Minha namorada ao ouvir uma música no rádio resolve me acordar às quatro horas da manhã.
- Amor, amor -, grita numa euforia barulhenta. – Olha que coisa linda...!!!
Pulo, assustado, tropeçando os olhos embaralhados no travesseiro sonolento.
- O que foi PP???
- Olha...!!!
- Não estou vendo nada. Onde? Cadê???
- A música...!!!
- Que música???
- Essa que está tocando... Ouça...!!!
- Então não é pra ver, é pra ouvir. Tudo bem! Estou gostando. O que tem ela?
- Não é divina? - Completa PP espichando para meu rosto seus olhos meigos da noite não dormida.
- Ah, sim, maravilhosa! Principalmente para se curtir depois de ser arrancado, aos sobressaltos, dos braços de Morfeu.
- Desculpa amor, não foi por querer – cochicha à vozinha fina: É que achei tão caliente. Sabe quem está cantando?
- Sei.
- Nossa, amor, que bom. Hoje então será meu dia de sorte. Nosso dia, melhor dizendo. Diz ai: quem é a deusa dessa voz venturosa?
- Você daqui a cem anos.
- Engraçadinho. Fala sério – troveja injuriada. Quem canta essa preciosidade?
- Sua irmã Pri - digo acorrendo num ímpeto quase carinhoso.
- Não brinca - Brada incontrolável. - Olha como estou trêmula. Parece até que me acorrentei às raias de um piripaque.
- Minha linda, se essa droga da música está lhe fazendo mal, me deixa desligar o som. Basta um clic e pronto.
- Pelo amor de Deus, não faça isso. Eu amo essa música. Eu amo, entende? Amo de paixão. Amoooooooooo!...
- Como consegue gostar de uma música, ou melhor, amar uma canção que desconhece quem a está cantando?!...
- Acontece, amor. – Diz num acesso de arrebatamento jubiloso. - Nunca passou por uma situação assim? Asseguro que é deveras constrangedor, mas, ao mesmo tempo, inebriante, avassalador – completa PP espalhando, por tudo, em redor, a doçura do seu entusiasmo.
- Concordo com você. Mas, PPzinha, como pode ver, essas bobeiras não me acontecem nem quando entro em alfa. Sabe, ao menos, o nome da bendita cantora?
- Nem imagino...!!!
- PP, PPzinha, me explica de novo: como se deixar envolver por uma simples canção que toca no rádio, se você acabou de me dizer que desconhece o principal, que é nome da artista?
- A isso, seu bobinho, se dá o nome de amor a primeira vista. Despertei com ela, me enamorei. Ela mexeu comigo. Desculpe, me esqueci: você não é nem um pouquinho romântico – conclui a guisa de resmungo.
- Sou romântico sim.
- Me poupe. Se fosse romântico, ao menos carinhoso, estaria, agora, grudado em meu peito, curtindo juntinho ao meu corpo essa belíssima canção angelical.
- O fato de não estar colado em você não quer dizer que não seja romântico. Sou mais do que possa imaginar.
- Aposto que não se deu conta. Pare um minuto, ouça a letra, sinta a melodia, se ligue nos acordes, procure viajar na orquestração, na voz, enfim, cadê seu lado zen...?
-... Em...???
-... Zen...!!!
-... Ah, meu amor, deixa isso pra lá: vem pra mim, vem!...
Centro de São Paulo horas depois, na avenida movimentadíssima, em direção ao meu trabalho, perto do prédio onde fica o escritório da empresa, ao passar em frente duma loja de eletroeletrônicos, deparo, sem querer, com a tal da musica tocando em vários aparelhos ao mesmo tempo. Pergunto para a moça que se apressa ao meu encontro com um sorriso aberto de um canto a outro da boca:
- Pois não, senhor? Em que posso ajudá-lo?
- Que música é esta? - Berro trovejando vertente ansiedade.
- Não sei senhor!
Tomado por um impulso movido a doidera momentânea, passo a mão em um dos aparelhos que servem de mostruário ao público. Na verdade, arranco do meio dos outros um três em um pequeno, movido a pilha e luz, e, saio correndo em direção à movimentação da cidade barulhenta. Os seguranças deitam em meu encalço. O gerente chama a policia. Na calçada, esbarrando em transeuntes açodados, desembesto o trocinho tocando, numa altura anormal. Entro em outra loja, logo adiante, e me dirijo também à primeira funcionária que se destaca, não só pelo brilho do rosto, como pela beleza de seu uniforme impecável. Mando a pergunta, na bucha:
- Que música é esta? – Aventuro incontido. - Sabe dizer que música é esta? - Ou quem canta, pelo menos?
Diante da negativa da jovem volto a carreira, o rádio executando a música que me acordou às quatro horas da manha. Outra loja e mais gente balançando a cabeça contraria a resposta que busco, embalde. Finalmente, me deparo com uma discoteca enorme, sofisticada, bem sortida. “ - Ufa! Até que enfim...” - Murmuro com meus botões – “Alguém, nesta joça, me dará a resposta que procuro”. Dito e feito:
- Essa musica ai se chama “Canção do amor verdadeiro”, temos em estoque, e quem canta é Mariza da Ximbica Cor de Rosa. O senhor quer ouvir???
Agradeço, viro as costas e me disponho a ganhar o dia lindo de céu azul e ensolarado. Todavia, ao meter os pés no frontispício da giratória, percebo uma galera a minha recepção, lá fora. Vislumbro a vendedora, o dedo em riste apontado em minha direção, os seguranças imbuídos de um forte apetite bestial, e, em meio a esse quase surto histérico, capturo os semblantes de poucos amigos de dois policiais militares, um dos quais, com as algemas ameaçadoras e prontas para encaixarem em meus braços.
- “... É ele...!!! ... É ele...!!!...” - Escuto a alta voz. – “... Foi ele...”- Fulmina uma branquelinha com uma soberba vivacidade de discrição – “... Olha a prova do crime nas patas sujas do sujeito...” -, instiga outra notívaga, que a acompanha, enquanto cerra a meio os seus macios olhos de míope. “... Cana no meliante, sargento...!!!”.
Saio preso e algemado em flagra, depois de levar uns belos catiripapos pelas ventas. Contudo, feliz, realizado. Sei, agora, o nome da porcaria da música e quem a interpreta. Depois de me livrar do delegado, poderei adentrar numa dessas lojinhas existentes ai pela cidade e comprar o cd para a PPzinha, minha doce e esfuziante cara metade.
Fontes:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://teianeuronial.com/antianticomunicacao/
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