Que coisa interessante! Parece que meu espírito nostálgico tem encontrado “adeptos”. Certamente leitores que já passaram dos 30, mas há até alguns na casa dos vinte e poucos anos se mostrando com saudades dos tempos de infância.
Ser uma blogueira que gosta de escrever sobre o passado pode ser um risco, afinal, talvez os mais novos rejeitem meu trabalho. Prometo mesclar, ok? Mas não vou mentir: amo contar minhas histórias de um tempo bom…
Nesse momento, por exemplo, veio à minha mente o vendedor de enciclopédia. Naquela época era algo comum permitir que pessoas entrassem em nossa casa para vender “coisas”. Sei lá, não se pensava muito nos riscos que essa visita poderia oferecer.
E então, em um sábado à tarde, ele chegou e foi responsável por um episódio que jamais esqueci. Meu pai o recebeu com muita simpatia, característica comum a esse homem que amo tanto. O vendedor trazia consigo uma infinidade de livros e estrategicamente foi depositando os exemplares em cima de uma grande mesa de madeira.
Naturalmente, para uma criança de 8 anos, os livros infantis, com todas as suas cores, saltaram aos olhos. Havia uma coleção lindíssima, de capa dura, com pelo menos uma dezena de títulos. As crianças de hoje não conseguem entender isso, mas fiquei “babando” por aquele tesouro, ali, tão perto e tão longe de mim.
Consegui tocá-los, consegui admirar algumas ilustrações, rapidamente tentei ler algumas histórias. Mas o vendedor não tinha o dia todo e precisávamos decidir sobre a compra. Não sei exatamente qual foi a confusão, só me lembro de que meu pai se equivocou com o valor da coleção pela qual eu tinha me apaixonado e, por um minuto talvez, tive a doce ilusão de que aqueles livros seriam meus, só meus.
Mas qual foi a minha decepção quando a confusão se desfez e meu pai entendeu de fato quanto teria que desembolsar.
Com muita educação, ele se desculpou com o vendedor e disse a famosa frase “Hoje não”. Eu sabia, no fundo, que não seria naquele dia e nem em outro que conseguiríamos comprar uma coleção daquelas.
Depois que o vendedor foi embora, chorei copiosamente. Tiraram o doce da criança, ou melhor, o livro. Quando contei essa história para meus alunos, eles disseram: “Professora, você chorou por causa de um livro?”
Ah, eles não conseguiram entender. Não eram somente livros. Eram passaportes para viagens inesquecíveis, eram a porta de entrada para um mundo de fantasias. Para nossa geração, eles representavam a grande oportunidade que tínhamos para aprender, para descobrir, para nos emocionar, para rir e chorar…
Nunca culpei meu pai. Eu sabia que ele desejava tanto quanto eu ter comprado aqueles livros.
Hoje incentivo meus filhos a ler. Compro livros de presente e também leio os meus perto deles, para que vejam que gosto dessa atividade. Mas confesso que não consegui ainda despertar neles a paixão que fez chorar depois da visita daquele vendedor.
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Lucilene Oliveira é curitibana de nascimento e maringaense de coração. Formou-se em Letras pela UEM e trabalha como professora de Língua Portuguesa há 13 anos. Escreve por prazer desde os tempos da faculdade e encontra nas palavras uma forma de dizer ao mundo o que pensa e sente, mesmo correndo o risco de não ser compreendida. Seus textos são crônicas do cotidiano: um olhar particular sobre o universo coletivo.
Fonte:
http://www.odiario.com/blogs/luoliveira/2010/09/19/o-vendedor-de-livros/
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