domingo, 1 de agosto de 2021

Sammis Reachers (Jaú “Liquid-Paper”)

O cidadão conhecido por Jaú era antigo motorista da empresa Fortaleza, de Niterói.

Certa feita, enquanto o hoje também motorista Nildo era ainda manobreiro na mesma Fortaleza, lá chegou Jaú, à noite, recolhendo o carro após sua última viagem. Sempre tranquilo e conversador, naquele dia Jaú estacionou o veículo no meio do pátio e saiu apressado. Assim que ele desceu do veículo, um dos manobradores logo assumiu o volante, pois aquele carro estava na escala para ser lavado (a cada noite eram lavados alguns veículos). Enquanto ele manobrava o carro para posicioná-lo no lavador, Nildo observava e ajudava, de fora do veículo, na manobra.

Porém, logo que os primeiros jatos de água bateram na lataria do ônibus, Nildo notou algo estranho: como num passe de mágica, uma extensa linha começou a surgir na lateral do veículo, em sua parte branca (naquela época os veículos da empresa eram bicolores; branco e marrom). Mas aquela linha não estava ali, Nildo tinha certeza. Ao se aproximar, mesmo molhando-se, nosso amigo percebeu que se tratava na verdade de um enorme arranhão, e que em algumas partes quase rasgara a lataria.

Se você já foi manobreiro, sabe que em muitas empresas o veículo deve ser observado quando retorna à garagem, para verificar se há alguma avaria; caso exista, o motorista é notificado e em geral deve pagar pelo prejuízo. Por outro lado, se o motorista coloca o carro na garagem e ninguém nota nada na hora, depois fica difícil arrumar alguém para assumir a culpa; o motorista pode alegar que não foi ele, que foi o parceiro do outro turno, que já estava assim, ou pior: que a avaria fora feita pelos manobradores, pelo que eles então deveriam pagar.

Isso tudo passou rápido pela cabeça de Nildo, ao perceber aquela enorme linha surgir milagrosamente no veículo. Havia um tipo de tinta sobre o arranhado, mas a tal "tinta" não aguentou a água! Ao olhar lá para a frente, Nildo ainda pôde divisar o velho Jaú, passo apressado, saindo da garagem.

Nosso amigo não perdeu tempo: disparando como um Usain Bolt, Nildo conseguiu alcançar Jaú, a quem segurou pelo braço.

- Peraí, malandro! Tem alguma coisa errada lá no seu carro! Tá com uma enorme avaria lá na lateral! E tinha um tipo de tinta fresca cobrindo!

– Avaria? Tá doido? - tentou desconversar Jaú.

Nisso um dos chefes, que observava a situação, se aproximou e encostou Jaú na parede:

- Como é, seu Jaú? O carro está arranhado e tinha tinta sobre ele?

Jaú tentou se desvencilhar da acusação e gaguejava dando desculpas, nitidamente nervoso, quando o chefe o cortou:

- Olha, você está gaguejando muito, e nem quero saber o que houve: é melhor o senhor admitir agora e pagar o pequeno prejuízo numa boa, uma merreca, do que tomar uma justa causa no dia de amanhã. Vai tomar uma justa causa, hein! Você que sabe. E aí, o que você fez afinal?

Pego de calças arriadas, não teve jeito. O pilantra do Jaú confessou:

- Sabe o que é, chefia... Eu levei uma fechada de um parceiro da (empresa de ônibus) Pendotiba, um barbeiro do #$%&*@, e acabei arranhando a lateral numa caçamba de entulho. Poxa, esse mês eu estou durinho, e pago duas pensões... Aí eu comprei um vidrinho de Toque Mágico, sabe, esses Liquid Paper que usam no colégio, e pintei o arranhado...

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

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