Ah, vida! Ah, vida sem graça!
Não ter terras, nem dinheiro.
Não ter mais, por mais que faça,
que trabalho o dia inteiro.
Bem sei que o céu que o céu cobre
é dos que aqui não têm sorte.
Mas coisa triste é ser pobre,
e pobre esperar a morte.
Cuidar, cuidei de ser rico,
mas feito um burro-de-carga.
Dor de lembrar ... Até fico
como a beber água amarga.
Do acender do dia à noite,
fosse chuva, ou sol, ou vento,
era a canseira, era o aloite
por pouco mais que o sustento.
E fui pensar que era fácil
morar no meu próprio ninho,
com mulher que me cuidasse
e – quem sabe? – um pançudinho.
Flor do sertão ... Quem queria
por achar mais do meu gosto,
casei com ela num dia
cinzento do mês de agosto.
Ganhei – mas quê? Nem dois anos
passaram ... e há quem suporte?
Ah, vida! Ah, carga de enganos!
Vida mais dura que a morte.
Homem ter sonhos – e vê-los
rolarem todos na areia;
depois, queixas e atropelos
de mulher que ficou feia ...
Isso não, que eu tinha peito
e era bamba no gatilho.
Quem vive mal dá um jeito.
Ah! deixei mulher e filho.
Já no ombro as coisas que eu tinha
(e era pouco mais que nada)
assim como uma andorinha
saí, saí pela estrada.
Léguas e léguas de mundo ...
e sempre a lâmpada acesa
no meu peito, bem no fundo
dos suspiros por riqueza.
Mãos que escavam esperanças.
A quem apenas a pisa
que dá a terra? Ah, lembranças!
Ah, garimpos de Balisa!
Noites sem sono, em que abertos
meus olhos a cada instante
viam brilhar, sempre perto,
uma pedra de diamante.
Os sonhos entre cascalhos.
O revolver de mil nadas
na terra – em que ânsia de galhos!
E a dor das buscas baldadas.
Pobre de mim! Não ter onde
mais ir atrás do que ofusca
mesmo o sol, e mais se esconde
se mais queima quem o busca.
Quantas vezes vi brilhando
no chão a pedra que ardia
no meu peito! – E eis senão quando
um raio (e de onde?) fugia.
Raios de espera e de fogo
que vão e vêm feito o vento,
qual milhões de caga-fogos
no escuro do pensamento.
Sempre a querer, sempre a sede
de que me desse o garimpo
ao corpo – a vida na rede,
e à alma – o céu sempre limpo.
Talvez, se não desistisse ...
Talvez com mais alguns meses ...
Talvez a sorte sorrisse.
Talvez ... e quantos talvezes!
Último sol que se deita ...
Último sonho de lava
queimando o chão, que a maleita
em febre já me acabava.
Voltar ... Mas, ir para casa?
Ah, não, que tinha vergonha.
Ah, vida, por que pões asa
no sonho e não em quem sonha?
Xadrez nem nada me prende.
Sem destino o mundo corro.
Mas um fogo em mim se acende,
e a buscá-lo sei que morro.
Zanzar assim sem ter onde.
Morrer – e nem sepultura.
E a sorte, como se esconde
se dá sonho ao que a procura.
O til é letra esquecida,
mas o não ela é que cobre.
E de nãos se cobre a vida
de quem sonha e nasceu pobre.
Não ter terras, nem dinheiro.
Não ter mais, por mais que faça,
que trabalho o dia inteiro.
Bem sei que o céu que o céu cobre
é dos que aqui não têm sorte.
Mas coisa triste é ser pobre,
e pobre esperar a morte.
Cuidar, cuidei de ser rico,
mas feito um burro-de-carga.
Dor de lembrar ... Até fico
como a beber água amarga.
Do acender do dia à noite,
fosse chuva, ou sol, ou vento,
era a canseira, era o aloite
por pouco mais que o sustento.
E fui pensar que era fácil
morar no meu próprio ninho,
com mulher que me cuidasse
e – quem sabe? – um pançudinho.
Flor do sertão ... Quem queria
por achar mais do meu gosto,
casei com ela num dia
cinzento do mês de agosto.
Ganhei – mas quê? Nem dois anos
passaram ... e há quem suporte?
Ah, vida! Ah, carga de enganos!
Vida mais dura que a morte.
Homem ter sonhos – e vê-los
rolarem todos na areia;
depois, queixas e atropelos
de mulher que ficou feia ...
Isso não, que eu tinha peito
e era bamba no gatilho.
Quem vive mal dá um jeito.
Ah! deixei mulher e filho.
Já no ombro as coisas que eu tinha
(e era pouco mais que nada)
assim como uma andorinha
saí, saí pela estrada.
Léguas e léguas de mundo ...
e sempre a lâmpada acesa
no meu peito, bem no fundo
dos suspiros por riqueza.
Mãos que escavam esperanças.
A quem apenas a pisa
que dá a terra? Ah, lembranças!
Ah, garimpos de Balisa!
Noites sem sono, em que abertos
meus olhos a cada instante
viam brilhar, sempre perto,
uma pedra de diamante.
Os sonhos entre cascalhos.
O revolver de mil nadas
na terra – em que ânsia de galhos!
E a dor das buscas baldadas.
Pobre de mim! Não ter onde
mais ir atrás do que ofusca
mesmo o sol, e mais se esconde
se mais queima quem o busca.
Quantas vezes vi brilhando
no chão a pedra que ardia
no meu peito! – E eis senão quando
um raio (e de onde?) fugia.
Raios de espera e de fogo
que vão e vêm feito o vento,
qual milhões de caga-fogos
no escuro do pensamento.
Sempre a querer, sempre a sede
de que me desse o garimpo
ao corpo – a vida na rede,
e à alma – o céu sempre limpo.
Talvez, se não desistisse ...
Talvez com mais alguns meses ...
Talvez a sorte sorrisse.
Talvez ... e quantos talvezes!
Último sol que se deita ...
Último sonho de lava
queimando o chão, que a maleita
em febre já me acabava.
Voltar ... Mas, ir para casa?
Ah, não, que tinha vergonha.
Ah, vida, por que pões asa
no sonho e não em quem sonha?
Xadrez nem nada me prende.
Sem destino o mundo corro.
Mas um fogo em mim se acende,
e a buscá-lo sei que morro.
Zanzar assim sem ter onde.
Morrer – e nem sepultura.
E a sorte, como se esconde
se dá sonho ao que a procura.
O til é letra esquecida,
mas o não ela é que cobre.
E de nãos se cobre a vida
de quem sonha e nasceu pobre.
Fontes:
SOUSA, Afonso Felix de. Chamados e escolhidos. RJ: Record, 2001.
Imagem = Justino Filho
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