- Um conto e duzentos! Um conto e duzentos! Dou um conto e duzentos!
Foi ao som desse pregão intempestivo que o Dr. Alfredo Camilo despertou, alta madrugada, na sua cama de casal, na alcova suavemente iluminada por uma pequenina lâmpada de cabeceira. Espantado, o ilustre médico voltou-se no leito, e percebeu que era a sua jovem esposa, a formosíssima D. Belita, que insistia, no meio de um sono agitado:
- Um conto e duzentos! Um conto e duzentos! Dou um conto e duzentos!
Sentando-se na cama, o Dr. Alfredo bateu no ombro nu da esposa, sacudindo-a, com força:
- Belitinha! Belitinha! Que é isso? Que é que tens? Acorda!
- Hein? Hein? Que é? Que é que tem? - exclamou a moça, despertando, espantada, esfregando os olhos com as mãos.
- Estás com pesadelo? - indagou o marido.
- Não! Era um sonho... Por que?
- Estavas para aí fazendo leilão...
- Ahn! - exclamou a linda senhora, espreguiçando-se. - Uma extravagância... uma tolice...
- Conta! Quero saber o que era! - pediu o esposo; enciumado.
- Não vale a pena, Alfredo!
- Conta! - exigiu o Otelo.
D. Belita agasalhou a cabecita de ouro no peito do marido, e começou a narrar, de olhos fechados:
- Eu sonhei que me achava em um mercado, não sei em que cidade, nem em que país onde estavam fazendo um leilão de homens, para maridos, os quais eram disputados por centenas de mulheres. De repente, depois de várias arrematações, levaram um rapagão alto, forte, formoso, uma verdadeira beleza, que encantou, logo, todas as pretendentes. Ao vê-lo, a Luisinha, mulher do Alonso, que também estava presente, lançou duzentos mil réis. Eu lancei trezentos. A Abigail ofereceu quinhentos. Eu cobri o lance com oitocentos, e estava oferecendo um conto e duzentos quando tu me despertaste.
Com os olhos presos na cabeça da esposa, o Dr. Alfredo ouvia, em silêncio, essa história, quando, chegada a narração ao fim, protestou, revoltado:
- Sim, senhora! Uma senhora honesta, e casada, a ter sonhos destes!...
Não convindo, porém, brigar, àquela hora, por um simples sonho, um mero fenômeno de imaginação, procurou consolar-se, indagando:
- E eu, não estava lá, não?
- Você? Não vi.
- Mas, se eu estivesse lá, as mulheres dariam uma fortuna... Não?
D. Belita sorriu, e, esfregando os olhos:
- Você?
E com desprezo, rindo:
- Como você havia lá às dúzias, a cinquenta mil réis, e ninguém queria!
E virou-se para o outro lado, roncando...
Foi ao som desse pregão intempestivo que o Dr. Alfredo Camilo despertou, alta madrugada, na sua cama de casal, na alcova suavemente iluminada por uma pequenina lâmpada de cabeceira. Espantado, o ilustre médico voltou-se no leito, e percebeu que era a sua jovem esposa, a formosíssima D. Belita, que insistia, no meio de um sono agitado:
- Um conto e duzentos! Um conto e duzentos! Dou um conto e duzentos!
Sentando-se na cama, o Dr. Alfredo bateu no ombro nu da esposa, sacudindo-a, com força:
- Belitinha! Belitinha! Que é isso? Que é que tens? Acorda!
- Hein? Hein? Que é? Que é que tem? - exclamou a moça, despertando, espantada, esfregando os olhos com as mãos.
- Estás com pesadelo? - indagou o marido.
- Não! Era um sonho... Por que?
- Estavas para aí fazendo leilão...
- Ahn! - exclamou a linda senhora, espreguiçando-se. - Uma extravagância... uma tolice...
- Conta! Quero saber o que era! - pediu o esposo; enciumado.
- Não vale a pena, Alfredo!
- Conta! - exigiu o Otelo.
D. Belita agasalhou a cabecita de ouro no peito do marido, e começou a narrar, de olhos fechados:
- Eu sonhei que me achava em um mercado, não sei em que cidade, nem em que país onde estavam fazendo um leilão de homens, para maridos, os quais eram disputados por centenas de mulheres. De repente, depois de várias arrematações, levaram um rapagão alto, forte, formoso, uma verdadeira beleza, que encantou, logo, todas as pretendentes. Ao vê-lo, a Luisinha, mulher do Alonso, que também estava presente, lançou duzentos mil réis. Eu lancei trezentos. A Abigail ofereceu quinhentos. Eu cobri o lance com oitocentos, e estava oferecendo um conto e duzentos quando tu me despertaste.
Com os olhos presos na cabeça da esposa, o Dr. Alfredo ouvia, em silêncio, essa história, quando, chegada a narração ao fim, protestou, revoltado:
- Sim, senhora! Uma senhora honesta, e casada, a ter sonhos destes!...
Não convindo, porém, brigar, àquela hora, por um simples sonho, um mero fenômeno de imaginação, procurou consolar-se, indagando:
- E eu, não estava lá, não?
- Você? Não vi.
- Mas, se eu estivesse lá, as mulheres dariam uma fortuna... Não?
D. Belita sorriu, e, esfregando os olhos:
- Você?
E com desprezo, rindo:
- Como você havia lá às dúzias, a cinquenta mil réis, e ninguém queria!
E virou-se para o outro lado, roncando...
Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze.
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze.
Publicado originalmente em 1925.
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