sábado, 19 de novembro de 2011

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 5


CORRE MAIS QUE UMA VELA...

Corre mais que uma vela, mais depressa,
Ainda mais depressa do que o vento,
Corre como se fosse a treva espessa
Do tenebroso véu do esquecimento.

Eu não sei de corrida igual a essa:
São anos e parece que é um momento;
Corre, não cessa de correr, não cessa,
Corre mais do que a luz e o pensamento...

É uma corrida doida essa corrida,
Mais furiosa do que a própria vida,
Mais veloz que as notícias infernais...

Corre mais fatalmente do que a sorte,
Corre para a desgraça e para a morte...
Mas eu queria que corresse mais!

***

QUADRAS

À memória do Albino Silva

Eu de certo não sei, se venho d’um gorila,
Ou se venho talvez do paraíso terreal...
Em todo caso pó, e quando muito argila...
Achei-me um dia aqui; quem sabe por meu mal!

Eu não sei d’onde vim; mas viesse d’onde viesse,
Da poeira ou da luz, do gorila ou de Adão,
Toda a minha ânsia é de subir como uma prece,
Toda a minha ânsia é de brilhar como um clarão.

Para onde vou? Não sei. Qual é o meu destino?
Também não sei. Porém desejo caminhar
Por essa estrada além, bem como um peregrino,
E o meu instinto é como um pássaro a voar!...

***

DONA MORTE

entrando num albergue:
......................................................................

– Mãe, que és tão pobre e não tens leite,
Ó dor crescente! ó Lua cheia!
Vida – candeia sem azeite,
Olha-me, vê, não sou tão feia!
Pé ante pé,
Queres? olé !

Glacial, esguia, num momento,
Eu entro, sopro essa candeia...
Queres? olá !
Quem foi? quem foi?
– o norte, o vento...
Ah! ah! ah! ah! ah! ah! ah! ah!
…………………....……………………

***

INCOERÊNCIA

Quando eu aperto assim mais leve que uma pluma,
Ó meu desejo bom, ó minha flor-de-lis,
Esse teu seio nu, de carne que perfuma,
Em abraços, em beijos loucos e febris,

Não sei dizer por que, mas vem-me à fantasia,
Que em vez de estar aqui, abraçando-te nua,
Por sobre este peplum de seda, eu poderia
Andar inquieto aí, pelo meio da rua,

Exposto ao vento, à chuva, à neve, ao frio, ao lodo,
Pálido de suor, carregado de tédio,
A procurar em vão, nervoso e quase doido,
Para um irmão, que morre, um extremo remédio !

***

SOLIDÃO

Ao J. H. de Santa Rita

Desde os mais tenros anos, Solidão,
Que adivinhei que eu era teu irmão.

Onde quer que eu, andando, te encontrasse,
Ó sombra, ó sonho, ó ilusão falace,

Fosse na imensidade azul do mar,
Todo num fim de luz crepuscular,

Ou na deserta e solitária praia,
Quando o vento soluça e a onda desmaia,

Sempre que te enxergava, em vez de ter
Medo, como outros têm, tinha prazer.

Tinha um secreto gozo, uma alegria,
Tão esquisita que eu não definia.

Era como se acaso visse alguém
Que conhecesse, que quisesse bem...

Tal a misteriosa afinidade
Que havia entre nós dois, ó Soledade!

Entretanto, não sei que sucedeu,
Não foste minha, e nem pude ser teu.

E era, bem compreendo, era no meio
Desse florido e aveludado seio,

Que eu devera passar a vida, e não
Como a passei, aqui, ó Solidão,

Entre enganos cruéis e desenganos,
Dias e dias e anos e anos!

Era em teu seio, sim, como um enfermo,
Teu seio triste, e vasto, e nu, e ermo...

Era em teu coração, que para mim
Foi sempre aberto em flor, como um jardim...

Inda tenho, porém, frescuras d’alma,
Lírios e rosas, violeta e palma...

Inda te posso amar, ó minha flor,
Com a mesma graça, com o mesmo ardor,

Com o mesmo gesto, a mesma inquietude,
Com que eu amei na flor da juventude...

Pois serei teu, e tu, a embriaguez
De quando amei pela primeira vez.

E teu somente, ó flor silenciosa,
Coroada de mirtos e de rosa,

Nós fugiremos, pombos ideais,
Longe destes abutres e chacais,

Para o fundo dos vales e dos montes,
Ao pé dos lírios, em redor das fontes,

Enlaçados no mesmo abraço pois,
No mesmo beijo luminoso os dois,

Ó doce paz, ó meu dourado asilo,
De um azul melancólico e tranquilo,

Ó ilusão, ó mãe das ilusões,
Filosofias e religiões,

Mãe de tudo que é belo e que irradia,
Mãe do Silêncio e da Sabedoria!

Dezembro – 1907

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

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