segunda-feira, 4 de julho de 2011

Leon Eliachar (A Outra)


Amâncio tinha outra mulher. Toda a vizinhança sabia, menos ela, Iracema, que era a verdadeira. Chegara a duvidar se a mulher verdadeira é a que é casada, com juiz de paz e tudo direitinho, ou se é a outra, que aparece sem mais nem menos e toma o marido das outras. Sempre fora uma boa esposa, econômica, doméstica, não era dada a extravagâncias — no fim deu nisso que todo mundo dizia. Não sabia até que ponto um homem pode fingir dentro de casa, sem que a mulher perceba. Amâncio continuava, aparentemente, o mesmo homem. Em casa não faltava nada, nem mesmo carinho. Talvez fosse veneno das amigas:

— Deixa de ser boba, você não quer acreditar porque é ingênua. Todo mundo sabe que seu marido não é fiel. Segue até mulher na rua.

Uma amiga mais íntima chegou a dizer frontalmente:

— Não tenho nada com a sua vida, só lhe digo isso porque somos amigas há mais de doze anos. Mas o seu marido tem outra mulher. E digo mais: se você bobear, ele vai trocar você pela outra.

Iracema não queria dar ouvidos. Sempre viveu bem com o marido, não era agora que ia dar trela pras fofoquices dos invejosos. “É despeito de quem fala”, pensava consigo mesma. Mas no íntimo, muito lá no íntimo, não se mostrava assim tão conformada.

— Que é que posso fazer?

Até o porteiro do edifício já olhava pra ela como se ela fosse uma boboca, passada pra trás pelo marido. Talvez até ele estivesse levando algum pra ficar na moita, mas o seu ar zombeteiro, quando ela o cumprimentava, já estava atravessando os limites da sua paciência. Os tormentos não paravam:

— Faz macumba, sua boba.

Ela fez tudo que podia fazer: macumba, prece, cartomante, pitonisa, promessa, nada deu certo. Chegou ao cúmulo de dar trotes pelo telefone e de fazer ameaças com cartas anônimas. Estava se sentindo ridícula ante a certeza dos outros e a sua dúvida. Por mais que quisesse se afastar da idéia de que o marido a traía, os boatos e os cochichos acabaram vencendo e trazendo à tona o seu amor-próprio. Era preciso tomar uma atitude e só tendo provas concretas poderia ter coragem pra falar com o marido.

— Põe um detetive atrás dele. Uma vez aconteceu isso com uma conhecida minha e. . .

Ouviu dezenas de casos, todos semelhantes. Não agüentava mais ouvir as histórias das outras, sempre atribuídas a uma amiga ou uma conhecida. Nunca era com elas mesmas.

— Vivo muito bem com o meu marido, mas se isso que está acontecendo com você fosse comigo, não sei não.

Iracema não resistiu à pressão. Uma tarde, bateu o telefone pra uma agência dessas que resolvem problemas: “Serviço rápido e eficiente, mantendo completo sigilo”. Nem sequer deu o seu nome, inventou um qualquer, o próprio detetive disse que assim era melhor, que a agência não fazia questão, pra inspirar mais confiança.

— Às oito está bom?

— Não, senhor, às oito meu marido está em casa. Prefiro às quatro.

— Qual o endereço, por favor?

— Prefiro num lugar distante da minha casa.

— Compreendo, minha senhora.

— No barzinho Lagoa, que ele nunca passa por lá.

— Combinado, às quatro em ponto. Como é que a senhora vai vestida?

— Bem simples. Uma saia cinza e uma blusa branca, com um broche do lado esquerdo.

— Perfeito. Eu vou de terno cinza.

Iracema foi viva, achou melhor ir toda de verde, pra despistar. Às quatro em ponto, lá estava ela, tomando um guaraná, quando entrou o marido:

— Você aqui, Amâncio?

Ele puxou uma carteirinha do bolso:

— Nunca lhe disse nada, mas nas horas vagas sou detetive particular.

E começou a bronca:

— E você? Que é que está fazendo aqui a esta hora da tarde?

Iracema não teve saída. Voltaram discutindo o caminho todo, ele acusando, ela se defendendo.
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Sobre o autor = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/03/leon-eliachar-1922.html
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Fontes:
ELIACHAR, Leon. A mulher em flagrante. Círculo do Livro. Digitalizado, revisado e formatado por Susana Cap
Imagem = http://www.apostilahacker.com.br/

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