Já estava cheio o palácio, não só de personagens do reino das Abelhas como de muitos outros reinos, inclusive o das Águas Claras.
Narizinho correu os olhos em procura dalgum conhecido. Viu logo o Major Agarra.
— Viva, Major! — exclamou, dirigindo-se a ele alegremente. — Como vão todos por lá?
Antes de dar notícias, o sapo demonstrou mais uma vez a sua gratidão pelo que a menina lhe havia feito, desculpando-se também de não ter aparecido no sítio de dona Benta, como prometera. Depois contou que o príncipe andava cada vez mais taciturno.
— Não se casou ainda?
— Nem casa. Tem recusado a mão das mais belas princesas do reino. Todos dizem que ele sofre de paixão recolhida. Ama alguém que não faz caso dele, é isso.
O coração da menina palpitou mais apressado.
— Não dizem por lá quem é essa que ele ama?
— Dona Aranha Costureira sabe quem é, mas guarda muito bem guardado o segredo. É uma senhora muito discreta.
— E o bobinho da corte, aquele tal gigante Fura-Bolos?
— Nunca mais foi visto. Com certeza teve o mesmo fim do Carlito Pirulito...
Narizinho refletiu uns instantes. Depois:
— Olhe, não se esqueça, quando voltar, de dizer ao príncipe que me viu aqui e que vou bem, obrigada. Diga-lhe também que qualquer dia receberá um convite para vir com toda a sua corte passar umas horas comigo no sítio de vovó, sim?
O Major prometeu não se esquecer do recado. E ia dizer mais
alguma coisa, quando a entrada duma libelinha mensageira o interrompeu.
— Salve, princesa! — exclamou ela.
— Viva! — correspondeu a menina franzindo os sobrolhos.
— Traz alguma mensagem para mim?
— Trago uma carta dum ilustre marquês. Ei-la.
Narizinho tomou a carta e leu:
Pesso-vos-lhe perdão da minha kovardia. Tom Mix stá aqui amolando a fhaca pra me matar. Tenha ddó deste infeliz, que se assina, com perdão da palavra, criado brigado
RABICO.
— O estilo, a letra, a ortografia e a gramática é tudo dele! Este bilhete corresponde a um perfeito retrato de Rabicó — ou Rabico, sem acento, como ele assina. Grandíssimo patife!
E voltando-se para a libelinha:
— Onde está ele?
— No capoeirão dos Tucanos Vermelhos, lá na terra dos lagartões. Prometeu-me um lindo lago azul em paga do meu trabalho de trazer esta carta.
Narizinho não pôde deixar de sorrir, pensando lá consigo: “Sempre o mesmo! Onde Rabicó já viu lago azul?” Mas não quis desiludir a mensageira, visto precisar dos seus serviços para a resposta. Rabiscou um bilhetinho a galope.
— Leve este bilhete a Tom Mix, mas depressa hein? E quando quiser aparecer lá pelo sítio de vovó, não faça cerimônia, ouviu ? Vá, vá!...
A libelinha vibrou as asas e zuct! desapareceu. Voou rápida como o pensamento. Chegou ao capoeirão dos Tucanos Vermelhos no instante em que os cinco minutos concedidos a Rabicó iam chegando ao fim e o carrasco lhe dizia, erguendo a faca:
— Está findo o prazo. Chegou a sua hora, marquês!
Mas Tom Mix teve de interromper o serviço. A libelinha sentara-se justamente na ponta do seu nariz, com o bilhete no ferrão.
Percebendo-o, Tom Mix tomou o bilhete e leu. Era ordem de perdão a Rabicó.
— Tem muita sorte o senhor marquês! — disse ele, enfiando a faca na bainha. — A princesa perdoa o seu crime e comuta a pena de morte nesta outra mais leve — e pregou-lhe um formidável pontapé.
— Uf! — exclamou Rábico depois que se viu livre do perigo. — Escapei de boa! Pontapé dum bruto destes não é nada agradável, mas mesmo assim deve ser mil vezes preferível às suas facadas...
Depois indagou, voltando-se para a mensageira:
— Onde está a princesa?
— No reino das Abelhas.
— E a condessa?
— Também lá, num canto, muito jururu nas suas muletas.
— Muletas? — repetiu Rabicó sem nada compreender. — Será que caiu do cavalo?
— Não sei, não tive tempo de indagar.
Rabicó permaneceu pensativo por alguns instantes. Depois disse:
— Está direito. Pode ir. Passe bem, muito obrigado.
A mensageira franziu o nariz.
— E o meu lago azul?
Rabicó, que tinha muito má memória para as suas promessas, fez cara de surpresa.
— Lago? Que lago?
— O lago azul que me prometeu em troca de levar a carta...
— Ah, sim... Mas menina, para que quer você um lago e logo um lago azul? Eu prometi um lago, é verdade, mas refletindo melhor vi que é um presente muito perigoso, pois você pode vir a morrer afogada. Em vista disso achei melhor substituir esse lago por esta sementinha de abóbora. Tome!
A libelinha ficou furiosa.
— Muito agradecida, senhor. Trato é trato. Faço questão do meu lago azul!
O marquês coçou a cabeça, embaraçado, lançando olhares gulosos para a abóbora que estivera comendo quando Tom Mix apareceu.
— Vamos deixar o caso para ser decidido amanhã — disse por fim. Agora não posso; tenho muito serviço. Imagine que Tom Mix me condenou a comer esta abóbora inteirinha — a mim, um marquês que está acostumado a só comer bombons e presuntos...
––––––––
Continua... A Rainha
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
Narizinho correu os olhos em procura dalgum conhecido. Viu logo o Major Agarra.
— Viva, Major! — exclamou, dirigindo-se a ele alegremente. — Como vão todos por lá?
Antes de dar notícias, o sapo demonstrou mais uma vez a sua gratidão pelo que a menina lhe havia feito, desculpando-se também de não ter aparecido no sítio de dona Benta, como prometera. Depois contou que o príncipe andava cada vez mais taciturno.
— Não se casou ainda?
— Nem casa. Tem recusado a mão das mais belas princesas do reino. Todos dizem que ele sofre de paixão recolhida. Ama alguém que não faz caso dele, é isso.
O coração da menina palpitou mais apressado.
— Não dizem por lá quem é essa que ele ama?
— Dona Aranha Costureira sabe quem é, mas guarda muito bem guardado o segredo. É uma senhora muito discreta.
— E o bobinho da corte, aquele tal gigante Fura-Bolos?
— Nunca mais foi visto. Com certeza teve o mesmo fim do Carlito Pirulito...
Narizinho refletiu uns instantes. Depois:
— Olhe, não se esqueça, quando voltar, de dizer ao príncipe que me viu aqui e que vou bem, obrigada. Diga-lhe também que qualquer dia receberá um convite para vir com toda a sua corte passar umas horas comigo no sítio de vovó, sim?
O Major prometeu não se esquecer do recado. E ia dizer mais
alguma coisa, quando a entrada duma libelinha mensageira o interrompeu.
— Salve, princesa! — exclamou ela.
— Viva! — correspondeu a menina franzindo os sobrolhos.
— Traz alguma mensagem para mim?
— Trago uma carta dum ilustre marquês. Ei-la.
Narizinho tomou a carta e leu:
Pesso-vos-lhe perdão da minha kovardia. Tom Mix stá aqui amolando a fhaca pra me matar. Tenha ddó deste infeliz, que se assina, com perdão da palavra, criado brigado
RABICO.
— O estilo, a letra, a ortografia e a gramática é tudo dele! Este bilhete corresponde a um perfeito retrato de Rabicó — ou Rabico, sem acento, como ele assina. Grandíssimo patife!
E voltando-se para a libelinha:
— Onde está ele?
— No capoeirão dos Tucanos Vermelhos, lá na terra dos lagartões. Prometeu-me um lindo lago azul em paga do meu trabalho de trazer esta carta.
Narizinho não pôde deixar de sorrir, pensando lá consigo: “Sempre o mesmo! Onde Rabicó já viu lago azul?” Mas não quis desiludir a mensageira, visto precisar dos seus serviços para a resposta. Rabiscou um bilhetinho a galope.
— Leve este bilhete a Tom Mix, mas depressa hein? E quando quiser aparecer lá pelo sítio de vovó, não faça cerimônia, ouviu ? Vá, vá!...
A libelinha vibrou as asas e zuct! desapareceu. Voou rápida como o pensamento. Chegou ao capoeirão dos Tucanos Vermelhos no instante em que os cinco minutos concedidos a Rabicó iam chegando ao fim e o carrasco lhe dizia, erguendo a faca:
— Está findo o prazo. Chegou a sua hora, marquês!
Mas Tom Mix teve de interromper o serviço. A libelinha sentara-se justamente na ponta do seu nariz, com o bilhete no ferrão.
Percebendo-o, Tom Mix tomou o bilhete e leu. Era ordem de perdão a Rabicó.
— Tem muita sorte o senhor marquês! — disse ele, enfiando a faca na bainha. — A princesa perdoa o seu crime e comuta a pena de morte nesta outra mais leve — e pregou-lhe um formidável pontapé.
— Uf! — exclamou Rábico depois que se viu livre do perigo. — Escapei de boa! Pontapé dum bruto destes não é nada agradável, mas mesmo assim deve ser mil vezes preferível às suas facadas...
Depois indagou, voltando-se para a mensageira:
— Onde está a princesa?
— No reino das Abelhas.
— E a condessa?
— Também lá, num canto, muito jururu nas suas muletas.
— Muletas? — repetiu Rabicó sem nada compreender. — Será que caiu do cavalo?
— Não sei, não tive tempo de indagar.
Rabicó permaneceu pensativo por alguns instantes. Depois disse:
— Está direito. Pode ir. Passe bem, muito obrigado.
A mensageira franziu o nariz.
— E o meu lago azul?
Rabicó, que tinha muito má memória para as suas promessas, fez cara de surpresa.
— Lago? Que lago?
— O lago azul que me prometeu em troca de levar a carta...
— Ah, sim... Mas menina, para que quer você um lago e logo um lago azul? Eu prometi um lago, é verdade, mas refletindo melhor vi que é um presente muito perigoso, pois você pode vir a morrer afogada. Em vista disso achei melhor substituir esse lago por esta sementinha de abóbora. Tome!
A libelinha ficou furiosa.
— Muito agradecida, senhor. Trato é trato. Faço questão do meu lago azul!
O marquês coçou a cabeça, embaraçado, lançando olhares gulosos para a abóbora que estivera comendo quando Tom Mix apareceu.
— Vamos deixar o caso para ser decidido amanhã — disse por fim. Agora não posso; tenho muito serviço. Imagine que Tom Mix me condenou a comer esta abóbora inteirinha — a mim, um marquês que está acostumado a só comer bombons e presuntos...
––––––––
Continua... A Rainha
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
Um comentário:
Eu tinha esta coleção inteira. Lí tudo doei e depois com o tempo comprei de volta em sebos, pois não esquecí minha paixão.
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