CAPITULO XIII
Política de 2228
Nessa mesma reunião ministerial, prosseguiu miss Jane, o Presidente Kerlog teve palavras de fazer refletir os ouvintes.
– "O nosso predomínio vejo-o ameaçado, se não de ruína, pelo menos de fundas transformações. Avoluma-se a onda negra — e a ela resistiriamos se a cisão elvinista não viesse enfraquecer o nosso peso político. Mas o eleitorado branco está cindido, e agora mais que nunca vai funcionar a massa negra como o fiel da balança dos destinos da América. Venceremos, pois o concurso de Roy, embora negaceado para nos extorquir concessões, virá infalivelmente à ultima hora. Imagino com que horror não verá ele os progressos do sabinismo!
Mas havemos de confessar que é precária a situação do nosso partido, com a vida assim dependente da boa vontade de um manhoso lider negro...”
– Que concessões queria Jim Roy? perguntei.
– Essa mesma pergunta fez ao senhor Kerlog o ministro da Seleção Artificial. "Quer, respondeu o presidente, uma entente no terreno seletivo. Insiste na atenuação da lei Owen."
Os rigores desta lei tinham-se agravado no ano anterior, com o fim muito claro de fazer cair o índice do crescimento negro. Isso contrariava a política racial de Jim Roy, toda resumida em favorecer a expansão do seu povo até o ponto que lhe permitisse forçar o branco á divisão do país.
Por coisa nenhuma queriam os brancos transigir no terreno restritivo da Lei Owen — seria um suicídio. Mas a situação metera a política naquele buraco: ou ceder ás exigencias de Jim Roy ou assistir á vitória das mamíferas rebeldes.
Quando o presidente terminou a sua exposição calaram-se os ministros por algum tempo, de queixo preso. Qualquer das hipóteses não agradava ao macho branco. Mas como a sabedoria pragmática consiste cm acudir primeiro ao perigo mais proximo, foi acordado ceder ás exigencias do lider negro.
Os ministros retiraram-se dessa reunião de tal modo apreensivos que não viram, no quadro onde se estampavam de minuto em minuto as comunicações dos agentes do governo, um rádio que naquele momento acabava de inscrever-se em letras luminosas: Miss Astor está em conferência com Jim Roy.
O Presidente Kerlog fixou os olhos no quadro informativo e permaneceu uns instantes a morder uma espátula de vidro flexível como aço.
— "Não a entendi", murmurou, "não nos entendemos em nossa conferência. Mas com Jim vai ela falar a velha linguagem inteligível..."
Mordiscou ainda por algum tempo a espátula. Depois ergueu-se, risonho.
– "Mas não vencerá o orgulho sexual de Roy! Jim Roy é homem e vê como eu o perigo da vitória sabina..."
Que curioso devia ter sido esse encontro de miss Astor com Jim Roy, dois seres tão distantes! disse eu.
– Realmente, concordou miss Jane. O vê-los um defronte do outro no gabinete de trabalho da grande elvinista lembrava acareação de garça do Amazonas com raposa branquicenta da Sibéria. Eram dois seres sem a menor aproximação de aparências externas, formando um quadro próprio como nenhum outro para ilustrar a teoria de miss Elvin. Parecia até inconcebível que por tanto tempo fossem as duas criaturas classificadas na mesma espécie pela ciência macha. A radiosa beleza da Sabina mutans (assim a zoologia de miss Elvin classificava a ex-fêmea do Homo sapiens) iradiava um verdadeiro halo de fascínio. Criatura nenhuma envolvida por essa aura conseguia libertar-se dos seus amávios magnetizadores. Miss Astor, se falava, não era por necessidade de falar, porque convencia pela presença. Mas achava-se naquele momento em face do talvez único representante da espécie antagonista imunizado contra a ação catalizadora da beleza. Jim Roy valia pelo símbolo da força. A raça espezinhada confluira-se toda nele, transformando-o num feixe de energias indomáveis. Em toda a sua vida publica jamais esse negro dera um só passo ou pronunciara uma só palavra que se não norteasse pela grande ideia que trazia embutida no cérebro. Não era um indivíduo, Jim. Era a própria raça negra por um milagre de compressão posta inteira dentro de um homem.
Miss Astor o sentiu imediatamente. Percebeu que tinha diante de si uma força insubornável e inseduzível. E, compreendendo o inútil dos volteios de onda em torno de rocha tão dura, abordou de frente o assunto.
— "O choque das raças vai dar-se, disse ela. Precipita-se. Será um conflito tremendo, mas só no caso de estar no poder o homem branco, criador do ódio ao negro. Tudo mudará, se em vez desse implacável inimigo comum estivermos no poder nós mulheres". Jim Roy franziu os sobrolhos.
— "Inimigo comum, sim, prosseguiu miss Astor. Ambas somos suas escravas; mas se a escravização dos teus, Jim, data de séculos, a nossa data de milênios. Caso o poder supremo venha ter ás mãos da mulher, o choque se atenuará, porque saberemos ser conciliantes, e haverá enorme economia de sofrimento futuro, se operar-se sem demora a aliança política do elvinismo com o elemento negro. Acresce uma circunstância: os negros são conhecedores dos processos do macho branco e sabem muito bem o que dele podem esperar. Mas desconhecem os processos femininos; dada a contradição de ideias e sentimentos que hoje afasta as sabinas do gorila evoluído, só têm vantagens a esperar da vitoria elvinista".
E foi por aí além miss Astor. Mostrou-se palavrosa e abundante, visto que sentia falhar ante a firmeza do grande líder negro o prestigio da sua "ação de presença".
Jim Roy ouviu-a com serena impassibilidade, sem que um sorriso ou ruga de apreensão lhe quebrasse a calma das feições, e ao responder limitou-se a promessas ondeantes, fechado em formulas vagas e de duplo sentido.
Finda a conferência, miss Astor permaneceu imovel na sua poltrona, a refletir.
— "Como este diabo assimilou bem a lingua da velha diplomacia, a lingua que parecendo dizer alguma coisa não dizia nada!" E quando naquele mesmo gabinete se reuniram suas amigas e colaboradoras, ansiosas por conhecerem os resultados da enterite com Jim Roy, foi com o olhar cismarento que miss Astor murmurou:
– "Qualquer coisa me diz que o lider negro incuba um plano secreto...”
– "Contra quem?”
– "Ignoro-o. Nada há de deduzir das suas palavras, perfeitas palavras de diplomata. Mas o meu senso divinatório não mente, Jim vai trair..."
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continua… XIV – Eficiência e Eugenia
Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.
– Realmente, concordou miss Jane. O vê-los um defronte do outro no gabinete de trabalho da grande elvinista lembrava acareação de garça do Amazonas com raposa branquicenta da Sibéria. Eram dois seres sem a menor aproximação de aparências externas, formando um quadro próprio como nenhum outro para ilustrar a teoria de miss Elvin. Parecia até inconcebível que por tanto tempo fossem as duas criaturas classificadas na mesma espécie pela ciência macha. A radiosa beleza da Sabina mutans (assim a zoologia de miss Elvin classificava a ex-fêmea do Homo sapiens) iradiava um verdadeiro halo de fascínio. Criatura nenhuma envolvida por essa aura conseguia libertar-se dos seus amávios magnetizadores. Miss Astor, se falava, não era por necessidade de falar, porque convencia pela presença. Mas achava-se naquele momento em face do talvez único representante da espécie antagonista imunizado contra a ação catalizadora da beleza. Jim Roy valia pelo símbolo da força. A raça espezinhada confluira-se toda nele, transformando-o num feixe de energias indomáveis. Em toda a sua vida publica jamais esse negro dera um só passo ou pronunciara uma só palavra que se não norteasse pela grande ideia que trazia embutida no cérebro. Não era um indivíduo, Jim. Era a própria raça negra por um milagre de compressão posta inteira dentro de um homem.
Miss Astor o sentiu imediatamente. Percebeu que tinha diante de si uma força insubornável e inseduzível. E, compreendendo o inútil dos volteios de onda em torno de rocha tão dura, abordou de frente o assunto.
— "O choque das raças vai dar-se, disse ela. Precipita-se. Será um conflito tremendo, mas só no caso de estar no poder o homem branco, criador do ódio ao negro. Tudo mudará, se em vez desse implacável inimigo comum estivermos no poder nós mulheres". Jim Roy franziu os sobrolhos.
— "Inimigo comum, sim, prosseguiu miss Astor. Ambas somos suas escravas; mas se a escravização dos teus, Jim, data de séculos, a nossa data de milênios. Caso o poder supremo venha ter ás mãos da mulher, o choque se atenuará, porque saberemos ser conciliantes, e haverá enorme economia de sofrimento futuro, se operar-se sem demora a aliança política do elvinismo com o elemento negro. Acresce uma circunstância: os negros são conhecedores dos processos do macho branco e sabem muito bem o que dele podem esperar. Mas desconhecem os processos femininos; dada a contradição de ideias e sentimentos que hoje afasta as sabinas do gorila evoluído, só têm vantagens a esperar da vitoria elvinista".
E foi por aí além miss Astor. Mostrou-se palavrosa e abundante, visto que sentia falhar ante a firmeza do grande líder negro o prestigio da sua "ação de presença".
Jim Roy ouviu-a com serena impassibilidade, sem que um sorriso ou ruga de apreensão lhe quebrasse a calma das feições, e ao responder limitou-se a promessas ondeantes, fechado em formulas vagas e de duplo sentido.
Finda a conferência, miss Astor permaneceu imovel na sua poltrona, a refletir.
— "Como este diabo assimilou bem a lingua da velha diplomacia, a lingua que parecendo dizer alguma coisa não dizia nada!" E quando naquele mesmo gabinete se reuniram suas amigas e colaboradoras, ansiosas por conhecerem os resultados da enterite com Jim Roy, foi com o olhar cismarento que miss Astor murmurou:
– "Qualquer coisa me diz que o lider negro incuba um plano secreto...”
– "Contra quem?”
– "Ignoro-o. Nada há de deduzir das suas palavras, perfeitas palavras de diplomata. Mas o meu senso divinatório não mente, Jim vai trair..."
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continua… XIV – Eficiência e Eugenia
Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.
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