domingo, 3 de julho de 2011

Aparecido Raimundo de Souza (A Canção que Tocou no Meio da Noite...)


Minha namorada ao ouvir uma música no rádio resolve me acordar às quatro horas da manhã.

- Amor, amor -, grita numa euforia barulhenta. – Olha que coisa linda...!!!

Pulo, assustado, tropeçando os olhos embaralhados no travesseiro sonolento.

- O que foi PP???

- Olha...!!!

- Não estou vendo nada. Onde? Cadê???

- A música...!!!

- Que música???

- Essa que está tocando... Ouça...!!!

- Então não é pra ver, é pra ouvir. Tudo bem! Estou gostando. O que tem ela?

- Não é divina? - Completa PP espichando para meu rosto seus olhos meigos da noite não dormida.

- Ah, sim, maravilhosa! Principalmente para se curtir depois de ser arrancado, aos sobressaltos, dos braços de Morfeu.

- Desculpa amor, não foi por querer – cochicha à vozinha fina: É que achei tão caliente. Sabe quem está cantando?

- Sei.

- Nossa, amor, que bom. Hoje então será meu dia de sorte. Nosso dia, melhor dizendo. Diz ai: quem é a deusa dessa voz venturosa?

- Você daqui a cem anos.

- Engraçadinho. Fala sério – troveja injuriada. Quem canta essa preciosidade?

- Sua irmã Pri - digo acorrendo num ímpeto quase carinhoso.

- Não brinca - Brada incontrolável. - Olha como estou trêmula. Parece até que me acorrentei às raias de um piripaque.

- Minha linda, se essa droga da música está lhe fazendo mal, me deixa desligar o som. Basta um clic e pronto.

- Pelo amor de Deus, não faça isso. Eu amo essa música. Eu amo, entende? Amo de paixão. Amoooooooooo!...

- Como consegue gostar de uma música, ou melhor, amar uma canção que desconhece quem a está cantando?!...

- Acontece, amor. – Diz num acesso de arrebatamento jubiloso. - Nunca passou por uma situação assim? Asseguro que é deveras constrangedor, mas, ao mesmo tempo, inebriante, avassalador – completa PP espalhando, por tudo, em redor, a doçura do seu entusiasmo.

- Concordo com você. Mas, PPzinha, como pode ver, essas bobeiras não me acontecem nem quando entro em alfa. Sabe, ao menos, o nome da bendita cantora?

- Nem imagino...!!!

- PP, PPzinha, me explica de novo: como se deixar envolver por uma simples canção que toca no rádio, se você acabou de me dizer que desconhece o principal, que é nome da artista?

- A isso, seu bobinho, se dá o nome de amor a primeira vista. Despertei com ela, me enamorei. Ela mexeu comigo. Desculpe, me esqueci: você não é nem um pouquinho romântico – conclui a guisa de resmungo.

- Sou romântico sim.

- Me poupe. Se fosse romântico, ao menos carinhoso, estaria, agora, grudado em meu peito, curtindo juntinho ao meu corpo essa belíssima canção angelical.

- O fato de não estar colado em você não quer dizer que não seja romântico. Sou mais do que possa imaginar.

- Aposto que não se deu conta. Pare um minuto, ouça a letra, sinta a melodia, se ligue nos acordes, procure viajar na orquestração, na voz, enfim, cadê seu lado zen...?

-... Em...???

-... Zen...!!!

-... Ah, meu amor, deixa isso pra lá: vem pra mim, vem!...

Centro de São Paulo horas depois, na avenida movimentadíssima, em direção ao meu trabalho, perto do prédio onde fica o escritório da empresa, ao passar em frente duma loja de eletroeletrônicos, deparo, sem querer, com a tal da musica tocando em vários aparelhos ao mesmo tempo. Pergunto para a moça que se apressa ao meu encontro com um sorriso aberto de um canto a outro da boca:

- Pois não, senhor? Em que posso ajudá-lo?

- Que música é esta? - Berro trovejando vertente ansiedade.

- Não sei senhor!

Tomado por um impulso movido a doidera momentânea, passo a mão em um dos aparelhos que servem de mostruário ao público. Na verdade, arranco do meio dos outros um três em um pequeno, movido a pilha e luz, e, saio correndo em direção à movimentação da cidade barulhenta. Os seguranças deitam em meu encalço. O gerente chama a policia. Na calçada, esbarrando em transeuntes açodados, desembesto o trocinho tocando, numa altura anormal. Entro em outra loja, logo adiante, e me dirijo também à primeira funcionária que se destaca, não só pelo brilho do rosto, como pela beleza de seu uniforme impecável. Mando a pergunta, na bucha:

- Que música é esta? – Aventuro incontido. - Sabe dizer que música é esta? - Ou quem canta, pelo menos?

Diante da negativa da jovem volto a carreira, o rádio executando a música que me acordou às quatro horas da manha. Outra loja e mais gente balançando a cabeça contraria a resposta que busco, embalde. Finalmente, me deparo com uma discoteca enorme, sofisticada, bem sortida. “ - Ufa! Até que enfim...” - Murmuro com meus botões – “Alguém, nesta joça, me dará a resposta que procuro”. Dito e feito:

- Essa musica ai se chama “Canção do amor verdadeiro”, temos em estoque, e quem canta é Mariza da Ximbica Cor de Rosa. O senhor quer ouvir???

Agradeço, viro as costas e me disponho a ganhar o dia lindo de céu azul e ensolarado. Todavia, ao meter os pés no frontispício da giratória, percebo uma galera a minha recepção, lá fora. Vislumbro a vendedora, o dedo em riste apontado em minha direção, os seguranças imbuídos de um forte apetite bestial, e, em meio a esse quase surto histérico, capturo os semblantes de poucos amigos de dois policiais militares, um dos quais, com as algemas ameaçadoras e prontas para encaixarem em meus braços.

- “... É ele...!!! ... É ele...!!!...” - Escuto a alta voz. – “... Foi ele...”- Fulmina uma branquelinha com uma soberba vivacidade de discrição – “... Olha a prova do crime nas patas sujas do sujeito...” -, instiga outra notívaga, que a acompanha, enquanto cerra a meio os seus macios olhos de míope. “... Cana no meliante, sargento...!!!”.

Saio preso e algemado em flagra, depois de levar uns belos catiripapos pelas ventas. Contudo, feliz, realizado. Sei, agora, o nome da porcaria da música e quem a interpreta. Depois de me livrar do delegado, poderei adentrar numa dessas lojinhas existentes ai pela cidade e comprar o cd para a PPzinha, minha doce e esfuziante cara metade.

Fontes:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://teianeuronial.com/antianticomunicacao/

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