terça-feira, 15 de novembro de 2011

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 3


JUSTIÇA

Ao Ermelino de Leão

Os tempos não são mais de dança nem de lança,
E o mundo vai talvez ainda pior do que eu
Supunha: todos nós perdemos a esperança,
É o naufrágio, e este horror, e tudo pereceu...

Mas através do desespero que não cansa,
Através deste mal duro como um judeu,
Quando corre o teu sangue e bom como criança,
Quando te vejo, assim, mulher que se perdeu...

Ó furor de arrancar trêmulo a minha espada,
De levantar a voz e de chamar a mim
Cegos e surdos que não querem ouvir nada...

Heroísmo, e juventude, e glória, e luz de um dia,
Que bom de ver surgir uma cavalaria,
Que te erguesse do chão, como uma flor, enfim!

1903

Poesias Diversas

IDEAL!

Ao Romário Martins

É frio, frio, como gelo.
Galopo o meu cavalo em pelo.
Uivos roucos de temporal!...
Mas nessa noite de procela,
Lá corre trêmula uma vela
Num mar de sangue! – É o meu Ideal!

Às vezes como um Xá da Pérsia,
Envolto todo em minha inércia,
Eu adormeço num divã...
Mas vem de súbito a Esperança,
Toca-me o braço, dá-me a lança:
“Corre! que vão matar tua irmã!”

Ó meu Senhor, que bom seria,
Na praia. Esplêndido esse dia.
Um velho, e o barco sobre o mar:
“O mar é um túmulo sem fundo,
Mas eu vou dar a volta ao Mundo,
Além! Além!” – Quero embarcar!

A minha vida é uma Doente,
Que ri funambulescamente...
Ri como os sinos: dlem! dlom! dlem!
Olhai! lá vem descendo o serro!
Lá vem! lá vem o meu enterro!
Que dor! que dor! Morri. Por Quem?

E tu, cruel, que assim me perdes,
Ó vício! ó Dama d’olhos verdes!
Torcida como um caracol?
Mas nos teus olhos quando cuido:
Ah! quem me dera ser o fluido,
E ser a estrela, e ser o Sol!

No campo. Um cavaleiro passa.
(Campo de Troia da Desgraça)
“Guarda! – murmura – É de coral,
Diamante, pérolas e ouro,
Estranho, fúlgido tesouro...”
Não lhe roubara nenhum real!

A Dor! (que olhar! e que magreza!)
Quando essa tísica Princesa
Entra de noite o meu solar...
Queima-me um raio de martírio,
Eu resplandeço como um lírio,
Ó Lua Nova! a soluçar!

Ideal! Ideal! que fina salva!
Ideal de prata! Estrela d’Alva!
Torre d’ouro da minha Fé!
Ideal! Ideal! luzente Espada!
Contigo, vê, não temo nada!
Turris eburnea! Arca de Noé!

Ideal! Ideal! que me tortura!
Ó fogo fátuo! ó vã loucura!
Dama d’honor! Lança e Arnês!
Além, além, é um mar de luzes!
No meio d’ossos e de cruzes?
Que importa! Irei sangrando os pés!

***

IGUAÇU

Ao Joaquim de Castro

Ó rio que nasceu onde nasci, ó rio
Calmo da minha infância, ora doce, ora má,
Belo estuário azul, espelhado e sombrio,
Quanto susto me deu, quanto prazer me dá!

Quantas vezes eu só, nessas manhãs d’estio,
Ao vê-lo deslizar, pomposamente, lá,
Pálido não fiquei, tão majestoso vi-o,
Orgulho do Brasil, glória do Paraná!

Companheiro ideal! Durante toda a viagem,
Foi o espelho fiel a refletir a imagem,
Dos montes e dos céus, discorrendo através

Da floresta, ora assim como um cão veadeiro,
A fugir, a fugir alegre e alvissareiro,
Ora deitado aqui quase a lamber-me os pés!

***

CANÇÃO

Pára um negro cavaleiro
Ao pé de antigo solar:
O seu cavalo é de crina
Cor da Lua, cor do luar.

Vem de longe o cavaleiro,
Vem das guerras de Além-mar...
Com a ponta da sua adaga
Bate à porta do solar.

– Quem bate na minha porta,
A esta hora de dormir? –
“É teu esposo, Guiomar,
A porta lhe vem abrir.”

– O meu esposo morreu
Lá nas guerras d’El-rei,
Tenho o punhal que o feriu,
Gravado em ouro de lei. –

Com a ponta da sua adaga
Torna de novo a ferir:
– Quem bate na minha porta,
A esta hora de dormir?

– Se fores meu Dom Rodrigo,
A porta te irei abrir,
Mas se não fores Rodrigo,
Dize: que queres de mim?

“Eu sou Dom Rodrigo, a porta,
A porta me vem abrir”
– Perdão, senhor! piedade!
Tem piedade de mim!

...................................................

Parte um negro cavaleiro
Para as guerras de Além-mar,
O seu cavalo é de crina
Cor de sangue, cor de luar.

1897

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

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