domingo, 15 de agosto de 2021

Contos e Lendas do Mundo (Etiópia: Os dois reis de Gondar)

Era um dia como os de outrora... e um pobre camponês, tão pobre que tinha apenas a pele sobre os ossos e três galinhas que ciscavam alguns grãos de teff* que encontravam pela terra poeirenta, estava sentado na entrada da sua velha cabana como todo fim de tarde. De repente, viu chegar um caçador montado a cavalo. O caçador se aproximou, desmontou, cumprimentou-o e disse:

— Eu me perdi pela montanha e estou procurando o caminho que leva à cidade de Gondar.

— Gondar? Fica a dois dias daqui — respondeu o camponês. — O sol já está se pondo e seria mais sensato se você passasse a noite aqui e partisse de manhã cedo.

O camponês pegou uma das suas três galinhas, matou-a, cozinhou-a no fogão a lenha e preparou um bom jantar, que ofereceu ao caçador. Depois de comerem os dois juntos sem falar muito, o camponês ofereceu sua cama ao caçador e foi dormir no chão ao lado do fogo.

No dia seguinte bem cedo, quando o caçador acordou, o camponês explicou-lhe como teria que fazer para chegar a Gondar:

— Você tem que se enfiar no bosque até encontrar um rio, e deve atravessá-lo com seu cavalo com muito cuidado para não passar pela parte mais funda. Depois tem que seguir por um caminho à beira de um precipício até chegar a uma estrada mais larga...

O caçador, que ouvia com atenção, disse:

— Acho que vou me perder de novo. Não conheço esta região... Você me acompanharia até Gondar? Poderia montar no cavalo, na minha garupa.

— Está certo — disse o camponês —, mas com uma condição. Quando a gente chegar, gostaria de conhecer o rei, eu nunca o vi.

— Você irá vê-lo, prometo.

O camponês fechou a porta da sua cabana, montou na garupa do caçador e começaram o trajeto. Passaram horas e horas atravessando montanhas e bosques, e mais uma noite inteira. Quando iam por caminhos sem sombra, o camponês abria seu grande guarda-chuva preto, e os dois se protegiam do sol. E quando por fim viram a cidade de Gondar no horizonte, o camponês perguntou ao caçador:

— E como é que se reconhece um rei?

— Não se preocupe, é muito fácil: quando todo mundo faz a mesma coisa, o rei é aquele que faz outra, diferente. Observe bem as pessoas à sua volta e você o reconhecerá.

Pouco depois, os dois homens chegaram à cidade e o caçador tomou o caminho do palácio. Havia um monte de gente diante da porta, falando e contando histórias, até que, ao verem os dois homens a cavalo, se afastaram da porta e se ajoelharam à sua passagem. O camponês não entendia nada. Todos estavam ajoelhados, exceto ele e o caçador, que iam a cavalo.

— Onde será que está o rei? — perguntou o camponês. — Não o estou vendo!

— Agora vamos entrar no palácio e você o verá, garanto!

E os dois homens entraram a cavalo dentro do palácio.

O camponês estava inquieto. De longe via uma fila de pessoas e de guardas também a cavalo que os esperavam na entrada. Quando passaram na frente deles, os guardas desmontaram e somente os dois continuaram em cima do cavalo. O camponês começou a ficar nervoso:

— Você me falou que quando todo mundo faz a mesma coisa... Mas onde está o rei?

— Paciência! Você já vai reconhecê-lo! É só lembrar que, quando todos fazem a mesma coisa, o rei faz outra.

Os dois homens desmontaram do cavalo e entraram numa sala imensa do palácio. Todos os nobres, os cortesãos e os conselheiros reais tiraram o chapéu ao vê-los.

Todos estavam sem chapéu, exceto o caçador e o camponês, que tampouco entendia para que servia andar de chapéu dentro de um palácio. O camponês chegou perto do caçador e murmurou:

— Não o estou vendo!

— Não seja impaciente, você vai acabar reconhecendo-o! Venha sentar comigo.

E os dois homens se instalaram num grande sofá muito confortável. Todo mundo ficou em pé à sua volta. O camponês estava cada vez mais inquieto. Observou bem tudo o que via, aproximou-se do caçador e perguntou:

— Quem é o rei? Você ou eu?

O caçador começou a rir e disse:

— Eu sou o rei, mas você também é um rei, porque sabe acolher um estrangeiro!

E o caçador e o camponês ficaram amigos por muitos e muitos anos.
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* O teff é um grão ancestral altamente nutritivo, de sabor levemente adocicado, repleto de propriedades excelentes e livre de glúten. Os grãos ancestrais são cereais plantados e colhidos da mesma forma há milhares de anos. Rico em ferro, grão teff é o novo queridinho da alimentação saudável. ... Grão vindo da Etiópia, com o tamanho de uma semente de papoula, o teff tem quantidades naturalmente altas de minerais e proteínas.
Fonte:
Anna Soler-Pont. O príncipe medroso e outros contos africanos. 
São Paulo : Companhia das Letras, 2009.

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