, pois a irmã, Joli, terminara a graduação e se mudara para outro estado. Então, ao lado da noiva, procurou a genitora para lhe dizer que pretendia se casar e morar com ela.

De pronto teve a resposta negativa. A mãe lhe disse que trabalhava dezoito horas por dia e queria continuar sozinha, pois, depois de dez anos de doença do marido e de trabalhar para educar os dois filhos, merecia um descanso. Mas, o ajudaria a construir sua casa no terreno dos fundos de sua casa e faria uma entrada independente para que, cada um cuidasse da sua vida, sem interferências de ambas as partes na vida do outro.

Os dois aceitaram a ideia e mediram o local. A mãe chamou o pedreiro que trabalhara na reforma de sua primeira casa, que fora vendida para dar entrada naquela que financiara em 25 anos, fazia oito anos. O pedreiro deu o orçamento e a mãe prometeu comprar o material de construção e o pai da noiva ajudaria na construção, pois era mestre de obras de uma grande firma.

Passados alguns dias, Roque procurou Berta e contou que num conjunto residencial, dentre os muitos que estavam sendo construídos, poderiam pagar a prestação de uma casa, mas, juntando a renda dos dois não cobriria as exigências da Caixa Econômica. Tendo a mãe já dois imóveis financiados, não pode ajudá-los. O pai da noiva tentou e conseguiu comprar a casa em seu nome, mas, eles pagariam as prestações.

Iniciando uma vida nova, toda ajuda que se oferecesse seria de bom tamanho, para dois jovens que se amavam e queriam compor seu lar e formar uma família. Quando receberam a casa, a mãe do rapaz, preocupada com a segurança de um bairro novo, tendo os dois de trabalhar o dia inteiro fora, chamou o serralheiro, encomendou as grades para duas portas, três janelas e fez uma surpresa. Dias depois de receberem as chaves, chegaram do trabalho e nem acreditaram, a casa estava toda com grades. Para complementar a renda do casal, Berta que era monitora da Taperware e vendia muito, solicitou a colaboração dos dois às sextas-feiras, para lhe separar os pedidos, que eram entregues no sábado. Por este trabalho, dava ao casal um salário mínimo por mês. Com esta estratégia a mãe ajudava, sem que eles se sentissem constrangidos.

Tempos depois, Joli que morava no Rio de Janeiro, numa república de profissionais de sua área, começou a se sentir sozinha e convidou a mãe para morar com ela. Já que Roque estava casado, com a família de Ester e parentes de Berta morando perto, ela poderia alugar um apartamento e morar com a mãe, deixando aquela vida de moradia coletiva.

A partir do convite, Berta passou a viver um verdadeiro conflito. Queria ir fazer companhia à filha, mas, como deixar o filho e a nora começando uma vida nova sozinhos?

Naquela aflição, sem saber que rumo tomar, passou algumas noites sem dormir. Estava dividida entre os dois filhos. Joli morando numa cidade desconhecida, sem nenhum parente ou conhecido por perto, puxava para seu lado o fiel da balança. Resolveu ir ao Rio de Janeiro, nas férias de julho. Ficou hospedada na república e não gostou nada do que viu. Em sua avaliação Roque estaria mais bem protegido, pois tinha a família dela e estava em sua cidade natal, onde tinha todos os amigos. Joli, sozinha, naquela república onde até suas roupas sumiam do armário.

Enquanto estava lá na república, um dia pela manhã, a filha procurou uma blusa branca que tinha certeza colocara em seu armário e não encontrava. Berta resolveu olhar no armário das outras, mesmo sob protesto da filha. No armário de uma delas, lá estavam todas as roupas que haviam sumido. – Mãe, que cara de pau! Pegar minhas roupas desse jeito! Eu nunca teria coragem de procurar no armário delas. Não queria me arriscar a bater de frente com nenhuma das quatro. – Fizeste bem, filha, agora vamos sair e comprar um guarda roupa com chave reforçada. Por enquanto ainda tens de ficar aqui.

Apesar do namorado falar em casamento para breve, Berta não levou muita fé. Joli queria que alugassem um apartamento com dois quartos, para quando se casasse morarem juntas. Elas até ainda olharam alguns apartamentos e móveis, mas, a mãe disse a ela que não queria morar com ninguém. Alugaria a casa dela em São Luís e com o dinheiro pagaria o aluguel de um apartamento, no Rio. Resolvido isso, voltou para casa e planejou voltar ao final do ano.

Para sua surpresa, recebeu o comunicado da filha de que resolvera se casar em dezembro. Mas como? Fazia tão pouco tempo que se conheciam isso não poderia dar certo! Usou todos seus argumentos e pediu tempo para organizar o enxoval. Ela disse que resolveram aproveitar as férias do noivo que seria em dezembro e que não me preocupasse, pois faria um chá de panelas e uma lista de casamento para amigos e parentes.

Berta não teve mais argumentos. Agora não tinha mais dúvidas. Precisava resolver tudo para mudar-se para o Rio.

Alugou a casa para um amigo de Roque que se casaria em Janeiro e pediu a Joli que visse um apartamento na Tijuca, perto do Colégio, onde pretendia trabalhar. A filha deu pulos de alegria ao saber da decisão da mãe. O filho pedia que a mãe pensasse bem, pois já conseguira se organizar depois da morte do pai. Se não seria melhor Joli voltar para sua terra? Mais uma vez, Berta ficou em conflito e conversou com a filha.

Joli nem imaginava deixar o trabalho. Em São Luís não teria as mesmas chances de trabalho que tinha no Rio. Fizera duas tentativas infrutíferas e não queria se arriscar.

Casaram-se em dezembro e passaram vinte dias em casa da mãe, em São Luís. Tinham alugado um apartamento em um prédio novo, em Pilares e ainda havia algumas unidades disponíveis. Mas Berta queria na Tijuca, perto do colégio.

Ao retornar ao Rio, Joli telefonou para a mãe e informou que ainda havia um apartamento, no mesmo bloco que o seu, com dois quartos, salão, banheiro, área de serviço e 01 vaga na garagem. Dizia que seria bom não perder a oportunidade, pois os aluguéis na Tijuca eram muito mais caros.

Berta suspirou, teria de tomar aquela decisão. Depois de duas noites insones telefonou para a filha e pediu que visse o que seria necessário para alugar o tal apartamento. Fez o contrato da sua casa por um ano. Se não se adaptasse voltaria. Contratou a mudança pela Itapemirim e enviou o carro por uma firma especializada.

O aluguel de sua casa era suficiente para pagar o aluguel e condomínio do apartamento. Teria de conseguir logo um trabalho para suas despesas pessoais e manutenção do carro. Estava feito, agora teria de enfrentar a separação do filho com a esposa já grávida de quatro meses. Viajaria no início de janeiro. Achou melhor deixar com o filho seu cartão do INPS, com a pensão que herdara do marido, de um salário mínimo, para compensar o que ganhavam separando seus pedidos Taperware. Pediu à irmã que ficasse atenta e olhasse pelo Roque e a esposa. Quando a primeira filha nasceu a tia de Roque ficava com a criança para os dois trabalharem, até que tivesse idade para ir para a escolhinha.

A realidade é sempre muito diferente dos sonhos. Berta teve dificuldades em conseguir emprego. Sem conhecer o Rio fez reuniões Taperware em vários bairros e sem perceber, um dia, com o Guia Rex à mão viu-se dentro da comunidade de Ramos, numa reunião marcada na Lagoa. Desistiu da gerência de vendas e escreveu em sua agenda:

Rio, 07. 11. 1987
“Aqui encerro minha carreira de grupos de vendas. Será sem retorno. É uma vida muito sacrificada que se leva em busca de certos objetivos que, para a maioria serão eternos sonhos irrealizáveis. Gosto de buscar coisas mais concretas e que dependam mais de mim que dos outros. Sei que um dia conseguirei atingir os meus sonhos, mas em outros caminhos que não serão os de grupos de venda.”


Depois disso, tentou viagens ao Paraguai, sobreviveu seis meses viajando com amigos, anotando encomendas que entregava mensalmente e quando recebia o pagamento voltava às compras. A viagem de ônibus era longa, 24 horas, era também perigosa e acabou desistindo.

Fez cursos de modelagem no SENAI e trabalhou como modelista industrial em uma confecção de alta costura, até que foi resgatada pelo grande amor de sua vida que a raptou da cidade grande para o aconchego de Pacobaíba, onde se reencontrou com o magistério. Mas, sua carga horária era pequena, o que a obrigava a complementar sua renda numa confecção caseira. Nesta época Roque já estava com a vida equilibrada, conseguira um emprego na SHELL e Berta pediu de volta seu cartão do INPS, assim, teria a garantia do salário da costureira ao final do mês.

Sempre teve e ainda tem algumas pedras em sua longa caminhada, entretanto, sem lamentações, vai transformando-as em seixos para ornamentar os canteiros de seu jardim outonal.
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Benedita Azevedo (Benedita Silva de Azevedo) Filha de Euzébio Alberto da Silva e Rosenda Matos da Silva, nasceu em 1944, na cidade de Itapecuru-Mirim/MA. Morou em São Luís, São Paulo, Blumenau e Itajaí e está radicada  em Magé, no Rio de Janeiro desde janeiro 1987.  Recebeu o título de cidadã Mageense em 2003. Educadora, poeta, escritora, haicaísta e ativista cultural. Formada em Letras,  pós-graduada em Educação e Linguística. Pertence a várias instituições literárias no Brasil, França, Portugal e Chile.

Fonte:
Recanto das Letras

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