“CAMINHO A TEU LADO MUDO”
Caminho a teu lado mudo
Sentes-me, vês-me alheado...
Perguntas: Sim... Não... Não sei...
Tenho saudades de tudo...
Até, porque está passado,
Do próprio mal que passei.
Sim, hoje é um dia feliz.
Será, não será, por certo
Num princípio não sei que
Há um sentido que me diz
Que isto — o céu longe e nós perto
É só a sombra do que é...
E lembro-me em meia-amargura
Do passado, do distante,
E tudo me é solidão...
Que fui nessa morte escura?
Quem sou neste morto instante?
Não perguntes... Tudo é vão.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
“CANSADO ATÉ OS DEUSES QUE NÃO SÃO”
Cansado até os deuses que não são...
Ideais, sonhos... Como o sol é real
E na objetiva coisa universal
Não há o meu coração...
Eu ergo a mão.
Olho-a de vis, e o que ela é não sou eu.
Entre mim e o que sou há a escuridão.
Mas o que são isto a terra e o céu?
Houvesse ao menos, visto que a verdade
É falsa, qualquer coisa verdadeira
De outra maneira
Que a impossível certeza ou realidade.
Houvesse ao menos, som o sol do mundo,
Qualquer postiça realidade não
O eterno abismo sem fundo,
Crível talvez, mas tenho coração.
Mas não há nada, salvo tudo sem mim.
Crível por fora da razão, mas sem
Que a razão acordasse e visse bem;
Real com o coração, inda que...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
“CANTA ONDE NADA EXISTE”
Canta onde nada existe
O rouxinol para seu bem,
Ouço-o, cismo, fico triste
E a minha tristeza também.
Janela aberta, para onde
Campos de não haver são
O onde a dríade se esconde
Sem ser imaginação.
Quem me dera que a poesia
Fosse mais do que a escrever!
Canta agora a cotovia
Sem se lembrar de viver…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
CEIFEIRA
Mas não, é abstrata, é uma ave
De som volteando no ar do ar,
E a alma canta sem entrave
Pois que o canto é que faz cantar.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
“CHEGUEI À JANELA”
Cheguei à janela,
Porque ouvi cantar.
É um cego e a guitarra
Que estão a chorar.
Ambos fazem pena,
São uma coisa só
Que anda pelo mundo
A fazer ter dó.
Eu também sou um cego
Cantando na estrada,
A estrada é maior
E não peço nada.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
“CHOVE. QUE FIZ EU DA VIDA?”
Chove. Que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim...
De pensada, mal vivida...
Triste de quem é assim!
Numa angústia sem remédio
Tenho febre na alma, e, ao ser,
Tenho saudade, entre o tédio,
Só do que nunca quis ter...
Quem eu pudera ter sido,
Que é dele? Entre ódios pequenos
De mim, estou de mim partido.
Se ao menos chovesse menos!
Caminho a teu lado mudo
Sentes-me, vês-me alheado...
Perguntas: Sim... Não... Não sei...
Tenho saudades de tudo...
Até, porque está passado,
Do próprio mal que passei.
Sim, hoje é um dia feliz.
Será, não será, por certo
Num princípio não sei que
Há um sentido que me diz
Que isto — o céu longe e nós perto
É só a sombra do que é...
E lembro-me em meia-amargura
Do passado, do distante,
E tudo me é solidão...
Que fui nessa morte escura?
Quem sou neste morto instante?
Não perguntes... Tudo é vão.
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“CANSADO ATÉ OS DEUSES QUE NÃO SÃO”
Cansado até os deuses que não são...
Ideais, sonhos... Como o sol é real
E na objetiva coisa universal
Não há o meu coração...
Eu ergo a mão.
Olho-a de vis, e o que ela é não sou eu.
Entre mim e o que sou há a escuridão.
Mas o que são isto a terra e o céu?
Houvesse ao menos, visto que a verdade
É falsa, qualquer coisa verdadeira
De outra maneira
Que a impossível certeza ou realidade.
Houvesse ao menos, som o sol do mundo,
Qualquer postiça realidade não
O eterno abismo sem fundo,
Crível talvez, mas tenho coração.
Mas não há nada, salvo tudo sem mim.
Crível por fora da razão, mas sem
Que a razão acordasse e visse bem;
Real com o coração, inda que...
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“CANTA ONDE NADA EXISTE”
Canta onde nada existe
O rouxinol para seu bem,
Ouço-o, cismo, fico triste
E a minha tristeza também.
Janela aberta, para onde
Campos de não haver são
O onde a dríade se esconde
Sem ser imaginação.
Quem me dera que a poesia
Fosse mais do que a escrever!
Canta agora a cotovia
Sem se lembrar de viver…
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CEIFEIRA
Mas não, é abstrata, é uma ave
De som volteando no ar do ar,
E a alma canta sem entrave
Pois que o canto é que faz cantar.
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“CHEGUEI À JANELA”
Cheguei à janela,
Porque ouvi cantar.
É um cego e a guitarra
Que estão a chorar.
Ambos fazem pena,
São uma coisa só
Que anda pelo mundo
A fazer ter dó.
Eu também sou um cego
Cantando na estrada,
A estrada é maior
E não peço nada.
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“CHOVE. QUE FIZ EU DA VIDA?”
Chove. Que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim...
De pensada, mal vivida...
Triste de quem é assim!
Numa angústia sem remédio
Tenho febre na alma, e, ao ser,
Tenho saudade, entre o tédio,
Só do que nunca quis ter...
Quem eu pudera ter sido,
Que é dele? Entre ódios pequenos
De mim, estou de mim partido.
Se ao menos chovesse menos!
Fonte:
Fernando Pessoa. Poesias Inéditas (1930 – 1935).
Fernando Pessoa. Poesias Inéditas (1930 – 1935).
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