3. Imaginado o que foi imaginado
O maravilhoso dos contos de fadas faz com que aos poucos a magia, o fantástico, o imaginário deixem de ser vistos como pura fantasia para fazer parte da vida diária de cada um, inclusive dos adultos que já se permitem em muitos momentos se transportar para este mundo mágico, onde a vida se torna mais leve e bem menos operativa.
Imaginação s. f. ( lat. imaginatio, imaginationis). 1. Faculdade que permite elaborar ou evocar, no presente imagens e concepções novas, de encontrar soluções originais para problemas. 3. Faculdade de inventar, criar, conceber”. (Dicionário CULTURAL. 1992, p. 604)
As situações reproduzidas no conto maravilhoso acontecem num espaço redigido por leis totalmente diferentes daquelas que dominam nosso mundo cotidiano, embora haja uma preferência muito grande pelos bosques e florestas. Quer dizer, neste espaço, onde dominam as leis do sobrenatural e do imaginário, não existem distâncias e os personagens podem deslocar-se com grande facilidade da terra para o céu e deste para o mar.
Com isso, o conto maravilhoso pode até introduzir a situação inicial com a famosa frase “Era uma vez, num reino muito distante...”; contudo, num mundo imaginário e sobrenatural, o que menos importa é a localização temporal. Tudo acontece de repente e a duração dos acontecimentos não é cronometrada pelas mesmas unidades temporais que vivenciamos. Por exemplo, se o autor diz ‘dia’, ele está se referindo a um momento sideral preciso que altera o dia e a noite. O tempo é apenas uma paisagem da situação vivida pelos personagens.
Num espaço e num tempo assim constituídos, não se poderia esperar que habitassem seres como a gente. Pelo contrário, este é o mundo habitado pelos seres maravilhosos: fadas, magos, bruxas, anões, gigantes, gênios, gnomos, ogros, dragões, duendes e outros seres criados pela natureza. Todos eles convivem com grande naturalidade e nada que lhes ocorre é considerado estranho. Também não conhecem o processo do crescimento biológico. São crianças e adultos, mas não sofrem a ação do tempo, já que este não existe. A velhice ou a juventude faz parte do caráter do personagem.
“No espaço sobrenatural não existe tempo real, tudo acontece de repente e justamente, com total arbítrio do acaso. Os personagens existem, mas não foram criados por leis humanas. São, antes, fenômenos naturais. Por isso são seres encantados”. (MACHADO, 1994, p. 43)
Todo conto popular revela uma tendência muito grande para o encantamento: aquelas situações em que ocorrem transformações provocadas por algum tipo de magia, que não são explicadas de modo natural.
Há aquele tipo de história em que o encantamento ocorre em qualquer circunstância, pois o elemento mágico está presente em toda parte. Mas há também, um tipo de conto maravilhoso em que as transformações são privilégios de alguns seres encantados, dotados de poderes sobrenaturais. As narrativas mais significativas deste modelo são as histórias dos contos de fadas. São as histórias que, como o próprio nome diz, se concentram nos poderes mágicos das fadas, dos magos ou de algum outro ser dotado de poderes sobrenaturais.
“Fadas: são os seres que fadam, isto é, orientam ou modificam o destino das pessoas. Fada é um termo originado do latim fatum, que significa destino”. (MACHADO, 1994. p. 44)
Ainda que não se possa localizar no tempo a origem desses seres, a nossa tradição cultural se encarregou de definir as fadas como seres simbólicos, dotados de virtudes positivas e poderes sobrenaturais, concentrados em suas varinhas mágicas. Por isso, elas sempre aparecem nos momentos de grandes conflitos, quando as pessoas pensam que seu destino está tomado por uma fatalidade da qual é impossível fugir. Assim sendo, o conto de fadas torna-se uma manifestação valiosa na representação dos sonhos e dos desejos humanos, os mais profundos e significativos.
A professora com a qual realizei a entrevista diz que “o importante é que o maravilhoso acontece no mundo da magia, do sonho e da fantasia, onde tudo escapa às limitações da vida humana e onde tudo se resolve por meios sobrenaturais”. Foi bastante interessante ouvi-la contando sobre a reação das crianças nos momentos em ela conta as histórias, como trabalha com a entonação da voz e como as crianças reagem às situações vividas pelos personagens. Ela contou que é muito fácil perceber as emoções sentidas pelas crianças através de um olhar, de um sorriso, de um olhar de medo e até mesmo pela torcida de que, no final da história, o bem vença e os problemas se acabem e que sejam felizes.
Durante o relato, ela também contou:
“Tenho observado, no meu fazer pedagógico, satisfação e encantamento de crianças que variam dos 6 aos 10 anos de idade, cada vez que trabalhamos com contos de fadas. Ouvem com atenção, participam, opinam, contam estórias, etc. Através da fantasia, da imaginação, transmite-se à criança, valores que poderão auxiliá-la na sua formação, ajudando-a a superar medos, a enfrentar situações difíceis, enfim encorajando-a para alcançar o equilíbrio”.
Após leituras e comentários com a professora fiquei a pensar neste processo encantador pelo qual passa a nossa imaginação; o escritor, ao escrever, trabalha com sua imaginação para que o leitor venha a imaginar aquilo ele escreveu, e talvez o que o escritor imaginou pode não ter nada a ver com o que o leitor imaginou.
É incrível o quanto a nossa imaginação é livre; ao ouvirmos uma história ou ao lermos um livro, podemos viajar pelo mundo todo, por lugares nunca vistos, imaginando seres e situações nunca vividas antes. Por meio da imaginação podemos resolver nossos problemas, viver nosso presente, planejar nosso futuro e aprimorar nosso passado.
Imagino como é mágica a imaginação das crianças; para elas tudo parece tão real, mesmo no mundo imaginário. Quantas crianças possuem um amigo imaginário, com o qual brincam, conversam, cantam e até mesmo contam histórias imaginadas por elas mesmas. E este se torna um ser “real”, vem a ser uma realidade que vive somente no imaginário da criança. A professora acrescenta “um conto bem narrado ativa e intensifica toda uma série de experiências na criança, pois através da fala, dos gestos, da entonação da voz, o narrador atribui sentido ao que está sendo narrado”.
Comparo a imaginação infantil ao planejamento por meio de sonhos que alguns adultos se permitem passar; a diferença é que, em alguns casos, os sonhos podem se tornar realidade, e isto é o que faz com que a vontade de sonhar continue viva.
4. Hora do Conto na escola
A literatura infantil é algo que me encanta, me interessa; seguidamente converso com meus alunos do Ensino Médio sobre a relação que existe entre eles e as histórias infantis. Hoje percebo o quanto eles gostam de relembrar os momentos da infância e o quanto alguns personagem se tornaram inesquecíveis em sua vida. No entanto, considerei imprescindível compreender como se efetiva esse contato pedagógico do professor com a criança e os contos de fada, até mesmo para compreender mais o que os jovens manifestam de lembranças dessas vivências, e para poder disponibilizar este estudo aos professores que desempenham este papel. Decidi-me, pois, por desenvolver uma pesquisa exploratória, analisando a bibliografia pertinente e conversando com uma professora que atua com a Hora do Conto.
A pesquisa exploratória é vista como o primeiro passo de todo o trabalho científico. Este tipo de pesquisa tem por finalidade proporcionar maiores informações sobre determinado assunto; facilitar a delimitação de uma temática de estudo; definir os objetivos ou formular as hipóteses de uma pesquisa, ou, ainda, descobrir um novo enfoque para o estudo que se pretende realizar. Pode-se dizer que a pesquisa exploratória tem como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições. Através dessa metodologia de pesquisa avalia-se a possibilidade de se desenvolver um estudo inédito e interessante, sobre uma determinada temática. Sendo assim, proporciona maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito. De um modo geral, esta pesquisa constitui um estudo preliminar ou preparatório para outro tipo de pesquisa.
O instrumento de coleta de dados que utilizei foi uma entrevista semi-estrutura, a partir da qual apresento uma análise descritiva.
A Hora do Conto, nesta escola, é realizada uma vez por semana para alunos de pré à 4ª série. É uma atividade do laboratório de aprendizagem que oferece ainda a visita do “carro da leitura” (biblioteca ambulante que visita salas de aula uma vez por semana). Durante a visita do “carro da leitura”, todas as turmas de pré à 4ª série param outras atividades para poder ler, seja contos ou histórias em quadrinhos.
Sempre que possível, a Hora do Conto é realizada de acordo com o projeto que está sendo desenvolvido pelo currículo - contos, histórias, poesias, músicas são apresentados tanto pelas professoras responsáveis pelo Laboratório de Aprendizagem, como também pelos alunos. Algumas vezes, a Hora do Conto é enriquecida com trabalhos em dobradura, colagem, desenho e formação de textos, poesias e dramatizações.
Existe também a preocupação com o desenvolvimento da sociabilidade e desenvoltura dos/as alunos/as para se apresentarem em Horas Cívicas e festas comemorativas na escola, através de pequenas dramatizações de contos infantis, danças, músicas ou declamações de poemas.
Na conversa com a professora entrevistada, ela comentou sobre a importância do maravilhoso dos contos de fadas que concretiza imagens, símbolos, etc. como mediadores de valores eventualmente assimilados pelos ouvintes; esses valores contribuem e influenciam à formação da personalidade da criança.
A capacidade de simbolizar é fundamental para a nossa natureza psíquica e emocional, e é um atributo desejável para um desenvolvimento intelectual pleno, saudável e criativo. A professora acredita que os contos de fadas são a chave para ajudar as pessoas a desembaraçar os mistérios da realidade, e diz que talvez a resposta esteja na linguagem simbólica de que os contos de fadas se revestem, pois está ligada aos dilemas que o homem enfrenta ao longo de seu amadurecimento emocional.
Concordo com a professora entrevistada, quando a mesma diz que “Os contos de fadas têm formas diferentes de expressar idéias, mostrando sentidos profundos e inesperados às crianças e as auxiliam a compreender a sua condição humana e a lidar com os conflitos a ela inerentes”, pois os contos de fadas, de uma forma mágica, têm o poder de mexer com os nossos sentimentos mais íntimos e verdadeiros. Por meio deles as crianças se identificam com as situações vividas pelos personagens como se fosse sua própria vida; de acordo com os acontecimentos no decorrer da história, são perceptíveis as reações das crianças. E esses conflitos, vividos por meio do imaginário, são capazes de auxiliar muito no desenvolvimento emocional e humano das crianças, ajudando-as a entender, de forma mais acessível, os acontecimentos de sua vida real.
Considerações finais
Durante cada leitura que realizei para escrever este artigo mais me encantava e vibrava com cada novas descobertas. Os contos de fadas são enriquecedores e satisfatórios, eles ensinam sobre os problemas interiores dos seres humanos e apresentam soluções em qualquer sociedade. A fantasia ajuda a formar a personalidade e por isso não pode faltar na educação.
Durante os estudos, relembrei momentos de minha própria infância: o medo de alguns personagens, como a bruxa; a ansiedade para saber o que aconteceria com a Cinderela no final da história e qual seria o destino da madrasta malvada e de suas filhas. Foi muito interessante, pois hoje todas estas sensações se transformaram em lembranças encantadoras. Percebo também essas sensações quando meus alunos relatam algumas lembranças da infância: observo as expressões do rosto, do olhar, dos gestos... É impressionante como podemos aprender, criar, sonhar, imaginar por meio de nossas leituras e recordações.
Por isso, saliento a importância dos contos de fadas e da leitura no desenvolvimento da imaginação infantil: os mesmos contribuem muito na formação da personalidade, ajudam as crianças a entenderem um pouco melhor este mundo que as cercam. Se no processo de ensino se desse uma atenção especial ao emocional que existe em cada uma das crianças, este mundo seria bem melhor!
Referências Bibliográficas
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BARCO, Frieda Liliana Morales, RÊGO, Zíla Letícia Goulart Pereira, FICHTNER, Marília Papaléu. Era uma vez ... na escola: formando educadores para formar leitores. Belo Horizonte: Formato, 2001.
BETTLLHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
CAGNETI, Sueli de Souza. Livro que te quero livre. Rio de Janeiro: Nordica, 1986.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000.
DOHME, Vania. A atividade lúdica como mídia educacional.... Disponível em http://www.ueb-df.org.br/artigo0.asp?art=11, acessado em 17/07/2005.
FACHIN, Odília. Fundamentos de metodologia. – 3.ed.- São Paulo: Saraiva, 2001.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. – 3. Ed.- São Paulo: Atlas, 1991.
MACHADO, Irene A. Literatura e redação. São Paulo: Scipione, 1994.
SOSA, Jesualdo. A literatura infantil. Literatura Infantil: autoritarismo e emancipação. São Paulo: Ática, 1982.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 1995
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Juliana Boeira da Ressurreição, pós-graduanda do curso de Novas Abordagens em Língua Portuguesa e Literatura da Língua Portuguesa -Faculdade Cenecista de Osório-FACOS/RS Orientadora Profa. Dra. Cristina Maria de Oliveira
Fonte da Imagem = Believe in your dreams
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