quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

J. G. De Araújo Jorge (Quatro Damas) 2a. Parte

“ALGUMA COISA "

Que ao menos acontecesse alguma coisa...
De bem ou de mal...

Por exemplo:
- Que este sonho despencasse do 10. andar
e virasse notícia de jornal…

" ALPINISTA "

Escalei um sonho de amor
mas rolei sobre o abismo
e me encontraram morto...

Quando um dia me acharam
abriram a minha mão
e te encontraram...
....................................................

Eras a pura Edelvais
inacessível,
que eu quisera colher
e apertara ao coração...

Sim... Fizera o impossível...
Mas em vão…

" ALVORADA ETERNA "

Quando formos os dois já bem velhinhos,
já bem cansados, trôpegos, vencidos,
um ao outro apoiados, nos caminhos,
depois de tantos sonhos percorridos...

Quando formos os dois já bem velhinhos
a lembrar tempos idos e vividos,
sem mais nada colher, nem mesmo espinhos
nos gestos desfolhados e pendidos...

Quando formos só os dois, já bem velhinhos,
lá onde findam todos os caminhos
e onde a saudade, o chão, de folhas junca...

Olha amor, os meus olhos, bem no fundo,
e hás de ver que este amor em que me inundo
é uma alvorada que não morre nunca!

" AMA-ME COMO EU SOU... "

Ama-me como eu sou
sem me perguntar pelo antes de ti,
por esses momentos meus, nublados, sem razão,
pelo passado, em pedaços perdido nas viagens,
- sem querer saber a história das tatuagens
que marcam o coração...

Ama-me como eu sou
(para que perguntar?)
- marinheiro que por tantos mares, inutilmente
se procurou. . . e perdeu,
com tão pouco talvez para te dar,
mas tão pouco, tão eu...

Ama-me como eu sou.
(e sê o que tu és:
humilde, terna, boa,)
- não queiras amarrar-me nem tolher-me
nem ser sombra a seguir-me presa aos pés...
Deixa-me livre, como um velho barco
afeito às ondas pela proa
e aos ventos, pelo convés...

Concede-me a solidão
(que precisam da solidão os que foram do mar...)
Concede-me a solidão, nos meus momentos
de zero, ou de temporal, em que caio em mim mesmo,
como coisa inútil!
e egoísta, e sofrido,
só preciso de mim para voltar...

Sê o que tu és
(humilde e boa, sempre disposta a se dar
sem recompensas,
alegre, toda vez que volto e atiro amarras
para ficar )
- feliz porque cheguei sem ter saudades
sem deixar para trás nada mais do que mar...

Ama-me como eu sou,
(não queiras mudar-me, amor, pois bem sabes que é tarde
e já não há mais tempo)
e o coração quem te diz,
- abriga-me em teus braços, que eu neles renasço e vivo,
que eu não sou senão um homem infeliz
que ainda fazes feliz . . .

"AMOR DE FANTASIA"

O pior, para mim, é ter que encontrar-te todo dia,
falar contigo como a uma estranha,
ver-te linda e distraída,
estender-te a mão, em cumprimentos banais,
quando tu és afinal (que importa se não sabes?)
- a minha Vida ...

Em vão me confesso num olhar de ternura
que procura teus olhos, além,
onde ninguém pode chegar,
e o coração se alvoroça! e paro, e me contenho,
numa angústia apaixonada...
E linda, e distraída,
tu nem percebes nada...

Iludo o meu desejo, (esse Fauno em travesti
de velho Pierrot)
a imaginar mil coisas de poeta e de louco,
Ah! se eu fosse o teu Senhor!)
- e te atiro palavras, como serpentinas
displicentes,
para distrair os outros, os intrusos, - presentes
a este singular carnaval
do meu amor...

Ah! se soubesses o quanto és minha,
nesses instantes proibidos
da imaginação,
mas profundamente verdadeiros,
- tu, linda e distraída,
boneca e criança,
talvez acendesses, na distancia dos teus olhos
para os meus olhos marinheiros
e para a minha vida,
alguma esperança.

" ANTES... DEPOIS... "

Antes de ti
mesmo acompanhado
eu continuava cada vez mais sozinho...

Depois de ti
mesmo sozinho
estou cada vez mais acompanhado…

" AO SONETO "

Tu me lembras o pátio de um mosteiro
retangular, fechado, onde as arcadas,
- as quadradas arcadas, - sobre os pisos
jogam luzes e sombras, silenciosas.

São quatorze as arcadas ao redor...
E as palavras caminham de sandálias...
Bem no meio do pátio, entre a folhagem
de um secreto jardim, sussurram águas.

É em ti que os poetas, - monges sem clausura –
se recolhem na vida tantas vezes
e se põem a rir ou a chorar,

entoando seus cantos como rezas,
e ao ouvi-los depois, nem mesmo sabem
se é sua, a música... ou se é a voz da fonte…
-
Fonte:
JG de Araujo Jorge. Quatro Damas . 1. ed., 1964.

Nenhum comentário: