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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Mario Vargas Llosa (Cronica não é Conto)

É um dos motivos que me fizeram deixar de participar de concurso de conto. Muitas vezes vi uma crônica ganhar o primeiro lugar, num concurso de conto, passando por conto inovador, exótico, suigênere. Sendo assim, então se poderia dar o primeiro lugar, também, a uma bula de remédio ou a uma lista de compra.

A comissão julgadora não sabe a diferença entre conto e crônica? Então corre o risco de eleger uma lista telefônica como um romance inovador.

Tal como Fernando Pamplona, na saudosa tevê Manchete, bradava contra a marchinha sendo tocada como se samba fosse, quero bradar contra a crônica apresentada como conto. Nada contra a marchinha, que é dos ritmos mais bonitos, mas é muito fácil transformar o samba nalgo mais empolgante acelerando o ritmo. Assim, também, é fácil apresentar uma crônica como um conto inovador. É algo como eleger um gato, num concurso canino, como um cão muito original.

Vejamos um trecho da introdução da antologia Obras primas do conto moderno, introdução de Almiro Rolmes Barbosa e Edgard Cavalheiro:

[...]

Bem sabemos que ao lado da lista de nomes que o índice desta obra apresenta, o leitor poderá enfileirar, com facilidade, outros tantos nomes de valor idêntico, se não maior. Isso só prova que o gênero, em que pesem suas dificuldades, é dos mais fecundos e que todo grande ficcionista, cedo ou tarde, nele vem pousar, embora durante momentos. Realmente, apesar de difícil e perigoso, o conto exerce atração muito grande e raríssimo o escritor que não deixa contribuição num livro, nas páginas das revistas especializadas ou, simplesmente, dos magazines populares. Acontece que o talento sempre acompanha seu dono e, muitas vezes, resulta numa pequena obra-prima. De caso pensado evitamos, por isso mesmo, falar em antologia de contistas. Não reunimos contistas e sim contos.

Um fenômeno fácil de ser observado é o seguinte: Em geral o principiante começa escrevendo conto. Acha mais fácil que o romance, menos complexo. Duro engano. Pela síntese que exige, pela concisão e precisão psicológicas, por um sem-número de outras qualidades, o ficcionista, a não ser que tenha nascido pro metiê ou se trate dum gênio, somente atinge a obra-prima na pequena história depois que se fartou no amplo e complexo espaço do romance ou da novela. O segredo do conto, e não afirmamos alguma novidade, não está no enredo, originalidade da história. Um enredo vulgar, exploradíssimo, pode dar uma obra-prima. Mopassã já provou isso. Anatólio França também. O segredo do conto está... no gênio do autor. Qualquer conselheiro acácio subscreveria o conceito mas isso não impede que seja verdadeiro... Técnica, enredo, estilo, etc, são acessórios, não fazem do conto uma obra-prima. Nada mais duvidoso que esses cursos pra se tornar romancista, contista, poeta ou historiador. Está claro que sem conhecimento técnico nada se poderá fazer. Na obra de arte não há só inspiração mas também, e principalmente, transpiração. [...]

Vejamos um trecho da introdução da antologia Maravilhas do conto brasileiro, introdução de Fernando Góes:

[...] foi, incontestavelmente, como contista, que Machado de Assis fez suas obras-primas. E a opinião de Lúcia Miguel Pereira, ao examinar a prosa brasileira de ficção do período 1870-1920.

[...]

Não era assim, entretanto, que pensava Machado de Assis, que desde sua iniciação literária até os últimos anos de vida, praticou o conto com amor e arte, lhe voltando indiscutível preferência. E, sutilmente, desmentia tudo aquilo, ao escrever, em 1873, que o conto é gênero difícil, a despeito de sua aparente facilidade, e creio que essa mesma aparência de facilidade lhe faz mal, repelindo os escritores, e o público não dando a atenção devida.

Era como se afirmasse que, tal e qual como na fábula da raposa incapaz de alcançar as uvas, certos ficcionistas, vendo a dificuldade e complexidade do conto, disfarçassem a impossibilidade de as ultrapassar, dizendo, com falso desprezo: É gênero menor, é gênero menor...

[...]

Mas de nenhum modo, lendo as histórias aqui reunidas, o leitor terá a sensação de que caiu no conto do conto, gênero de esperteza estranha à literatura, na expressão maliciosa e feliz de Osmar Pimentel pra significar o engodo em que, muitas vezes, cai o leitor menos avisado.

Sempre preferi os contos aos romances de Machado de Assis. Lendo um conto seu sinto estar lendo Mopassã.

Vejamos o que dizem Almiro Rolmes Barbosa e Edgard Cavalheiro na introdução da antologia As obras-primas do conto universal:

[...]

o ponto de partida pra se chegar a uma conclusão mais ou menos razoável é o clássico: Se um romance deve ser romanesco, se um poema deve ser poético, se um tratado de filosofia deve debater idéia, é justo que um conto conte algo. É verdade que há contos nos quais naca sucede. Mas serão, realmente, contos? Ou apenas dissertações, ensaios ou trechos de romance? [...]

[...]

respondendo a um jovem principiante que lhe pedira esclarecimento sobre a melhor técnica a empregar, Mopassã respondeu:

- Técnica a empregar? Não compreendo o que queres dizer...

- Me refiro à fórmula pra se escrever um bom conto, mestre...

- á! A fórmula pra se escrever um bom conto!... É fácil. É só arranjar um bom começo e um bom fim.

- Só? E no meio o que entra?

- Á! Ali é que entra o artista!

[...]

Muito se escreveu sobre as diferenças entre o conto e o romance. A verdade é que um bom conto, em geral, contém os elemento dum grande romance, ao passo que um grande romance muito raramente dará um bom conto.

Os maiores estudiosos do assunto, com, por exemplo, Konrad Bercovici, são de opinião de que o conto é a mais alta forma de expressão literária. Realmente, a melhor parte da obra de grandes escritores, como Anatólio France, ETA Hoffmann, Mopassã, Tchekov, Twain e tantos outros não está em seus contos?

Nenhuma outra modalidade exige do artista tão intensa concentração e virtuosismo. Quando o escritor se senta pra escrever um conto já o deve ter claramente desenhado na mente. No romance o artista pode tocar e retocar à vontade. No conto, porém, a pintura deve ser definitiva desde o primeiro momento, sob pena de se arruinar a tela, isto é, de ser preciso recomeçar.

[...]

Um conto pode ter elementos de crônica. Muitas vezes um preâmbulo introdutório leva o leitor a considerar o texto uma crônica. Mais eis que vai surgindo a narrativa. Á! Agora sim! É um conto. Conforme o estilo do autor o conto pode ter tantos elementos de crônica. Muitas vezes podemos ficar indecisos se tal texto pode ser considerado conto. Mas há os que não são conto, de jeito nenhum.

Uma crônica é uma seqüência de impressões, lembranças, considerações. Por exemplo: O autor conta que em sua mocidade, em Ipanema, via a turma de Vinícius de Moraes reunida à mesa de bar. A conversa era animada. Sempre na expectativa de ver a garota de Ipanema passar. A fachada do bar era assim e tal. Ninguém tinha medo de assaltante. Que era melhor naquela época porque as garotas não tinham silicone nem tatuagem nem pircem. Tal coisa deixou saudade... Isso é crônica.

Num conto seria narrado um acontecimento com início, meio e fim. Por exemplo: Pode ter uma pequena crônica como preâmbulo, pra situar o leitor no tempo e no espaço, de preferência que sejam essenciais a quem ler o enredo. Conta que insistiu muito pra sua sobrinha, que queria se mudar a Salvador, ir morar em Ipanema pra terminar o estudo. Arranjou a ela um apartamento e, como morava perto, sempre a pegava no final do expediente. Como era muito bonita, tinha uns boêmios admiradores que sempre a admiravam passar diante de sua mesa de bar. Um dia fizeram uma música inspirada nela. No final se revela que a turma boêmia era a de Vinícius de Moraes. E, como desfecho, o narrador se gaba de ser ele o responsável por ter sido escrita a canção Garota de Ipanema, pois não fosse ele e a garota teria ido parar na Bahia.

Conto, como o próprio nome diz, tem de contar. Narrar um evento, uma história, sem se espraiar demais como no romance ou na novela. Uma série de impressões intimistas, lembranças, considerações, descrições, é crônica.

Outro engano é achar que conto é necessariamente ficção. Conto é o gênero narrativo. Tanto o conto como a crônica, como também o romance e a novela, podem ser ficção ou relatar um evento realmente ocorrido. No caso de narrativa de evento real chamamos de relato. O relato pode ser em forma de verso, de crônica... ou de conto.

 Assim, também, a lenda não é necessariamente ficção. Lenda, que vem do termo legenda, que marca uma história ou estória digna de destaque. O termo equivalente escandinavo é saga. Lenda é uma narrativa que fica como um marco dum acontecimento, dum lugar. Assim, por exemplo, a lenda que explica a origem do café diz que um pastor notou que suas cabras ficavam indóceis ao comer certa planta... Não importa se é fato histórico, evento deturpado com o tempo ou pura ficção. A lenda é uma história emblemática dum evento, dum lugar, dalguma coisa. Pode estar narrada em forma de conto. Muitos autores, como, por exemplo, Gottfried Keller, pegaram lendas mal narradas e as transformaram em belos contos. Cheiquespir fazia isso, transformando lendas tradicionais em peça de teatro. Ou seja, lapidando o diamante bruto, o transformando numa jóia brilhante, ainda mais valiosa. Assim Cheiquespir pegou a lenda da antigüidade, Píramo e Tisbe, e a transformou em Romeu e Julieta. Assim o fizeram os irmãos Grimm e assim são alguns contos de Andersen.

Fonte:
http://blogdolinho.blogspot.com