quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Carolina Ramos (Um minuto apenas)

Pauliceia. Fim de tarde.

Dois trens do  metrô emparelham-se em rumos contrários.

Os olhos da moça captam os olhos dele, emoldurados pela janela oposta. Boa figura...belo homem! Com rapidez, analisa-lhe o semblante. Avaliação positiva. Olhar profundo, magnético... intenso. Elegância sóbria. Alguém bem de vida,., pelo menos, aparentemente. Casado? Solteiro? Compromissado? Pela insistência com que a fitava, deveria ser livre. Ou, não mereceria o bom conceito.

Não mais do que um minuto... e a eloquência daqueles olhos bonitos já a envolviam com sedução irresistível. Sedução à Omar Shariff... que lhe dizia tanta coisa gostosa de ser ouvida... sentida... sonhada! Parecia até ouvir ecos da Canção de Lara pairando no ar!

Bem que poderia ser, aquele, o homem de sua vida! O radar feminino capta a reciprocidade das emoções. Emoções não camufladas - que a urgência do instante não admite máscaras!

Presente, a simbiose de almas. Almas não precisam de apresentação. Descobrem-se. Unem-se, sem mais aquela, como polos que se atraem... ou se repelem, sem mesmo conhecer os porquês.

Um apito prolongado... e outro mais... Os dois comboios, reanimados, arrastam-se preguiçosamente, em rumos opostos, não querendo partir... tristemente solidários à magia daquele instante.

Em dois pares de olhos, a angústia explícita da iminência do adeus! Adeus a separar dois seres que, de surpresa, a vida juntara... para em seguida separar mediante a dolorosa e cruel chancela do nunca mais.

No banco fronteiro à moça, alguém bastante observador e curioso, indaga a si mesmo: - Imaginação fértil? - Ou tudo acontecera, de fato, como num filme de cinema mudo, de metragem curtíssima... ao inteiro dispor dos seus olhos?!

O brilho diferente e úmido no olhar daquela moça, dizia muita coisa mais.

Haveria um novo encontro? Quando? Nunca?! - Só a vida seria capaz de responder a tanta curiosidade, a dar base a outro capítulo, por ora, imprevisível.

Indiferente ao depois, aquele homem que tudo observava disfarça um sorriso, certo de ter em mãos matéria suficiente para estruturar novo conto. Um conto com base real e, sem dúvida... bastante poético!

Os trens da vida, por sua vez, prosseguem em sua marcha... a empurrar e puxar vagões bitolados por destinos os mais diversos... A cruzar trilhos... A emparelhar vidas opostas, em rumos do nunca mais.

Bem igual àquele trem da Pauliceia que, sem saber, transportava uma página de história interrompida, de final desconhecido e imprevisível.

Já desinteressado, o observador solitário boceja... Guarda o argumento num bolso secreto da memória... E ainda longe do seu destino, abre o jornal e mergulha de cabeça no prosaísmo cotidiano... enquanto o trem apita e acelera a marcha para chegar mais depressa.

Fonte:
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). 
Santos/SP: Mônica Petroni Mathias, 2021. 
Capítulo 5: Contos rústicos, telúricos e outros mais.
Livro enviado pela autora.

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