quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Estante de Livros (O Sertanejo, de José de Alencar)


Um dos romances, bastante brasileiro, em que Alencar dá expansão ao seu gênero de pincelador retratando com belas e radiantes cores a paisagem do sertão um destemido vaqueiro a serviço, capitão-mor Arnaldo Campelo que enfrenta os mais sérios riscos na esperança de conquistar a simpatia da filha do fazendeiro.

A história de O sertanejo se passa no nordeste e tem como personagem-narrador Severino, uma pessoa que tenta se definir ao longo da obra mas não consegue, então passa a ser uma figura genérica que representa o povo daquela região. Ele é representante de um povo sofrido, que luta contra a fome, sede e miséria.

O personagem principal é Arnaldo Loureiro, um vaqueiro cearense, simples, mas que luta pelo que quer e enfrenta tudo pelo amor e seus ideais. O vaqueiro trabalha para o capitão-mor, de nome Arnaldo Campelo. Arnaldo enfrenta todos os riscos necessários com a esperança de um dia conquistar a simpatia da meia irmã do capitão-mor, Dona Flor.

Arnaldo é descrito ao longo da obra como arredio, simples e bom. Chega a ser uma figura misteriosa, atenta a todos os pedidos de seu patrão e se mostrando um funcionário exemplar, ele tem o hábito de dormir no alto de arvores na mata. Sua submissão é reconhecida como digna. O único rival de Arnaldo se chama Marcos Fragoso, e Dona Flor é prometida para Leandro barbilho. No dia do casamento, inimigos do capitão-mor surgem, acontece um tiroteio onde Leandro Barbilho morre. Arnaldo tenta consolar Flor enquanto ela lamenta. A história acontece no sertão de Quixeramobim, Ceará.

No final o capitão-mor reconhece a bravura e dignidade de Arnaldo, e permite que ele use seu sobrenome, Campelo.

Trecho do Cap. XV, Tentação:

Já tinham soado no sino da capela as últimas badaladas do toque de recolher.

Por toda a fazenda da Oiticica, sujeita a um certo regime militar, apagavam-se os fogos e cessava o burburinho da labutação quotidiana. Só nas noites de festa dispensava o capitão-mor essa rigorosa disciplina, e dava licença para os sambas, que então por desforra atravessavam de sol a sol.

Era uma noite de escuro; mas como o são as noites do sertão, recamadas de estrelas rutilantes, cujas centelhas se cruzam e urdem como a finíssima teia de uma lhama acetinada.

A casa principal acabava de fechar-se; e das portas e janelas apenas escapavam-se pelos interstícios umas réstias de luz, que iam a pouco e pouco extinguindo-se.

Nesse momento um vulto oscilou na sombra, e coseu-se à parede que olhava para o nascente.

Era Arnaldo.

Resvalando ao longo do outão, chegara à janela do camarim de D. Flor, e uma força irresistível o deteve ali. No gradil das rótulas recendia um breve perfume, como se por ali tivesse coado a brisa carregada das exalações da baunilha. Arnaldo adivinhou que a donzela antes de recolher-se, viera respirar a frescura da noite e encostara a gentil cabeça na gelosia, onde ficara a fragrância de seus cabelos e de sua cútis acetinada.

Então o sertanejo, que não se animaria nunca a tocar esses cabelos e essa cútis, beijou as grades para colher aquela emanação de D. Flor, e não trocaria decerto a delícia daquela adoração pelas voluptuosas carícias da mulher mais formosa.

Aplicando o ouvido percebeu o sertanejo no interior do aposento um frolido de roupas, acompanhado pelo rumor de um passo breve e sutil. D. Flor volvia pelo aposento, naturalmente ocupada nos vários aprestos do repouso da noite.

Um doce sussurro, como da abelha no seio do rosal, advertiu a Arnaldo que a donzela rezava antes de deitar-se; e involuntariamente também ajoelhou-se para rogar a Deus por ela. Mas acabou suplicando a Flor perdão para a sua ternura.

Terminada a prece, a donzela aproximou-se do leito. O amarrotar das cambraias a atulharem-se indicou ao sertanejo que Flor despia as suas vestes e ia trocá-las pela roupa de dormir.

Através das abas da janela, que lhe escondiam o aposento, enxergou com os olhos d’alma a donzela, naquele instante em que os castos véus a abandonavam; porém seu puro e santo afeto não viu outra coisa senão um anjo vestido de resplendor. Foi como se no céu azul ao deslize de uma nuvem branca de jaspe surgisse uma estrela. A trepidação da luz cega; e tece um véu cintilante, porém mais espesso do que a seda e o linho.

Cessaram de todo os rumores do aposento, sinal de que D. Flor se havia deitado. Ouvindo um respiro brando e sutil como de um passarinho, conheceu Arnaldo que a donzela dormia o sono plácido e feliz.

Só então afastou-se para acudir ao emprazamento que recebera.


Fonte:
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Cola da Web

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